Com a reforma litúrgica do Vaticano II, o silêncio enquanto tal entrou nas normas como parte integrante das celebrações. A Constituição Sacrosanctum Concilium – após determinar que se deve incentivar a participação ativa dos fiéis através das aclamações, respostas e cânticos – acrescenta: “Guarde-se também, em seu devido tempo, um silêncio sagrado” (SC 30). E a Instrução Geral do Missal Romano reafirma essa determinação, quase nos mesmos termos: “Oportunamente, como parte da celebração, deve-se observar o silêncio sagrado” (IGMR 23).
Como que para ressaltar a importância do silêncio nos atos litúrgicos, o Apocalipse nos mostra que ele era observado até na “grande liturgia celestial”: “Quando o Cordeiro abriu o sétimo selo, fez-se silêncio no Céu durante cerca de meia hora” (Ap 8,1).
E o Pe. Antonio Alcalde exprime com pulcritude o bom efeito desses períodos em que cada fiel se recolhe para ouvir em seu coração a voz da graça: “Na música calada, na música divina do silêncio, na solidão sonora, na harmonia interior de cada um, Deus fará ressoar sua eterna melodia de amor para com todas as suas criaturas” (1).
“Um dos elementos de maior valor na celebração litúrgica”
O silêncio na Liturgia não é, portanto, um mero tempo de mutismo, nem de espera vazia, entre duas partes da celebração. Pelo contrário, ele é conatural com a oração, é uma abertura para Deus e um reencontro consigo mesmo. E longe de reduzir os fiéis a expectadores estranhos e mudos, ele os integra “mais intimamente no mistério que se celebra, em virtude das disposições interiores que derivam da palavra de Deus que se escuta, dos cantos e das orações, e da união espiritual com o sacerdote”, conforme consta na Instrução Musicam sacram, de 5/3/1967, sobre o emprego da música na sagrada Liturgia.
E o sacerdote salesiano José Aldazábal afirma que ele “é um dos elementos de maior valor na celebração litúrgica” e “pode ser uma das formas mais expressivas de nossa participação nas celebrações” (2). O Pe. Antonio Alcalde é ainda mais categórico, pois o qualifica como sendo o auge da prece: “Deve-se explicar devidamente aos fiéis a razão do silêncio litúrgico, o qual não é o contrário da prece, mas constitui o auge da mesma”. E acrescenta que ele “tem um valor
Na música divina do silêncio Deus faz ressoar sua eterna melodia de amor para com todas as suas criaturas |
positivo com ordem a obter uma maior participação, um melhor culto a Deus e uma maior edificação dos fiéis” (3).
A melhor preparação para celebrar a Eucaristia
O melhor meio de se preparar devota e dignamente para a Celebração Eucarística é manter o silêncio no recinto sagrado, inclusive na sacristia e locais próximos.
A esse respeito, Mons. Peter J. Elliott assinala com toda clareza: “O silêncio é a melhor preparação para a Liturgia. Exceto alguma música apropriada, não se deve permitir nenhum menosprezo ao direito que o povo tem à tranqüilidade antes da Eucaristia. Por exemplo: não se deve permitir ensaios musicais ou de coro, nem avisos que podem ser dados mais tarde, nem distrações no presbitério ou em qualquer outro local” (4). Afirma também que os assistentes podem encontrar-se e conversar antes da Missa, mas em algum lugar bem separado do recinto onde ela será celebrada.
Se é tão importante a abstenção de falar e de perturbar com atividades inoportunas o recolhimento dos assistentes antes da Missa, mais ainda o é, obviamente, durante a Celebração.
Momentos de silêncio durante a Missa
O Missal Romano propõe vários intervalos de silêncio ao longo da Celebração da Eucaristia.
No Ato Penitencial, o sacerdote e os fiéis devem fazer juntos um momento de silêncio antes da oração “Confesso a Deus todo-poderoso”.
Na Liturgia da Palavra, se parecer oportuno, pode-se observar um breve tempo de silêncio após cada leitura e também depois da homilia, para que todos tenham oportunidade de meditar brevemente sobre o que acabaram de ouvir.
A Preparação das Oferendas – esse ato tão denso da Celebração, em que, terminada a Liturgia da Palavra, vaise passar para a Oração Eucarística – é um momento especial para criar um ambiente de recolhimento e interiorização. Para isso pode-se contar com a ajuda de uma música de fundo ou de um coral que interprete alguma peça polifônica.
Terminada a distribuição da Comunhão, se for oportuno, o sacerdote e os fiéis oram algum tempo em silêncio, podendo a assembléia entoar ainda um hino, salmo ou outro cântico de louvor.
Comenta, a propósito, o Pe. Antonio Alcalde: “Se não forem incentivados esses silêncios, a Celebração pode converterse em uma sucessão de palavras, orações e ritos amontoados uns sobre os outros, e nos encontraremos envolvidos na assistência rotineira, na dispersão, no ruído e, sobretudo, na falta de participação” (5).
A Igreja dá tanta importância a esses períodos de recolhimento que os recomenda até mesmo nas Missas celebradas para as crianças, “para que não se conceda um lugar excessivo à ação externa, pois também as crianças, à sua maneira, são realmente capazes de meditar” e precisam aprender “a entrar em si mesmas e a meditar, rezar e louvar a Deus em seu coração” (6).
Finalidade dos intervalos de silêncio
Como se deduz facilmente pelo que foi dito acima, a natureza dos diversos intervalos de silêncio depende dos momentos da Liturgia em que eles são observados.
Assim, o silêncio recomendado antes de iniciar a Celebração, e o prescrito no Ato Penitencial, têm por finalidade mover os fiéis à concentração e ao recolhimento. Outros visam proporcionar aos assistentes um clima de meditação a respeito do que acabaram de ouvir nas leituras ou na homilia. Há também o silêncio que não pretende outra coisa senão o descanso e a espera, num ambiente de calma e tranqüilidade, como é o momento do Ofertório. Por fim, o tempo de recolhimento após a recepção do Corpo de Cristo cria uma atmosfera de interiorização e de apropriação, propícia aos atos de agradecimento e de louvor.
Outro conceituado tratadista de Liturgia, Juan Martín Velasco, acrescenta que é também indispensável na Missa o “silêncio de adoração”, e diz que cada comunidade deve descobrir o ponto em que ele possa ser devidamente encaixado. Porque – explica ele – nenhuma celebração terá alcançado a altura religiosa exigível se, em determinado momento, “nós, que nela participamos, não cheguemos a ‘cair com o rosto em terra’, a experimentar a insuficiência de nossas palavras, a torpeza de nossos melhores gestos, a inadequação de nossos pensamentos ante a Divina Majestade, o esplendor da beleza, a augusta santidade de nosso Deus” (7).
No silêncio, a inteligência engendra a palavra
Santo Antonio o Grande, no séc. IV, fazia notar o valor do silêncio enquanto fonte da palavra: “Ainda quando estejas calado, pensas. E se pensas, falas. Porque no silêncio a inteligência engendra a palavra. E a palavra de reconhecimento dirigida a Deus é a salvação do homem”.
Necessitamos, pois, de períodos de calma e silêncio, nesta estafante vida hodierna. Sobretudo na Celebração litúrgica, precisamos de um clima favorável de encontro com o mistério que celebramos.”Temos que evitar que a ansiedade própria da cultura moderna faça parte de nossa Liturgia”, nos advertem com acerto Gabe Huck e Gerald Chinchar em sua obra Liturgia com Estilo e Graça (p.37).
1) Pastoral do Canto Litúrgico, p.183.
2) Gestos e Símbolos, pp. 88 e 91.
3) Op. cit., p.180.
4) Guía Práctico de Liturgia, pp.84-85.
5) Op. cit., p.181.
6) Diretório para as Missas com Crianças, 37.
7) Misa Dominical, p.36.
(Revista Arautos do Evangelho, Nov/2005, n. 47, p 24-25)