Cardeal Giovanni Battista Re
Prefeito Emérito da Congregação para os Bispos
Nesta noite de vigília, que nos prepara para o dia em que se recorda a última das seis aparições da Virgem Maria aqui na Cova da Iria, celebramos a memória da dedicação desta basílica. Os textos litúrgicos convidam-nos a levantar os corações para Deus, debruçando-nos sobre o tema mais alto e mais belo: o amor que Deus tem por nós, até ao ponto de vir habitar em cada homem e mulher. Somos o templo vivo de Deus!
Vivemos como se Deus não existisse
O Evangelho, agora proclamado, levou-nos em pensamento até ao Templo de Jerusalém, onde – há cerca de dois mil anos – Cristo encontrou aquela casa de Deus transformada num “covil” de negócios e de comércio, tendo Ele expulsado os vendilhões com veemência inusual e contrária ao seu estilo habitual de comportamento. Jesus não gostou do que lá viu e encontrou.
Será bom interrogarmo-nos – cada um para si – sobre a consideração que temos pela casa de Deus e, principalmente, sobre o lugar que Deus ocupa no nosso coração e na nossa vida. Porque o fascínio das coisas tornou-se hoje particularmente insinuante; e a corrida ao bem-estar absorve tempo e energias, deixando-nos sem tempo nem desejo de Deus. Deus passa a ser a última das nossas preocupações. E, aos poucos, esquecemo-nos d’Ele.
Além disso, as grandes possibilidades da técnica geram a ilusão de conseguirmos, por nós, aquilo que antes se esperava de Deus: a humanidade ilude-se de poder, sozinha, construir o seu destino. Resultado: hoje, muitos pensam que não precisam de Deus para alcançar a felicidade. Elimina-se Deus, concluindo que não existe ou, se existe, não nos interessa. E vivemos como se Ele não existisse.
A raiz de todas as crises atuais
Mas, excluindo Deus da sua vida, o ser humano permanece um enigma indecifrável para si mesmo. O homem e a mulher podem conhecer muitas coisas, mesmo sem Deus, mas, sem Deus, não se podem conhecer a si mesmos, o sentido da vida e o próprio destino eterno.
Longe de Deus, o ser humano perde-se, ficando à mercê de egoísmos pessoais e interesses de grupo. Onde Deus desaparece, o homem e a mulher não se tornam maiores, porque o fundamento da dignidade e da grandeza humana é Deus. Como dizia o Papa Bento XVI, o ser humano é grande, apenas quando Deus é grande. Só onde há Deus, pode haver futuro.
Sinais preocupantes de futuro em risco são as várias crises atuais: é muito sentida a crise econômica e financeira que desde há vários anos pesa sobre as famílias, com consequências muito graves; preocupante é também a crise moral que todos notamos; grave é ainda a crise social que comporta tantos problemas. Mas, na base destas crises, está uma que é a raiz de todas as outras: a carência de Deus. Este é o verdadeiro problema do nosso tempo: a falta de fé em Deus. E o pior é que esta carência de fé não é sentida como… uma carência.
Sem Deus, o homem e a mulher deixam de ter princípios que iluminem o caminho da vida. Tentados a pensar que, com a nossa inteligência e as nossas capacidades, podemos encontrar solução para todos os problemas, esquecemo-nos de que existem leis, inscritas por Deus Criador na natureza das coisas, que o homem e a mulher devem respeitar. E, quando se chega a esquecer que as coisas criadas têm as suas leis intrínsecas e ineludíveis, nasce um desequilíbrio que pode levar a catástrofes terríveis.
Nossa Senhora indicou o caminho que leva a Deus
Onde Deus perde o lugar central que Lhe compete, também o homem perde o seu lugar. De fato, a razão mais alta da dignidade humana consiste na sua vocação à comunhão com Deus. Da desordem e dos problemas que se criaram sob o céu, neste nosso tempo, apenas será possível sair se a humanidade levantar de novo os olhos para o Céu. Por isso, a primeira necessidade do nosso tempo é devolver Deus às consciências dos homens e reabrir-lhes o acesso a Deus.
Nossa Senhora, aparecendo aqui em Fátima com o seu convite à oração, à conversão do coração e à penitência, indicou o caminho que leva a Deus e, com Ela, é possível aprender e saborear quão amável e plenificante é a presença divina em nós. Tal foi a experiência dos três pastorinhos: “Das suas mãos maternas saiu uma luz que os penetrou intimamente, sentindo-se imersos em Deus como quando uma pessoa – explicam eles – se contempla num espelho.
“Mais tarde, Francisco, um dos três privilegiados, exclamava: ‘Nós estávamos a arder naquela luz que é Deus e não nos queimávamos. Como é Deus? Não se pode dizer. Isto sim que a gente não pode dizer’. Deus: uma luz que arde, mas não queima. […] Quantos acolhem esta presença tornam-se morada e, consequentemente, ‘sarça ardente’ do Altíssimo” (João Paulo II. Homilia da beatificação de Francisco e Jacinta, 13/5/2000).
Nesta noite, a Virgem Mãe repete também a nós que Deus é um Pai que nos ama, quer o nosso bem, perdoa-nos porque nos ama. Ele deixa-Se também repudiar, porque respeita a nossa liberdade, mas depois fica à nossa espera e volta a procurar-nos. Nesta memória da dedicação desta basílica, peçamos a Nossa Senhora que nos alcance a graça de colocarmos Deus no centro da nossa vida e de nos sentirmos responsáveis diante d’Ele pelos nossos irmãos e irmãs. (Homilia na véspera do aniversário da última aparição, Santuário de Fátima, 12/10/2015) – Revista Arautos do Evangelho, Dezembro/2015, n. 168)