Meu “Pai santo”, meu “Pai justo” são os dois únicos títulos que o Filho de Deus usa para Se referir à Primeira Pessoa da Santíssima Trindade, as duas únicas qualidades que Ele Lhe atribui, e o que nelas está contido é impossível de explicar. […]
Deus é infinitamente santo
Vê-se, portanto, que nada há de mais conveniente do que honrar estes dois atributos por meio de uma oração na qual eles tenham pleno efeito. Mas se logo depois formos contemplar de forma particular estas duas divinas perfeições, é fácil que venhamos a nos perder.
Eu vejo que aquilo que principalmente se louva e celebra de Deus no Céu é sua santidade. Adorando-O no seu trono, os Serafins, os mais sublimes dos espíritos celestes, não podem dizer senão que Ele é santo; mais uma vez: santo; pela terceira vez: santo (cf. Is 6, 3). Ou seja, Ele é infinitamente santo. Santo na sua perfeita Unidade, santo na Trindade de suas Pessoas; a Primeira como o princípio da santidade, as duas outras como saídas, por meio de santas operações, do próprio seio e do fundo da santidade. Brademos, pois, também nós: “Santo, santo, santo!” e adoremos a santidade de Deus.
Nos homens, a santidade é uma qualidade moral que lhes proporciona todas as virtudes e os afasta de todos os pecados. Nada neles é mais excelente do que a santidade, nada os torna tão admiráveis, tão veneráveis. Ela leva a olhá-los como algo de divino, como deuses na terra: “Eu disse: sois deuses, sois todos filhos do Altíssimo” (Sl 81, 6).
Quanta adoração, portanto, deve atrair para Deus sua infinita santidade! Em nós, a santidade é algo acidental, que se pode adquirir ou perder. Deus é essencialmente santo: sua essência é a santidade. Tudo n’Ele é sagrado, tudo é santo. Profanos, não vos aproximeis, não toqueis: tudo é santo, tudo é a própria santidade. “Deus é luz, n’Ele não há treva” (I Jo 1, 5). Deus é “Aquele que é” (cf. Ex 3, 14) e, por seu ser, está infinitamente distante do nada. Ele é santo e, por sua santidade, está mais infinitamente ainda, digamos assim, distante de outro nada, mais vil e mais odiável, que é o pecado.
Sua vontade é a regra de toda retidão
Sua vontade é sua regra e a regra de todas as coisas. Que pode haver de irregular na própria regra? Ele é santo por natureza, não por efeito da graça; não é santificado, é santificador. Todas as suas obras são santas porque partem do fundo da santidade e de sua vontade que é sempre santa, sempre reta, pois ela é a própria retidão, a própria regra de toda retidão.
Davi se levanta de manhã e vai contemplar a santidade de Deus: “Apresentar-me-ei de manhã perante Vós, e verei que sois Deus, que não amais a iniquidade” (cf. Sl 5, 4-5), e não podeis amá-la, pois sois sempre santo e todas as vossas obras são inseparáveis da santidade. Permaneçamos com Davi em silêncio diante da augustíssima santidade de Deus. Contemplando-a, nos perdemos, porque jamais poderemos compreendê-la, nem tampouco a pureza necessária para dela nos aproximarmos.
Isaías vê de longe o trono de Deus, diante do qual os Serafins proclamam sua santidade. “Eu vi o Senhor sentado num trono muito elevado”, diz ele. Tudo estava sob seus pés, diante d’Ele tudo tremia. Vê também os espíritos bem-aventurados que mais se aproximam do trono, de cujos lábios ouve apenas esta palavra: “Santo, santo, santo!” Tomado de pavor, grita: “Ai de mim! Estou perdido porque sou um homem de lábios impuros, habito com um povo de lábios impuros e, entretanto, meus olhos viram o Rei, o Senhor dos exércitos!” (cf. Is 6, 1-7). Senhor do exército do Céu e de todos os exércitos da terra. A santidade de Deus o faz tremer. Cheio de um santo e religioso temor, ele se retira.
Está acima dos esforços dos Serafins
Isso não me surpreende, pois ele vê o espanto dos próprios Serafins: eles têm asas para voar, o que prova a sublimidade de seus conhecimentos, mas as têm também para cobrir seus olhos ofuscados pela luz e pela santidade de Deus.
Por mais abrasados que estejam do divino amor, sentem que seu amor é limitado, como tudo quanto é criado; percebem, portanto, que neles há, por assim dizer, mais “não-amor” do que amor, como sempre há também mais “não-ser” do que ser. É este o motivo pelo qual se escondem, cobrem com suas asas a face e os pés, considerando-se indignos de comparecer, com sua santidade finita, perante a infinita santidade de Deus. E o brado que dão para dizerem-se uns aos outros: “Santo, santo, santo!”, deixa ver o esforço que lhes é necessário para apreender e para celebrar a santidade de Deus, a qual permanece acima de todos os seus esforços. Deste modo, não há senão Ele capaz de louvar-Se a Si mesmo, e é n’Ele que se deve encontrar e conhecer seu digno louvor.
Quanto mais devemos nós, pecadores, estremecer diante da augusta e temível santidade de Deus? Contudo, se for aplicada aos meus lábios uma brasa do altar, se um dos Serafins receber de Deus ordem de me tocar com esse fogo celeste, como fez com Isaías, então louvarei com lábios puros o Senhor, porque O amarei com um amor puro.
Afastemo-nos, portanto, dos pecadores
Não julguemos, porém, que os Serafins, nem os ministros de Deus, quaisquer que sejam, mesmo se tivessem sido elevados à sua categoria pela perfeição de seu amor, têm o poder de nos purificar. Podem eles tocar nossos lábios com o fogo divino, pela inspiração de alguns bons pensamentos. Mas penetrar a fundo e abrasar-nos do amor santificante, esta é obra exclusiva de Deus que, presente no mais íntimo de nossos corações, acende e oculta nas profundezas de nosso interior essa chama santificadora e purificadora. Desse modo se realiza esta divina prece: “Pai santo, santifica-os pela verdade: Eu Me santifico por eles” (cf. Jo 17, 11.17.19).
Afastemo-nos, portanto, dos pecadores e de toda iniquidade, contemplando a santidade de Deus, nosso Pai Celestial. Pois é assim que Davi, depois de ter visto e considerado desde a manhã que Deus é santo e “não ama a iniquidade” – ou seja, não a quer nunca nem de forma alguma –, acrescenta logo após: “O perverso não habitará junto de Vós; os injustos, os pecadores não subsistirão ante vossos olhos” (Sl 5, 5-6).
Digo mais uma vez: apartemo-nos dos pecadores; separemo-nos deles, não apenas por uma vida contrária à sua, mas também, tanto quanto possível, evitando sua odiosa e perigosa companhia, para não sermos corrompidos por suas palavras e seus exemplos, nem respirarmos um ar infectado. (Revista Arautos do Evangelho, Agosto/2018, n. 200, p. 30-31)
Méditations sur l’Évangile. La Cène. Seconde Partie. LXVIe Jour. In: “Œuvres Complètes”. Besançon: Outhenin-Chalandre Fils, 1836, t.III, p.445-447