Aprovadas em 1868 pelo Cardeal Victor Augusto Isodoro Deschamps, Arcebispo de Malinas (Bruxelas) e Primaz da Bélgica, as Meditações Práticas para Todos os Dias do Ano compostas pelo jesuíta Pe. Bruno Vercruysse se destacam pela solidez da doutrina. Ressaltou o cardeal, ao aprová-las, que seu uso seria de grande utilidade para os que aspiram à perfeição, ou seja, à santidade. A seguir são apresentados alguns excertos da inspirada obra do dedicado sacerdote, referentes a meditações recomendadas para a vigília e para a festividade de Todos os Santos.
Muitos deles (os santos) viram-se numerosas vezes entre o terem de ir contra a sua consciência ou sujeitarem-se às terríveis conseqüências com que os ameaçava a impiedade triunfante. Que fizeram? Resistiram, combateram, bem decididos a antes morrer do que consentir na iniqüidade. Antes morrer do que manchar a alma: esse era o seu grito de guerra. A fé os amparava, a fé os tornava invencíveis.
Tais pensamentos são muito apropriados para nos manter a coragem. Os santos não estavam, portanto, melhor colocados do que nós para se salvarem. Muitos tinham paixões mais violentas a domar do que as que temos, obstáculos maiores a vencer do que os que enfrentamos. Ademais, nós dispomos dos mesmos meios de santificação que eles, ou, melhor dizendo, nós, na situação em que Deus nos colocou, dispomos de meios mais numerosos e eficazes do que muitos dentre eles. Por que, então, parecemos tão pouco com eles? Porque temos sido fracos e covardes no combate; porque nossa vontade não tem energia; porque, enfim, a santidade sempre supõe uma vontade forte, sempre exige violência. O Reino dos Céus sofre violência e só os esforçados o alcançam, diz Jesus Cristo.
Os santos foram fortes e ardentes nos combates espirituais, mas foram ainda mais constantes em empregar os meios de santificação que tinham ao seu alcance. Perseveraram até o fim, e assim cumpriram a condição que Jesus estabeleceu para se ganhar a vitória. Quem tiver perseverado até o fim, esse será salvo. Por isso triunfaram de tudo: das zombarias, dassolicitações e das ameaças do mundo, da malícia e da raiva dos demônios, de todos os suplícios inventados pelo ódio dostiranos e, o que é mais difícil ainda, das fraquezas e seduções do seu próprio coração.
O que nos falta, em geral, não é a boa vontade, n ão são nem mesmo os bons propósitos: é a fidelidade em pô-los por obra, é a perseverança.
Imaginemos a que grau de perfeição teríamos chegado se tivéssemos executado fielmente o plano de vida que tínhamos traçado nos belos dias do nosso primeiro fervor, no nosso primeiro retiro, no nosso noviciado, ou mesmo nos retiros consecutivos! Mas, ai! Os nossos bons propósitos, em vez de durarem um ano, não duram muitas vezes nem um dia! Não nos acontece de já nos termos esquecido, ao meio-dia, de um propósito que fizemos pela manhã, na meditação?
Depois de termos meditado nos combates e nas vitórias dos santos, meditemos também no seu triunfo definitivo. Foi por Deus que eles combateram e perseveraram no combate; Deus quer mostrar-lhes e dar-lhes a saber o que é terem sido fiéis até o fim. Ele recompensará como Deus que é, quer dizer, magnificamente. Tudo o que pudermos imaginar de glória, de gozo, de felicidade e delícias, isso nada é em comparação com as recompensas celestes. É a fé que no-lo diz: nunca o coração do homem pode compreender – exclama o Apóstolo – o que Deus preparou para os que o amam.
Meditando nesses pensamentos, sentiremos dilatar em nós o coração, inflamar-se a nossa coragem, e então exclamaremos co
m São Paulo: nenhum sofrimento desta vida tem proporção com a glória que se manifestará em nós. Longe, pois, de nos desanimarmos com as dificuldades, suspiremos – com um São Francisco Xavier, e uma Santa Teresa – pelos combates, humilhações e sofrimentos. Façamos tudo o que está ao nosso alcance para nos animarmos desses sentimentos, como fruto de sta meditação preparatória para a festa de Todos os Santos. Ofereçamos ao Senhor com esse fim as orações, os sacrifícios e as boas obras nesse dia.
Suponhamos que um homem convoque os habitantes de uma cidade, e lhes dirija as seguintes palavras: “Meus senhores, eu percorri todo o mundo, viajei por mares desconhecidos, e por fim descobri uma terra maravilhosa, uma ilha encantadora, em que as condições de vida são muito diferentes das de cá. Lá, os homens nada têm a sofrer, nem sequer os incômodos do frio e do calor: a temperatura mantém-se sempre agradável, e não há necessidade alguma de trabalhar, pois a terra tudo produz espontaneamente. Lá não se teme os ladrões ou os invejosos, porque não existem más paixões; lá não há o que recear, nem as doenças, nem os incômodos da velhice, nem as angústias da morte”. Nesta altura, que diriam os ouvintes? Que o viajante estava zombando deles, ou que estava contando um lindo sonho, ficção poética.
O que neste mundo não passa de um lindo sonho, de uma ficção poética, no Céu… é a realidade! Isso, a fé nos assegura: “e não mais haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor”, diz
São João (Ap 21, 2). Ah! E se o Céu não fosse mais do que isso, não valeria já a pena fazer, se fosse necessário, grandes sacrifícios para adquirirmos segura garantia de o alcançarmos? Com toda a certeza: os que acreditassem na existência da ilha afortunada apressar-se-iam a vender as suas propriedades só para terem dinheiro para a viagem porque, enfim, diriam que “aqui não se pode escapar da velhice, nem da morte que tudo leva”.
No Céu possuiremos Deus, o Ser infinito que co ntém em si todos os bens possíveis no mais alto grau de perfeição. Por conseguinte, a nossa felicidade será perfeita. Perfeita em todas as faculdades da alma. Na memória, que doces recordações, que deliciosos pensamentos, mais que tudo o que se pode exprimir, a povoarão constantemente… No entendimento, cada um receberá um conhecimento de tudo, infinitamente superior ao de todos os sábios do mundo. A vontade, ela será instantânea e completamente satisfeita em todos os seus desejos. Teremos felicidade perfeita em todos os sentidos do nosso corpo, tornado semelhante ao de Jesus Cristo ressuscitado.
Toda a beleza que os olhos possam ver, toda a melodia que os ouvidos possam ouvir, toda a suavidade que o sabor e o olfato possam perceber… Numa palavra, todo o gozo ou prazer que o corpo possa experimentar será herança nossa, sem medida e sem temor
de excesso, porque então a concupiscência já não terá outro atrativo que o do bom e do honesto.
A nossa felicidade no Céu será então, sob todos os aspectos, realmente perfeita. Nós acreditamos, nós felicitamos os santos que a possuem, invejamos a sua sorte e, contudo – coisa estranha! – estamos ainda tão agarrados a esta miserável terra, lugar do nosso exílio! Pouco pensamos no Céu. Ah, se nos fosse dado sermos arrebatados, como São Paulo, ao terceiro céu e saborearmos, ainda que não fosse mais que um instante, as delícias que lá se gozam: como ficariam os outros! Nada mais poderíamos amar na terra, e não faríamos mais que ansiar e suspirar pelo Céu.
O que deve encarecer sobremaneira, na nossa estima, os bens inefáveis que nos estão prometidos no Céu, é que os possuiremos sem temor de os vir a perder, porque jamais terão fim. Mas, poderá alguém objetar: a contemplação e o gozo eterno das mesmas coisas não produzirá uma espécie de fastio ou de enjôo? Repilamos depressa essas idéias grosseiras, pois sendo Deus o Ser Infinito, a infinita Beleza, a infinita Amabilidade, os bem-aventurados descobrirão sempre nele coisas novas, novas belezas, novos gozos, sem jamais poder esgotá-los, porque o finito não poderá abarcar o infinito.
Compenetremo-nos bem desses pensamentos e em todas as nossas penas do corpo ou do espírito digamos com o Apóstolo: não têm proporção alguma os sofrimentos da vida presente com a glória que há de brilhar em nós no céu. E, longe de nos agarrarmos à terra, tardar-nos-á sempre, como tardava aos santos, entrar na posse do Céu. Também nós exclamaremos como o rei-profeta: quando irei a ver-vos, Senhor meu Deus, na mansão da vossa glória? Oh, quem me dera ter asas, pois eu voaria.
Façamos um colóquio com a Santíssima Virgem, Rainha de todos os santos. Felicitemo-la, peçamos a ela que nos obtenha uma fé mais viva, uma caridade mais ardente, um desprezo maior de todos os gozos que o mundo pode nos oferecer, uma vontade mais fecunda em boas obras, e os mais ardentes suspiros pela Pátria Celestial.
Excertos extraídos e adaptados da obra Meditações Práticas Para Todos os Dias do Ano (Pe. Bruno Vercruysse S.J., versão em português pelo Pe. Luís Moreira de Sá e Costa S.J., terceira edição, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1950).