Embora o sofrimento cause repugnância à nossa natureza é nele que se encontra a porta da autêntica felicidade. E no amor ao próximo o sinal característico do cristão.
O Evangelho apresenta um trecho do discurso de despedida de Nosso Senhor na Santa Ceia. Nesse momento auge, em que Ele instituía para os séculos futuros o Sacramento da Eucaristia – o mais precioso de todos os Sacramentos, no que diz respeito à substância -, tinha diante de Si um assistente de péssimas intenções: Judas, o traidor.
31 Depois que Judas saiu do cenáculo, disse Jesus: “Agora foi glorificado o Filho do Homem, e Deus foi glorificado nele. 32 Se Deus foi glorificado nele, também Deus o glorificará em si mesmo, e o glorificará logo”.
À primeira vista, o versículo parece incompreensível. Qual é o momento, o agora, em que Nosso Senhor diz que é glorificado? É quando Judas abandona de forma definitiva o convívio do Colégio Apostólico, a fim de entregar o Salvador aos poderes deste mundo, para ser julgado e morto.
Jesus, em sua natureza divina, tinha pleno conhecimento de todas as dores pelas quais iria passar, a ponto de transpirar Sangue no Horto das Oliveiras. Perante a perspectiva da traição, porém, ficou “perturbado em seu espírito” (Jo 13, 21), pois, mesmo tendo em sua personalidade divina a ciência daquele instante, desde toda a eternidade, no que dizia respeito aos meros sentimentos humanos ainda não sofrera a experiência da deslealdade, o que dilacerou seu instinto de sociabilidade.
Cristo recebeu aquela ingratidão com equilíbrio perfeito, num estado de espírito plenamente resignado. Contudo, enquanto sofria, veio-Lhe também o consolo, porque sabia ser através dessa aceitação que iniciaria sua glória.
A partir do momento em que Nosso Senhor – Segunda Pessoa da Santíssima Trindade e, ao mesmo tempo, Homem perfeitíssimo com a alma na visão beatífica, dotado de ciência infusa e de conhecimento experimental – deu seu pleno consentimento à Paixão, essa glória se realizou. Sua exaltação consistiu em ser preso, passar por todos os tormentos da condenação, subir ao Calvário e ali derramar todo o Sangue.
O sofrimento bem aceito, amado e assumido Lhe obteve o triunfo. Isso significa que o cumprimento dos desígnios do Pai não exigia a magnificência do corpo glorioso, os esplendores de um poder terreno ou uma exaltação da parte dos homens, mas apenas a conformidade com a dor.
Ademais, estava Nosso Senhor ciente de que o fim não era a morte, e sim a Ressurreição e a Ascensão aos Céus, onde receberia a definitiva glorificação por haver cumprido sua missão redentora. Reciprocamente, o Pai também seria glorificado, porque Ele e o Filho são um. Era essa união substancial que permitiria, pela aceitação do sofrimento tal como este se apresentava, que Jesus enaltecesse Aquele que O enviara.
Uma análise mais profunda dos padecimentos de Cristo indica que nossa glória também é obtida pelo sofrimento.
Quantas vezes a graça nos inspira a trilharmos uma determinada via, que passamos a percorrer com entusiasmo, na qual, entretanto, surgem dificuldades. Diante do sofrimento nunca devemos desanimar. Pelo contrário, quando a cruz se apresentar, cabe-nos imitar Nosso Senhor Jesus Cristo. Portanto, ajoelharmo-nos para oscular o instrumento de nossa amargura e pô-lo aos ombros com determinação, certos de que assim se inicia o caminho da nossa glória.
Nesse sentido ensina com sabedoria São Francisco de Sales: “Quão felizes são as almas que […] bebem corajosamente o cálice dos sofrimentos com Nosso Senhor, que se mortificam carregando sua cruz, e que sofrem e recebem de sua divina mão toda sorte de acontecimentos, com submissão e amor, conforme o seu beneplácito”. O mesmo Doutor da Igreja ainda comenta: “O sofrimento dos males é a mais digna oferta que podemos fazer Àquele que nos salvou sofrendo”.
Os dramas que temos de enfrentar são indispensáveis para a conquista da eternidade feliz. Ao aceitarmos um sofrimento com toda resignação, amor e piedade, introduzimos na alma a paz. Dessa forma fazemos calar o egoísmo e manifestamos, não só por palavras, mas também por atos, o desejo de ir para o Céu.
Cheios de contentamento, conformemo-nos com a vontade de Deus. Estejamos certos de que tudo o que nos acontece visa ao bem de nossas almas, pois Ele não pode querer para nós o mal.
Consideremos com alegria que estamos nesta Terra apenas de passagem, pois, se nela permanecêssemos para sempre, os tormentos iriam variando e se sucedendo indefinidamente. Portanto, para aqueles que enfrentam bem a prova à imitação de Nosso Senhor, a morte significa ter chegado o momento de descansar. Por isso canta a Igreja na Liturgia dos defuntos: “requiescant in pace – descansem em paz”.
Não foi outro o ensinamento de São Barnabé e São Paulo aos fiéis de Antioquia, contemplado na primeira leitura desta Liturgia: “É preciso que passemos por muitos sofrimentos para entrar no Reino de Deus” (At 14, 22). Por outro lado, a ausência do sofrimento significa a perda de uma valiosa oportunidade para comprovarmos o quanto somos contingentes e dependemos de Deus. Nós existimos apenas porque Ele nos sustenta no ser, a cada instante. Dessa dependência só nos compenetramos pela dor, pois ela mostra a nossa pequenez e nos leva ao reconhecimento de que necessitamos de um Bem infinito, não existente em nós.
(Revista Arautos do Evangelho, Abril/2013, n. 136)
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