Depois dos apóstolos, talvez não haja homem que mais tenha prestado serviços à Igreja católica e à humanidade inteira. Para contribuir à santificação do clero e do povo cristão, instituiu uma congregação de missionários, e continua a propagar a fé em todo o mundo.
Para a santificação dos sacerdotes e dos fiéis, estabeleceu retiros espirituais, cujo uso se espalhou por toda parte. Para a formação de jovens eclesiásticos, para aperfeiçoar-lhes a santidade e exaltar-lhes a vocação, criou seminários, que se espalharam por todo o mundo cristão.
Aos pobres doentes, instituiu a congregação das filhas da Caridade, cujo devotamento admirável provocou o estabelecimento de muitas outras congregações semelhantes.
Para preservar da morte as crianças abandonadas pelas ruas, fundou um hospital de crianças relegadas, e hoje, deste seu exemplo, hospitais e casas outras do gênero, estão disseminadas pela cristandade toda.
Fez mais ainda: hospitais para idosos, insanos, presos e mendigos. Enviava missionários com o fim exclusivo de consolar os escravos cristãos. Supria, às vezes por longos anos, províncias inteiras que haviam sido devastadas pelas guerras, pela fome ou pela peste, como a Lorena, a Champagne e a Picardia. E quem era este homem, esse Vicente de Paulo, esse benemérito?
Filho dum lavrador, começou por pastorear o rebanho do pai. Feito sacerdote, foi preso por corsários turcos e vendido como escravo nas costas da África.
Quem era Vicente
Vicente de Paulo nasceu numa terça-feira de Páscoa, a 24 de Abril de 1575, na aldeiazinha de Pay, perto de Dax, nos confins de Bordéus, lá para os Pirineus.
O pai chamava-se Guilherme de Paulo, a mãe Bertranda de Moras. Possuíam uma pequena granja, onde labutavam e donde tiravam o pão de cada dia, para si e para os seis filhos, duas meninas e quatro meninos. Vicente, que era o terceiro, trabalhava como os outros, na quinta: guardava, como vimos, o rebanho, levando-os a pastar. Desde pequeno, sentia compaixão pelos pobres. Quando voltava do moinho, como o saco de farinha às costas, dava-lhes alguns punhados, quando não tinha outra coisa que dar.
Os estudos são iniciados
Com essa bondade de coração, mostrava grande vivacidade de espírito. O pai, então, resolveu fazê-lo estudar. A despesa seria espantosa, mas, esperava, um dia seria recompensado. Assim, enviou-o aos franciscanos de Dax, mediante sessenta libras por ano, segundo o costume do tempo e do país.
Era, então, pelo ano de 1588. O jovem Vicente fez tais progressos, que ao fim de quatro anos, elogiado pelo superior do convento, o senhor de Commet, o advogado de Dax, acabou por tomá-lo em sua casa para que se incumbisse da educação dos dois filhos. Foi esse Commet que, tocado pela virtude de Vicente, e edificado, o aconselhou a abraçar o estado eclesiástico. Vicente, que o respeitava muitíssimo, tendo-o como a um segundo pai, recebeu o conselho com ardor.
O pai, para ajudá-lo, teve que vender uma junta de bois, e Vicente lá se foi para Toulouse, para os estudos de teologia, nos quais gastou sete anos. Durante a estadia em Toulouse, ia o jovem, algumas vezes, estudar em Saragoça.
Estudante e professor
Para não pesar à família, embora o pai, ao morrer, ordenasse que lhe dessem o necessário, retirou-se para a cidadezinha de Buset, durante as férias, ali se encarregando da educação dum número considerável de crianças, cujos pais tinham posses, e se sentiam satisfeitos de poder confiar os filhos a um homem do qual a virtude e a capacidade eram publicamente reconhecidas e propaladas. Mesmo de Toulouse, enviavam-lhe crianças, meninos e meninas, como se vê por uma carta escrita à mãe.
O Duque de Épernon, governador da Guiana, parente próximo dos dois meninos, desejou, e muito, conhecer Vicente, monsieur Vicente, como dizia respeitosamente, por ele vindo a conceber uma estima toda particular.
Vicente retornou de Buset a Toulouse, com os pensionistas, terminando, então os estudos de teologia. Bacharel, dizem deles os autores da Gallia Christiana: Era doutor em teologia. Contudo a prova autêntica daquela afirmação não foi encontrada. Durante os estudos de teologia em Toulouse, Vicente recebeu o subdiaconato, a 19 de Setembro de 1598, o diaconato três meses depois, e, afinal a ordenação, em 23 de Setembro de 1600.
Missão secreta junto a Henrique IV
(…) Em Roma,por causa da assistência que recebeu do Vice-legado, que o hospedou e lhe proporcionou o que fazer, Vicente pode permanecer na cidade até 1608.
Quando não se dava à devoção, empregava o tempo a repassar os estudos de teologia, feitos em Toulouse, O Vice-legado, apresentou-o ao embaixador da França, o Cardeal d’Ossat, e este o encarregou de importante missão, mas secreta, junto a Henrique IV.
Vicente IV vira e falara com Vicente de Paulo, mas parecia desconhecê-lo. É que o Santo evitava, cuidadosamente, tudo aquilo que pudesse dar-lhe ares de grandeza. Chamavam-no Monsieur Paulo – nome de família, e aquilo lhe soava como se fora de estirpe ilustre, de modo que, chegando a Paris, apresentou-se e fez-se simplesmente tratar por Monsieur Vicente, o nome de batismo.
Ao invés de usar o título de licenciado em teologia, deixava entrever-se como se fora apenas um pobre professor secundário. Todavia, por mais cuidado que tivesse, escondendo como escondia as virtudes, acabavam descobrindo-as. Um dia, foi apresentado à rainha Margarida, primeira esposa de Henrique IV, a qual, então, fazia profissão de piedade. Essa princesa queria vê-lo. E fez dele o chefe duma casa piedosa, com o título de capelão-ordinário.
Vicente retirou-se depois para os Padres do Oratório, que o Padre de Bérulle viera de fundar: não para se agregar à companhia, mas para viver no retiro sob a direção do piedoso instituidor. Ali ficou o Santo por dois anos. (…)
Predecessor dos filhos do Conde de Joigni
(…)Tempos depois, corria o ano de 1613, deixou o curato: é que o Padre de Bérulle o aconselhara a aceitar o cargo de preceptor dos filhos de Filipe Emanuel de Gondi, conde de Joigni, Geral dos galeotes de França, e de Francisca Margarida de Silly, mulher de excelente virtude.
O Geral e a esposa tinham três filhos: o mais jovem faleceu com dez ou doze anos; o mais velho foi duque e par; o segundo tornou-se o famoso cardeal de Retz.
Vicente de Paulo viveu doze anos na casa do conde de Joigni. Quando o casal ia para o campo com os filhos, levando-o também, o maior prazer do Santo era percorrer as vizinhanças e catequizar os pobrezinhos, instruindo-os. Pregando ao povo, exortava-o, administrava-lhe os santos sacramentos, principalmente o da penitência, confirmava-o na fé, com a aprovação dos bispos e o agrado dos curas. (…)
Uma paróquia abandonada
(…) O santo deixou a casa de Gondi em 1617, retirando-se para Bresse, em Chatillon-les-Dombes. Ali era uma como paróquia abandonada.
Havia cerca de quarenta anos que jazia naquele lastimável estado, sem nada; certos beneficiários de Lião sugavam-lhe os magros lucrozinhos. Assim, depois de quase meio século, aquela cidade infortunada, composta de duas mil almas, não tinha propriamente falando, nem cura, nem pastor, nem diretrizes quaisquer espirituais. (…)
São Vicente de Paulo chegou em Chatillon-les-Dombes no mês de agosto de 1617, em companhia dum bom padre do país, chamado Luís Girard. Omo a casa paroquial estava em ruínas, alojaram-se na casa dum tal Beynier. Esse Beynier, calvinista, com o tempo converteu-se.
O programa proposto por Vicente era rígido: levantava-se às cinco horas; meia hora de oração; o ofício e a santa missa diziam-se em horas marcadas, de modo que não se disperdiçava o tempo sem necessidade.
Os dois, Vicente e Luís, cuidava, cada qual da parte da casa que lhes coubera: eles mesmos tratavam da arrumação dos quartos e faziam as camas. Vicente não queria que a enteada do hospedeiro fizesse mais do que já fazia no resto da casa. O novo pastor visitava regularmente, duas vezes por dia, uma parte do rebanho. O resto do tempo era empregado no estudo e no confessionário.
O desejo de ser útil tanto aos pequenos como aos adultos, fê-lo estudar com afinco o dialeto usado familiarmente. Aprendeu-o em pouco tempo, e, passou a falar corretamente, com grande proveito no catecismo. O ofício era celebrado com a maior decência possível. As danças foram banidas, bem como certos escandalosos excessos que desonravam as festas, sobretudo a da Ascensão de Nosso Senhor.
Havia na paróquia seis velhos padres que eram a negação do bom exemplo: Vicente empenhou-se e conseguiu exortá-los a viver em comunidade, obedecendo à regra.
A cidade inteira, surpresa e edificada, acompanhava as mudanças que se operavam paulatina, mas eficientemente. Tudo estava ficando transformado, caminhando para a perfeição. Os mais sábios acreditavam que aquele homem, a quem a reforma dum clero como o daquele lugar, regularizando-se como estava, sem muitas dificuldades, era assaz competente e conseguiria ganhar para Deus a paróquia toda inteira não demoraria muito tempo.
Efetivamente, quatro meses depois, quem visse Chatillon-les-Dombes ficaria embasbacado, tal a diferença. Os maiores pecadores, em fila, contritos, compareciam ao tribunal da penitência, de modo que o santo, passava um tempo enorme no confessionário. Tão compenetrado estava das coisas espirituais, que se esquecia das mais prementes necessidades da natureza. (…)
Missões no campo
(…) Após as missões, São Vicente de Paulo estabeleceu confrarias de caridade para o socorro aos doentes pobres, Logo precisou de alguém capaz, que visitasse de tempos em tempos as diversas confrarias e nelas conservasse o zelo da caridade e do amor a Deus. A Providência fez com que aparecesse uma viúva, uma santa mulher – Luísa de Marillac. (…)
Vicente, de quando em quando, repousava do trabalho das missões no campo, visitando a capital. Então, aproveitava a oportunidade e percorria as prisões. Falava com os prisioneiros, consolava-os, exortava-os a uma vida futura honesta e construtiva, ouvia-os em confissão. E aos mais infelizes, os criminosos condenados às galés. Geralmente encontrava-os num estado deplorável. Jaziam trancafiados em masmorras, onde, às vezes, permaneciam por muito tempo, comendo imundícias, como que largados, tomados de uma terrível indiferença, absolutamente descuidados do corpo e da alma. (…)
Imitando a Nosso Senhor Jesus Cristo
Quando o Conde de Gondi, Filipe Emanuel de Gondi, soube da dedicação do santo para com os presos, de como incansavelmente trabalhava para a salvação de todos, principalmente dos mais abandonados e descoroçoados, pensou nos forçados todos do reino. Foi ao rei e falou-lhe do que Vicente de Paulo fazia e quão grandiosa obra era aquela.
O Rei Luís XIII, a uma propositura do Geral dos galeotes, nomeou o Santo Capelão-Geral, ou Mor, de todos os forçados do país. E o diploma foi expedido a 8 de fevereiro de 1619.
Monsieur Vicente de Paulo aceitou o encargo com satisfação: aquilo lhe dava uma semelhança mais com o Salvador do mundo, aquele mundo que era uma imensa prisão abarrotada de criminosos e condenados às galés verdadeiramente perpétuas. A ele, ao mundo atroz, viera o Filho de Deus. Fez-se igual a qualquer um, tomou todos os crimes e todas as penas para si e libertou-os. Vicente, pai dos pobres, na acepção mais pura, desejava imitar o Salvador.
Em 1622, foi visitar os forçados de Marselha. Queria ver em que estado estavam e se poderia fazer o que aos da capital fizera. Chegou sem dar a conhecer o título de Capelão-Mor, tanto para evitar as honras que infalivelmente lhe tributariam, como para melhor agir.
Indo e vindo, dum lado a outro do presídio, deu com um forçado mais infeliz que culpado, que se desesperava com a condição em que se achava, pensando na mulher e nos filhos, certamente reduzidos à mais negra miséria.
Vicente ficou tão comovido, foi tanta a sua compaixão, que se fez pelo desgraçado o que Paulino de Nola para resgatar da escravidão o filho duma pobre viúva: ofereceu-se para sofrer-lhe a pena pelo resto da vida. A oferta foi aceita, e Vicente levou por algumas semanas as cadeias de ferro dos galeotes – até que se descobriu que se tratava do Capelão-Mor da França. (…)
Incentivador do Cumprimento das Regras
Uma das últimas ações de São Vicente de Paulo foi distribuir exemplares da regra aos membros da sua comunidade. Relembra sucintamente de que maneira começara a obra das missões, o retiro dos ordenandos, as confrarias de caridade, a obra das crianças encontradas. E acrescenta:
Não sei como tudo se fez. Não consigo dizer como tudo foi aparecendo, afirmava Monsieur Portail.
Os exercícios da comunidade, como surgiram? Não saberia dize-lo. As conferências, por exemplo (Oh! Ainda outras faremos juntos!) com elas nem sonhávamos. A repetição da oração, que outrora era desprezada, e que agora se pratica com bênçãos em muitíssimas comunidades, passou jamais por nosso pensamento? Não sei de nada! Fez-se a pouco e pouco, sem que déssemos conta. As coisas vieram assim, diríamos, de mansinho, uma após outra. Foi Deus, unicamente Deus, quem inspirou tudo.
Rogava, então, aos padres, notadamente a Portail e Alméras, que viessem receber as regras que estabelecera, uma vez que lhe era impossível ir a cada qual, como, todavia, desejava.
Então ele pedia especialmente a Portail e Alméras, que viessem receber as regras até ele, porque lhe era impossível ir a cada um deles, como era seu desejo.
Eles vieram e de joelhos, humildemente, receberam as regras, beijando o livro, as mãos de Monsieur Vicente. E Vicente, a cada um deles, dizia:
– Vem, para que Deus te abençoe.
Oremos…
Terminada a distribuição, Alméras ajoelhou-se e pediu ao santo que o abençoasse e a todos, igualmente de joelhos. Vicente, também prosternado, orou a Deus:
– Ó Senhor, vós que sois a lei eterna e a razão imutável, vós que governais todo o universo por vossa infinita sabedoria; vós, de quem emana, como duma fonte, toda a conduta e as regras do bem viver, abençoai, por misericórdia, os que aqui recebem as regras, como se vindas de vós. Dai-lhes, Senhor, as graças necessárias para que as observem sempre com inviolável fidelidade até a morte. É com confiança, pensando na vossa infinita bondade, que eu pecador miserável, pronuncio as palavras de benção: “Que a benção de Nosso Senhor Jesus Cristo desça sobre vós e em vos permaneça para sempre! Em nome do Padre, e do Filho e do Espírito Santo. Assim seja!
O santo homem fez ainda perto de trinta conferências aos missionários sobre o espírito e a prática de suas regras. Era-lhe o testamento, o testamento de Elias à Igreja. São Vicente de Paulo morreu a 27 de setembro de 1660. (Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XVII, p. 60 à 99)