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Beato Bártolo Longo: De devoto do demônio a apóstolo do Rosário
 
AUTOR: GUILLERMO ASURMENDI
 
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Um dos poucos casos em que um simples leigo é fundador de uma comunidade religiosa, ele legou à Igreja uma obra grandiosa. O Papa João Paulo II o qualificou de "verdadeiro apóstolo do Rosário".

Numa manhã de outubro de 1872, um homem ainda jovem, profundamente preocupado, passeia pelos arredores de Pompéia. Nada lhe importam as históricas ruínas da cidade sepultada pela erupção do Vesúvio no ano de 79. Uma dúvida o atormenta: “Depois de uma vida péssima, arrependi-me e encetei o caminho da conversão. Mas… conseguirei salvar minha alma?”

Em determinado momento, uma voz interior lhe fala no fundo da alma: “Se queres salvar-te, propague a devoção do Rosário. É uma promessa da Virgem Maria”.

Num sobressalto de júbilo, ele levanta o rosto e as mãos para o Céu e brada: “Ó Maria, se é verdade que prometeste a São Domingos que quem difunde o Rosário se salva, eu me salvarei, porque não sairei desta terra de Pompéia sem ter aqui propagado essa santa devoção”.

Nesse instante soa o velho sino da igreja próxima, para o Ângelus de meiodia. O homem ajoelha-se, reza e chora. Chora

Beato Bártolo Longo.JPG
O corpo do Beato Bártolo Longo, na
cripta do Santuário

de alegria, pois compreende que a Rainha dos Apóstolos acabava de lhe dar uma grande missão.

No coração de Bártolo Longo estava plantada a semente do futuro Santuário de Nossa Senhora do Rosário de Pompéia, centro internacional de irradiação dessa devoção mariana, e sede de várias obras de beneficência e de formação da juventude.

O reitor do Santuário, Pe. Francesco Soprano, o vice-reitor, Pe. Gennaro Gargiulo, e a chefe do departamento de imprensa, Dra. Loreta Somma, contam para nossa Revista a história do fundador dessa Instituição.

Vivacidade, inteligência e piedade

Bártolo Longo nasceu em 10 de fevereiro de 1841, em Latiano (Itália), e foi batizado três dias depois. Sua infância decorreu piedosa e feliz. Desde tenra idade, manifestou-se muito inteligente, de caráter ardente e decidido. Ele mesmo se definiu como “um menino vivaz, impertinente e quase travesso”. Sabia imitar na perfeição os gestos, os sotaques e outras características das pessoas que conhecia.

A par disso, dava mostras de verdadeira piedade. Ouvindo tocar o sino anunciando a hora do Ângelus, interrompia imediatamente qualquer brinquedo e corria para rezá-lo junto de sua mãe. Quando fez a Primeira Comunhão, ficou imóvel durante uma hora e meia, agradecendo essa graça inapreciável. Uma pessoa indiscreta quis interrompê-lo e recebeu esta resposta: “A ação de graças a Jesus, que chega pela primeira vez, deve ser bem feita!”

Deixou de rezar… rolou no extremo do mal

Com todas essas qualidades, concluiu de forma brilhante seus estudos primários e secundários, recebendo aos 17 anos o diploma que o credenciava ao curso superior.

Todavia, nele se realçava sobretudo o temperamento apaixonado. Bártolo não era homem de meios-termos. Sua estrutura psíquica o conduziria ou ao extremo do bem, ou ao do mal.

Decidiu estudar direito em Nápoles. Longe de ser propícia à fé católica, a época era de negação e até mesmo de luta aberta contra a Santa Igreja. O racionalismo e o anti-clericalismo faziam devastações no meio da juventude. Professores ímpios usavam as cátedras universitárias para difundir filosofias atéias.

Nessa conjuntura, Bártolo dedicou-se com ardor aos estudos, às diversões, à música (tocava piano). Inteligente, elegante e de boas maneiras, vivia cercado de muitos amigos.

Não lhe sobrava tempo para a oração… Deus, a Virgem Maria, foram-se apagando até desaparecer de sua memória. Quando terminou seu curso de Direito, em 1864, estava inteiramente desorientado pelas teorias filosóficas do materialismo e do racionalismo.

Não parou aí. A perda da fé na divindade de Jesus criou em sua alma um vazio que ele procurou preencher recorrendo ao espiritismo. Extremista por natureza, tornou-se inimigo acirrado da Santa Igreja. Pronunciava conferências anticlericais e organizava manifestações públicas contra a religião.

Tal era seu ódio que decidiu fazerse “sacerdote” do espiritismo e submeteu- se a um duro regime de jejuns e mortificações corporais, com o objetivo de fazer uma consagração radical ao demônio.

Uma Confissão bem feita

Entretanto, por paradoxal que seja, durante todo esse negro período o jovem Bártolo não cessou de rezar o Rosário e, fato mais extraordinário ainda, conservou a virtude da castidade.

Se falsos amigos o arrastaram à perda da Fé, amigos autênticos foram instrumentos da Providência para reconduzi- lo à Casa Paterna.

Um destes, o Prof. Vincenzo Pepe – que Bártolo qualifica como “o amigo de minha alma, que o Senhor pôs a meu lado em todos os momentos críticos e decisivos de minha vida” – não hesitou em, numa hora oportuna, admoestar severamente o jovem advogado por sua péssima vida.

Fecundada pela graça, essa advertência surtiu efeito. Bártolo decidiu procurar o confessionário para se reconciliar com Deus. Dirigiu-se à Igreja do Rosário, em Nápoles, onde foi atendido pelo Pe. Alberto Radente, religioso dominicano. Era dia da festa do Sagrado Coração de Jesus, em 1865.

Beato Bártolo Longo_2.JPG
O Beato Bártolo Longo apresenta ao Papa
Leão XIII a maquete do San tuário de
Pompéia (afresco desse Santuário)

O ex-inimigo da Igreja confessouse com profundo arrependimento. O Pe. Radente ficou maravilhado ante o poder da graça nessa alma, mas só lhe deu a absolvição depois de um mês de encontros para direção espiritual. Bártolo pôde, então, receber a Sagrada Eucaristia. Em seus escritos, ele contará depois: “Foi como fazer de novo a Primeira Comunhão, foi como se eu tivesse recebido um segundo Batismo!”

Inicia-se a grande missão

Bártolo Longo – homem de decisões radicais, como já foi dito – recusou vantajosas propostas de casamento, abandonou a carreira advocatícia e se dedicou às obras de caridade e ao estudo da Religião.

Tornou-se, com isso, alvo de grosseiras chacotas daqueles mesmos que antes aplaudiam e estimulavam suas atividades anti-religiosas. Mas elas produziram como único resultado um ato de reparação: “Devo reparar pelos meus pecados”, dizia o convertido.

Algum tempo depois, travou relações com uma nobre dama napolitana, a Beata Catarina Volpicelli, fundadora das Servas do Sagrado Coração de Jesus. Esta o pôs em contato com outras pessoas de grande fervor, entre as quais a Condessa Mariana Fonseca, viúva do Conde de Fusco, proprietária de terras no Vale de Pompéia.

Por esse meio, a Virgem Maria o foi conduzindo para a realização da grande missão para a qual o havia escolhido. Em 1872 a Condessa de Fusco confiou- lhe a administração de suas propriedades nos arredores de Pompéia. Lá chegando, ele ficou profundamente chocado ante a miséria humana e religiosa dos pobres camponeses da região. Nada havia ali, a não ser uma pequena igreja, já muito arruinada e tão pobre que não tinha uma imagem sequer.

Sem tardança, dedicou-se à tarefa nobre e humilde de lhes ensinar o Catecismo, e à divulgação do Santo Rosário.

Beato Bártolo Longo_3.JPG

Era a reconquista espiritual do Vale de Pompéia que se iniciava.

Uma obra grandiosa

Cresceu o número dos fiéis, a igrejinha tornou-se insuficiente, tornara-se necessário construir uma maior e mais

acolhedora. Por sugestão do Bispo de Nola, a cuja diocese pertencia Pompéia, Bártolo Longo começou uma campanha de coleta de contribuições. A pedra fundamental foi colocada em maio de 1876.

Choveram as doações, inicialmente de várias cidades italianas, depois, de quase todas as partes do mundo, deixando espantado até mesmo o Beato Bártolo. Nos arquivos do Santuário, conservam-se cinco volumes com quatro milhões de nomes de doadores!

Em 1894, ainda faltando alguns arremates de construção, o templo foi consagrado. Com o aumento constante do número de peregrinos, foi ampliado alguns anos depois.

POMPEIA.JPG

Fruto da fé e da caridade de um santo, e das contribuições
de milhões de fiéis, o Santuário de Nossa Senhora
do Rosário de Pompéia, tornou-se um foco de irradiação
da devoção mariana (acima à direita, a  esplendorosa
cúpula, e o altar-mor; acima, a fachada
com o campanário)

Quando, em 5 de outubro de 1926, faleceu Bártolo Longo, sua obra tinha já atingido proporções grandiosas. O Santuário tornara-se um centro internacional de propagação do Rosário, e fora elevado à categoria de Basílica Pontifícia, para onde os peregrinos acorriam aos milhões. E em torno dele estava construída uma cidade mariana, com numerosos institutos de beneficência.

O Beato Bártolo Longo é um dos poucos casos na história da Igreja em que um simples leigo é o fundador de uma comunidade religiosa. Em 1897 ele fundou as Filhas do Rosário de Pompéia, sujeitas à regra da Ordem Terceira de São Domingos, para dedicar-se ao cuidado dos meninos e das jovens. E perto já de terminar sua carreira nesta terra, fundou em 1922 o Instituto Feminino Sagrado Coração.

Na cripta do Santuário pode ser visto o corpo do Beato, posto numa urna de vidro, revestido da capa dos Cavaleiros de Malta.

*****

ENTREVISTA COM O REITOR

Pe. Francesco Soprano.JPG
“A este Santuário chega
um  fluxo constante de
peregrinos à procura
da reconciliação
com Deus”

O carisma do Santuário de Pompéia: Conversão, Rosário e Caridade

O Pe. Francesco Soprano, reitor do Santuário, fala com entusiasmo a respeito do carisma que está na origem da grandiosa obra do Beato Bártolo Longo.

Arautos: Como definir o carisma dessa Instituição?

Pe. Francesco: Para isso, é necessário conhecer a vida de seu Fundador, Beato Bártolo Longo, a qual se pode dividir em

três aspectos: a conversão, o Rosário e a caridade.

Arautos: Consta que quando ele decidiu mudar de vida e procurou um sacerdote para confessarse, este ficou meio assustado…

Pe. Francesco: É verdade. Ao vêlo chegar na igreja dos dominicanos, o Pe. Radente, que conhecia sua fama, recomendou ao sacristão: “Não te afastes daqui, porque este tipo não me agrada”. Mas, graças a Deus, a realidade era bem diferente, Bártolo estava de fato arrependido.

Arautos: Como se desenvolvem os três aspectos do carisma atualmente?

Pe. Francesco: A conversão se opera pela Confissão. A este Santuário chega um fluxo constante de peregrinos à procura da reconciliação com Deus. Aqui encontram sempre sacerdotes para atendê-los. Nos sábados e domingos, eles são ordinariamente trinta à sua disposição.

Arautos: Quanto à difusão do Rosário…

Pe. Francesco: Foi seu compromisso em outubro de 1872: “Não sairei de Pompéia sem ter aqui propagado essa santa devoção”. O culto a Maria se expressa, sobretudo, pela devoção do Rosário, não como uma oração qualquer, mas sim como fundamento da procura particular da intercessão da Mãe de Deus. Ele traz consigo a conversão, o espírito de oração e as obras de caridade.

Arautos: Como ele organizou essa difusão?

Pe. Francesco: Entre outras instituições, o Beato fundou a Pia União Universal, com o objetivo de suscitar apóstolos do Rosário em cada família. Seus aderentes se revezavam para rezar ininterruptamente o Rosário, dia e noite, pela conversão dos pecadores. Hoje essa iniciativa é reproposta através da União de Famílias pelo Rosário. Esses grupos, orientados por sacerdotes, dedicam também seu tempo na obra de catequizar e favorecer a meditação da Palavra de Deus.

Arautos: Falta o terceiro aspecto, a caridade.

Pe. Francesco: Bártolo Longo é o santo da caridade. Ocupou-se de dar assistência e remédios aos enfermos, ajudar jovens pobres a casar-se, proporcionar sepultamento cristão aos mortos.

Certo dia, aproximou-se dele uma mulher, dizendo: “Sr. Bártolo, não tenho recursos para sustentar meu filho porque meu marido está na prisão. Peço que cuide dele”. Isto dito, deixou o filho em seus braços e afastou-se! Este fato inspirou ao Beato a fundação dos institutos para acolher os filhos e as filhas dos encarcerados. Para ele, fé e caridade formam um binômio indissolúvel: “As obras da fé sempre foram uma inspiração para as obras de caridade; e estas, por sua vez, sempre foram prelúdio de novas manifestações de religião e de culto”.

Em 1887 fundou um orfanato para meninas órfãs e, em 1891, outro para meninos; em 1897, o instituto das Filhas do Rosário de Pompéia, para a educação de meninas e meninos.

Arautos: Fez algo também para a juventude?

Pe. Francesco: Sim! Outro aspecto muito interessante de Bártolo é o de educador. Organizou uma escola de ofícios, com o objetivo de inserir os jovens na sociedade. Dava muita importância ao estudo, ao trabalho e aos esportes, mas também, de maneira especial, à música. Disse ele: “Em meu método educativo é muito importante coordenar o exercício da arte mecânica com o estudo de música ou o aprendizado de instrumentos musicais. Em geral, para mim a música é um dos mais relevantes elementos para a educação dessa classe de meninos”.

(Revista Arautos do Evangelho, Maio/2005, n. 41, p. 32 à 35)

 
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