Quem não se encanta ao ouvir o sonoro timbre do sino que, do alto do campanário, nos convida a elevar nossa mente ao Céu e dirigir a Deus uma súplica, um louvor? O sino é uma verdadeira maravilha da arte, pela simplicidade de suas linhas, beleza de suas proporções e riqueza de suas notas.
Origem do sino
Os judeus e os pagãos conheceram somente o tintinnabulum ou campainha. Esta miniatura do sino é nomeada pela primeira vez no livro do Êxodo. Deus ordenou a Moisés guarnecer de campainhas de ouro a orla inferior do manto de Aarão, o primeiro Sumo Sacerdote, e acrescentou: “Aarão será revestido desse manto quando exercer suas funções, a fim de se ouvir o som das campainhas quando entrar no Santuário, diante do Senhor, e quando sair” (Ex 28, 35). Em número de 72, destinavam- se elas a recordar aos filhos de Israel que a Lei lhes havia sido dada ao som da trombeta.
Entre os gregos e romanos, as campainhas eram usadas em diversos atos civis e religiosos, desde a abertura dos banhos públicos até a consagração de algum templo.
Durante o período das perseguições, deveriam ser silenciosos os meios de chamar os cristãos para as reuniões, de modo a não despertar a atenção dos pagãos. Depois de Constantino, a Igreja do Ocidente passou a servir-se de trombetas para essa finalidade, e a do Oriente usava duas lâminas de cobre, que se batiam uma contra a outra.
Não se sabe quem foi o idealizador do sino como hoje o conhecemos. Segundo relato de Santo Isidoro de Sevilha, falecido em 636, sua origem é a região da Campânia, Itália, muito provavelmente a cidade de Nola.
O sino nasceu católico
Nos tempos de Carlos Magno, que reinou de 768 a 814, os sinos eram já muito conhecidos. A propósito da solicitude deste soberano pelas coisas eclesiásticas, o monge de Saint Gall nos conta este singular fato:
“No império de Carlos Magno vivia um hábil fundidor que fez um excelente sino. Apenas soube disso, o imperador ficou penetrado de admiração. Prometeu-lhe o fundidor fazer um muito mais belo se, em vez de estanho, ele lhe desse cemlibras de prata.
“A soma foi-lhe logo entregue; mas esse mau homem usou estanho, em vez de prata, e em pouco tempo apresentou o novo sino a Carlos Magno. Gostou dele o imperador e ordenou que lhe pusessem o badalo e o içassem ao campanário.
“O guardião da igreja e os outros capelães tentaram tocá-lo, mas não conseguiram. Vendo isso, o fundidor pegou na corda presa ao badalo e pôsse a puxá-la. Mas o badalo se desprendeu, caiu-lhe na cabeça e o matou.” E o monge cronista conclui: “Aquilo que é mal adquirido, a ninguém aproveita”.
O sino nasceu católico, sua invenção foi reservada à Igreja. E esta o ama como a um filho, a ponto de até batizá-lo. Bem entendido, não se trata do Batismo sacramental, que nos torna filhos de Deus, mas de um cerimonial de consagração, como se faz com os vasos sagrados.
A cerimônia de batismo
O batismo ou bênção do sino era uma cerimônia outrora reservada ao bispo, e somente os sacerdotes tinham o direito de tocá-lo. Vejamos como antigamente ela se realizava.
Era um ato solene. Reuniam-se os fiéis em torno do sino, suspenso alguns metros acima do solo. Perto dele estavam colocados a água, o sal, os santos óleos, o incenso, a mirra, o turíbulo aceso. O bispo apresentava-se em trajes pontificais, acompanhado do clero e seguido do padrinho e da madrinha do sino. Depois de cantar sete salmos que exaltam o poder e a bondade do Criador e, num contraste tocante, confessar a fraqueza e as necessidades do homem, o bispo benzia a água easpergia o sino, ao qual conferia o poder e a missão de afastar de todos os lugares, onde o seu som repercutisse, as potências inimigas do homem e de seus bens: os demônios, o raio, o granizo, os animais maléficos, as tempestades e todos os espíritos de destruição.
Em seguida, os diáconos o lavavam com água benta, por dentro e por fora, e o enxugavam. Logo após, recitavam com o bispo seis salmos que convidam todas as criaturas a louvar o Senhor e agradecer-Lhe por seus benefícios.
Seguiam-se as unções com os óleos sagrados, traçadas pelo bispo em forma de cruz: sete no exterior do sino, com o
óleo dos enfermos, simbolizando os sofrimentos e a morte do nosso Salvador; e quatro no interior, com o óleo da crisma, significando a Ressurreição de Cristo e as quatro qualidades dos corpos ressuscitados, que são a agilidade, a claridade, a sutileza e a impassibilidade.
Em seguida, o ministro deitava incenso e outros perfumes no turíbulo, e colocava-o debaixo do sino, enchendo o seu interior de uma nuvem suave e odorífera.
Cabia aos padrinhos escolherem-lhe um nome, o qual devia ser sempre o de um Bem-Aventurado do Céu. Uma vez escolhido o nome – por exemplo, São Miguel -, o bispo dirigia-se ao próprio sino: “Em honra de São Miguel, a paz doravante esteja contigo, caro sino”.
A cerimônia terminava pelo canto do trecho do Evangelho no qual é relatado o simbólico episódio de Marta e de Maria (cf. Lc 10, 38-42). Uma eloqüente maneira de dizer que o sino ensina aos cristãos a vida ativa de Marta, mas sem descuidar a vida contemplativa de Maria.
Quando estiver suspenso no campanário, seu bronze sonoro convocará os vivos, chorará os mortos, reunirá o clero, dará brilho às solenidades. Ele será arauto de Deus, colocado entre o céu e a terra. (Revista Arautos do Evangelho, Nov/2006, n. 59, p. 50-51)