Subia sóror Josefa ao terceiro andar do convento a fim de fechar algumas janelas antes de se recolher, quando encontrou Nosso Senhor Jesus Cristo no corredor.
– De onde vens? – perguntou Ele.
– Fechava as janelas, Senhor.
– E agora que estou aqui, para onde vais?
– Vou terminar de fechá-las, meu Jesus.
É a miséria que atrai a misericórdia
Graças à Comunhão diária, a jovem Josefa se manteve firme diante dos primeiros embates espirituais Josefa Menéndez, aos 18 |
Cenas como esta não eram raras no dia a dia da irmã Josefa…
Na Páscoa de 1922, Jesus ressurrecto lhe aparece “formosíssimo e cheio de luz”. Todavia, ela se mostra indiferente à sua presença, alegando não estar autorizada a quebrar o silêncio monástico. “Não tens permissão para falar comigo, Josefa! – respondeu com bondade – E para Me olhar? […] Olha-Me… e deixa que Eu te olhe… isto nos basta”. Ela fitou-O e Ele disse: “Quando a madre te chamar, pede permissão para falar comigo”,1 e desapareceu.
Que pensar de alguém que, deparando-se com o próprio Cristo, deixa-O só para fechar umas janelas ou se recusa a falar com Ele alegando um simplório pretexto? Por que Nosso Senhor insiste em aparecer a esta alma, e não a alguma outra que manifestasse maior amor?
A resposta nos vem dos lábios do Divino Salvador: “Se na Terra tivesse encontrado uma criatura mais miserável que tu, teria pousado sobre ela meu olhar amoroso, e lhe teria manifestado os desejos de meu Coração. Mas não tendo encontrado, escolhi a ti. […] O único desejo de meu Coração é aprisionar-te e inundar-te de meu amor, fazer de tua pequenez e tua fraqueza um canal de misericórdia para muitas almas”.
É a miséria das almas, pois, que atrai a bondade e a misericórdia do Divino Coração! E foi nosso tempo, tão ingrato para com Deus, que recebeu, pela pena de sóror Josefa Menéndez, o tesouro das revelações que aqui vamos contemplar.
Escolhida desde muito cedo
Nascida em Madri, a 4 de fevereiro de 1890, teve Josefa Menéndez uma infância muito alegre e tranquila. Possuía ela um temperamento vivo, jovial e um tanto altivo, o que a tornava um polo de atração para toda a família.
Desde muito pequena sentia-se chamada a entregar-se a Jesus, mas não sabia ainda como… Na festa de São José de 1901 fez sua Primeira Comunhão e prometeu a Nosso Senhor, formalmente e por escrito, manter perpétua virgindade. Foi repreendida pelo confessor, pois para ele “as meninas não devem prometer nada mais que ser muito boazinhas”,3 e ordenou-lhe destruir o papel do compromisso assinado. Ela, entretanto, não o fez e repetia a Jesus sua promessa cada vez que comungava.
Começou a estudar no colégio das Religiosas do Sagrado Coração de Jesus – instituição fundada por Santa Madalena Sofia Barat, à qual viria a pertencer – e a capela era seu lugar preferido, onde se recolhia e fazia companhia, por largas horas, ao Divino Prisioneiro do sacrário. Com frequência visitava também o Carmelo de Loeches, do qual uma tia materna era a priora. Conheceu a regra carmelitana na biblioteca das freiras e a punha em prática quando brincava “de convento” com suas irmãs menores: Mercedes, Carmem e Ângela. Ela sabia, contudo, no fundo de seu coração, que aquilo era mais do que uma distração… Tomava força em sua alma o chamado à vida religiosa.
Dotada de grande habilidade com a linha e a agulha, foi aprender corte e costura no ateliê de uma modista de confiança dos pais, onde reinava um ambiente frívolo e vazio, muito distinto do calor piedoso de seu lar. Ali conheceu os primeiros embates espirituais e se manteve firme graças à Comunhão diária que não abandonava, à custa de verdadeiros sacrifícios. Aos domingos se dedicava a visitas de caridade, atendendo pobres e enfermos, tanto com o socorro material como nos mais humildes serviços.
Desta época de sua vida, relata ela em seus escritos: “Atravessei muitos perigos, mas Deus, Nosso Senhor, sempre me guardou no meio deles e das más conversas no ateliê. Quantas vezes chorei ao ouvir aquelas coisas que me perturbavam, porém, não deixei de encontrar força e consolo em Deus. Nada nem ninguém me fizeram mudar ou duvidar jamais de que Jesus me queria para Si”.
Longa e dolorida espera
Aos 17 anos a dor veio visitá-la: sua irmã Carmen morre com apenas 12 anos, e pouco depois falece também a avó materna; a mãe adoece com febre tifoide e o pai cai enfermo com pneumonia. A jovem não abandona o leito dos pais, servindo-lhes de enfermeira. Não obstante, com a falta do trabalho paterno as economias domésticas terminaram e a miséria não tardou em chegar. Estava completamente só para cuidar dos pais doentes e das outras duas irmãzinhas.
Nesta circunstância de grande angústia, Santa Madalena Sofia apareceu à mãe de Josefa e lhe assegurou que não morreria, pois sua família ainda precisava dela. No dia seguinte acordou curada. O pai também venceu a enfermidade; no entanto, jamais recobrou forças para voltar ao trabalho e veio a falecer algum tempo depois.
Coube, então, a Josefa o encargo de manter a família. Auxiliada pelas religiosas de seu antigo colégio obteve uma máquina de costura e, com a ajuda destas suas protetoras, conseguiu tanto trabalho que acabou por montar o próprio ateliê, onde trabalhava em duras jornadas, junto com sua irmã Mercedes e outras funcionárias.
Tentou entrar nas sendas da vida religiosa, sendo impedida pela mãe que a tinha como o esteio da casa. Chegou mesmo a fazer um pedido de admissão na Sociedade do Sagrado Coração de Jesus o qual foi acolhido de braços abertos pela superiora. Sem embargo, as lágrimas da mãe a detiveram…
Depois de uma longa espera que muito a fez sofrer, aos 29 anos soava a hora de Deus! Em fins de 1919 chegou da França um pedido de candidatas para o noviciado de Poitiers. Desta vez a mãe não opôs resistência e ela se lançou ao empreendimento sem olhar para trás. Em 4 de fevereiro de 1920 deixou sua pátria para sempre, sem dizer nada a ninguém, para evitar a dor da despedida, nem levar nada consigo.
“Quero que tu também sejas vítima”
Para fundar o primeiro noviciado da Sociedade do Sagrado Coração, Santa Madalena Sofia escolhera a Abadia des Feuillants, em Poitiers, onde dois séculos antes habitaram os cistercienses. Fora destruída durante os anos tempestuosos da Revolução Francesa, mas, dissipada a tormenta, tornou-se residência frequente desta alma de escol, que ali recebera singulares graças. Por isso, os muros benditos da abadia eram considerados por suas filhas espirituais uma relíquia da santa fundadora.
“Escolhi-te tão miserável, para que vejam, mais uma vez, que não busco Sóror Josefa realizando atividades domésticas no convento de Poitiers |
Durante os primeiros meses de noviciado neste abençoado mosteiro, irmã Josefa sofria muitas tentações de abandonar a vida religiosa. Ela mesma conta que, num só dia, chegou, por cinco vezes, a tomar a resolução de tirar o hábito e ir embora. Um dia, porém, sentiu-se arrebatada por um “sono muito doce”, do qual despertou no interior da chaga do Coração Divino. Desde então, tudo mudou para ela: “Com a luz que a inunda vê os pecados do mundo e oferece sua vida para consolar o Coração ferido de Jesus. Um desejo veemente de unir-se a Ele a consome e qualquer sacrifício lhe parece pequeno para permanecer fiel à sua vocação”!
Outros favores místicos concedeu-lhe Nosso Senhor, como preâmbulo da missão que lhe destinara, até que manifestou explicitamente seus desígnios: “Assim como Eu Me imolo vítima de amor, quero que também tu sejas vítima: o amor nada recusa”.6 A partir deste momento, o Sagrado Coração de Jesus a assume como instrumento para transmitir ao mundo os inefáveis segredos de seu amor.
Josefa sempre externava a Jesus os temores e fraquezas que a invadiam, pois sentia ser incomensurável a responsabilidade que lhe pesava sobre os ombros, fardo demasiado grande para si. E Ele a consolava: “Não tenhas medo de nada! Escolhi-te, tão miserável, para que vejam, mais uma vez, que não busco a grandeza nem a santidade… Busco amor! Eu farei todo o resto”.
A grande misericórdia do Coração de Jesus
Nosso Senhor foi-lhe revelando grande desejo de contar com ela para realizar seus planos: “O mundo não conhece a misericórdia de meu Coração. Quero valer-Me de ti para dá-la a conhecer. Quero que sejas apóstolo de minha bondade e de minha misericórdia. Eu te ensinarei; tu, abandona-te”.
Em outra ocasião, expôs-lhe o meio com que faria chegar ao mundo inteiro suas palavras: “Desejo que escrevas e guardes tudo quanto Eu te diga. Tudo será lido quando estejas no Céu. Quero servir-Me de ti, não por teus méritos, senão para que se veja como meu poder se serve de instrumentos débeis e miseráveis”.
Por seu intermédio revela o Divino Redentor aos homens o infinito amor que nutre para com eles e seu desejo de que este amor seja retribuído também com amor: “Conheço o fundo das almas, suas paixões e a atração que sentem pelo mundo, pelo prazer. Eu sabia, desde toda a eternidade, quantas almas amargariam meu Coração e que, para muitas, meus sofrimentos e meu Sangue seriam inúteis… Mas como as amava antes, as amo agora… Não é o pecado que mais fere meu Coração… o que mais o maltrata é que não venham refugiar-se nele depois de o cometerem. Sim, desejo perdoar e quero que minhas almas escolhidas façam o mundo conhecer como espero os pecadores, cheio de amor e de misericórdia”.
Certa vez, estando irmã Josefa em adoração diante do Santíssimo Sacramento exposto, apareceu-lhe Nosso Senhor carregando sua Cruz e disse: “Josefa! Participa do fogo que devora meu Coração: tenho sede de que as almas se salvem… Que as almas venham a Mim!… Que as almas não tenham medo de Mim!… Que as almas tenham confiança em Mim!”.
O mundo não quer outra lei senão seu gosto…
Josefa teve contínuas revelações, nas quais Jesus deixou transparecer seu ardente desejo de perdoar os pecados cometidos contra seu amável Coração, durante os três anos passados no convento de Poitiers, até que entregou sua alma a Deus, em 29 de dezembro de 1923.
Naqueles primórdios do século XX, o mundo contemplara, horrorizado, as atrocidades da Primeira Grande Guerra, sem, contudo, caminhar para a conversão. Crescia o número de almas que abandonava a prática dos Mandamentos, e as gerações se iam sucedendo em progressiva ignorância das coisas de Deus. Eis o gemido de Nosso Senhor: “Olha este Coração de Pai que Se consome de amor por todos os seus filhos. Ah! Como desejo que Me conheçam!”.
Neste sentido, é comovedor o lamento do Sagrado Coração de Jesus: “Às almas que não só não Me amam, senão que Me desagradam e Me perseguem, perguntarei: ‘Por que Me odiais assim? Que fiz Eu para que Me persigais deste modo?’… Quantas são as almas que nunca se fizeram esta pergunta! E hoje, quando Eu a faço, terão de responder: ‘Não o sei’.
“Eu contestarei por elas: ‘Não me conheceste quando criança, porque ninguém te ensinou a conhecer-Me; e à medida que crescias em idade, cresciam em ti também as inclinações da natureza viciada, o amor aos prazeres, o desejo de gozos, de liberdade, de riquezas. Um dia ouviste dizer que para viver sob minha Lei é preciso suportar o próximo, amá-lo, respeitar seus direitos, seus bens; é necessário submeter as próprias paixões… e como vivias entregue a teus caprichos, a teus maus hábitos, ignorando de que Lei se tratava, protestaste dizendo: ‘Não quero outra lei senão o meu gosto! Quero gozar! Quero ser livre!’.
“Filho querido, Eu sou Jesus, e este Sagrado Coração de Jesus Casa Monte |
“Assim foi como começaste a perseguir-Me. Entretanto, Eu, que sou teu Pai, te amo com amor infinito, e enquanto te rebelavas cegamente e persistias no afã de destruir-Me, meu Coração se enchia mais e mais de ternura para contigo”.
Revelações que hoje nos enchem de esperança
É preciso reconhecer que nossos dias não são melhores do que aqueles idos anos… Decorrido quase um século, inúmeros conflitos armados sacodem o mundo, enchendo o horizonte de terríveis ameaças. Sobretudo, o abandono da Lei de Deus é ainda mais terrível do que naquele então. Mais do que em qualquer outra época da História, os homens se afastaram do caminho do bem.
Em certa passagem do Evangelho, Nosso Senhor diz aos fariseus: “Não são os homens de boa saúde que necessitam de médico, mas sim os enfermos. Não vim chamar à conversão os justos, mas sim os pecadores” (Lc 5, 31-32). Deste modo, estas revelações do Sagrado Coração de Jesus devem encher-nos de esperança, pois o dulcíssimo Coração de Jesus está sempre disposto a curar nossos males, basta sabermos ouvir o apelo ao amor que, através de sóror Josefa Menéndez, Ele nos faz:
“Hoje não posso conter por mais tempo o impulso de meu amor e, ao ver que vives em contínua guerra contra quem tanto te ama, venho dizer-te Eu mesmo quem sou.
“Filho querido, Eu sou Jesus, e este nome quer dizer Salvador. Por isso minhas mãos estão transpassadas pelos cravos que Me sujeitaram à Cruz, na qual morri por amor a ti. Meus pés trazem os mesmos sinais e meu Coração está aberto pela lança que introduziram nele depois de minha morte.
“Assim venho a ti, para ensinar-te quem sou e qual é minha Lei. Não te assustes: é de amor! E quando já Me conheças, encontrarás descanso e alegria. É tão triste viver órfão! Vinde, pobres filhos… Vinde com vosso Pai”. (Revista Arautos do Evangelho, Dezembro/2015, n. 168, pp. 22 à 25)