Contrariamente aos meus costumes, fui obrigado pelas circunstâncias a ir ao shopping, no domingo, para fazer umas poucas compras – caindo assim numa imperdoável concessão ao consumismo. E esse tempo que não pude dedicar ao descanso dominical, como nos recomendam os sábios preceitos da Igreja, serviu-me para tomar contato com determinada realidade, na qual nem sempre prestamos atenção. Talvez minhas observações coincidam com as do simpático e perspicaz leitor. Cada um dirá…
Ao entrar no imenso edifício, onde uma brisa fresca me aliviou dos ardores de um causticante sol, procurei logo com decisão a loja onde pensava encontrar os artigos que me faziam falta.
Na primeira não encontrei o que desejava. Na segunda estava tudo muito caro. Por fim achei o que queria. Mas tanto tinha andado dentro do shopping que ao sair da loja já não sabia situar-me naquele imenso edifício, onde uma multidão perambulava vagarosamente de um lado para o outro.
Ao tentar localizar-me, fui obrigado a parar, por uns instantes, e a prestar atenção no público que lotava aquelas galerias. Tive a impressão de que estavam como eu: sem rumo. Todos caminhavam sem pressa, vagarosamente, quase arrastando os pés… Uns paravam diante das vitrines, olhavam sem muita atenção, prosseguiam seu lento passeio. Poucos entravam para fazer alguma compra. Talvez por não terem dinheiro, talvez por não saberem bem o que queriam…
E pensei com os meus botões: “Como a atitude dessas pessoas reflete bem a situação geral do mundo! Caminham sem rumo, não sabem bem o que querem, nem têm finalidade na vida… Afastaram-se de Deus, e a Igreja já não é o farol da sua existência. Que tristeza!”
De volta para casa, folheando um livro de um conhecido autor católico francês do início do século XX, caiu-me sob os olhos um trecho que parecia iluminar meu pensamento. Tratava sobre o papel da arte no apostolado. Parecia até que Huysmans tinha previsto o que anos mais tarde o Concílio Vaticano II e o próprio Papa João Paulo II ressaltariam, com tanto acerto, sobre o papel da cultura na evangelização.
Vou traduzi-lo aqui, caro leitor, para que juntos o possamos saborear, tão interessante ele é:
[Na Igreja,] todas as obras confluem para Deus, exceto a da arte. As congregações repartiram entre si todas as outras, salvo aquela. Algumas, efetivamente, como os jesuítas, os franciscanos, os redentoristas, os dominicanos, os missionários, pregam, organizam retiros, evangelizam os infiéis; outras mantêm pensionatos e escolas; outras, como os sulpicianos e os lazaristas, seminários; a maioria delas inclusive desempenha essas diferentes funções; outras, ainda, cuidam de doentes, ou, como os cartuxos e os cistercienses, reparam os pecados do mundo, são reservatórios de expiação e de penitência; outras, enfim, como os beneditinos da Congregação da França, se consagram mais especialmente ao serviço litúrgico, ao ofício divino dos louvores.
Mas nenhuma, nem mesmo a dos beneditinos aos quais ele pertence de direito, tem reinvidicado os direitos sobre a arte religiosa, que ficou sem herdeiros desde o desaparecimento de Cluny ….
Além disso, é preciso ser bem ignorante para negar, mesmo apenas do ponto de vista prático, o poder da arte. Ela foi a auxiliar mais segura da mística e da liturgia, durante a Idade Média; foi a filha amada da Igreja, sua intérprete, que ela encarregava de exprimir seus pensamentos, de expô-los nos livros, sobre os pórticos das catedrais, nos retábulos, na arquitetonia dos edifícios.
Era ela que comentava os Evangelhos e abrasava as multidões; que as lançava, sorrindo em alegres orações, ao pé dos presépios, ou as sacudia com soluços diante dos conjuntos lacrimosos dos calvários; que as fazia ajoelhar, estremecidas, quando em maravilhosas Páscoas, Jesus, ressuscitado, sorria, apoiado sobre sua enxada, para Madalena,ou que as erguia, ofegantes, gritando de alegria, quando, em extraordinárias Ascensões, Cristo, subindo para um céu dourado, levantava sua mão perfurada, de onde corriam rubis, para as abençoar!
Tudo isso está distante, infelizmente! Em que estado de abandono e de anemia se encontra a Igreja, depois que Ela desinteressou-se da arte, e que a arte retirou-se dEla! Ela perdeu seu melhor modo de propaganda, seu mais seguro meio de defesa.
Pareceria que agora, quando é assaltada e faz água de todos os lados, Ela deve suplicar ao Senhor que lhe envie artistas… (J. K. Huysmans, L’Oblat, Stock Éditeur, 8ª ed., 1903, pp. 348 a 350).
O Papa João Paulo II teve extraordinária sensibilidade para o papel da arte na evangelização. Por isso, na sua Carta aos Artistas, referiu-se aos problemas de nossa época dizendo: “a beleza salvará o mundo”.
Da consideração admirativa dos esplendores da arte católica, nasce para os Arautos do Evangelho um ideal: fazer surgir de entre as luzes matizadas e sublimes dos vitrais medievais uma aurora de novo brilho e fulgor dentro da Santa Igreja.
Levar o belo a pobres e ricos, a todos os carentes do maravilhoso, é a alta missão evangelizadora decorrente deste novo Carisma. (Revista Arautos do Evangelho, Janeiro/2002, n. 1, p. 26-27)