Não se pode seguir Jesus de longe, sem se comprometer com Ele; só é seu verdadeiro discípulo quem participa da sua vida, da sua missão e do seu sofrimento.
Dom Benedito Beni dos Santos
Bispo Emérito de Lorena
Há quatro semanas terminamos de celebrar o tempo litúrgico do Natal do Senhor e nos encontramos agora no Tempo Comum. Neste período, a Liturgia nos mostra Cristo como missionário do Pai.
Logo no início do seu Evangelho, São Mateus resume com estas palavras a atividade missionária de nosso Salvador: “Jesus percorria toda a Galileia, ensinando nas suas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino, curando todas as doenças e enfermidades” (Mt 4, 23).
São Marcos e São Lucas colocam o início do ministério de Jesus na cidade de Nazaré, onde Ele cresceu, foi educado e exerceu o ofício de carpinteiro (cf. Mc 6, 3; Lc 4, 14?15).
Olhar humano e olhar da fé
Os Evangelhos registram três olhares lançados sobre Jesus. Alguns O viam sob um aspecto simplesmente humano. Para eles, era apenas um Homem.
Outros lançavam também um olhar humano, mas profundo, e descobriram que Ele era um profeta, alguém movido pelo sopro divino. Julgaram tratar-se de Elias, o qual fora arrebatado ao Céu numa carruagem de fogo e teria voltado à Terra.
Segundo outros, era Jeremias ou João Batista que havia ressuscitado. Houve também aqueles que O viram como “o Profeta” por excelência, anunciado no Deuteronômio (cf. Dt 18, 15), uma espécie de segundo Moisés, o homem que falava face a face com Deus.
Por fim, houve os que lançaram sobre Jesus o olhar da fé. E estes descobriram sua identidade íntima, completa, e puderam exclamar com São Pedro: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16, 16), ou com São Tomé: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20, 28).
Qual foi o olhar que lançaram sobre Jesus os habitantes de Nazaré? O primeiro, o olhar meramente humano. Embora admirassem a sabedoria do Divino Mestre e tivessem ouvido o relato dos prodígios por Ele realizados em outros lugares, não tiveram fé n’Ele e, por isso, não puderam segui-Lo. Observa São Marcos que se escandalizaram com Jesus, isto é, Jesus foi uma pedra de tropeço para eles. Caíram (cf. Mc 6, 3).
Só através da fé podemos seguir Jesus
Esse fato, prezados irmãos, nos mostra que só através da fé conseguimos descobrir a identidade íntima e completa de Jesus. É só através da fé que podemos seguir Jesus. Segui- Lo não de longe, mas de perto, isto é, participando da sua vida, da sua missão, do seu sofrimento.
A partir daí temos possibilidade de compreender o ensinamento da primeira leitura desta Missa, tirada da Carta aos Hebreus. Esta epístola foi escrita no final do século primeiro por um discípulo e companheiro de missão de São Paulo e, por isso mesmo, é atribuída com muita razão a este Apóstolo.
É curioso antes de tudo o seu título: Carta aos Hebreus. Em seu texto não consta a palavra hebreu nem os seus sinônimos, judeu e israelita, mas o título tem sua razão de ser. O autor a dirigiu aos hebreus que haviam acreditado na divindade de Jesus, abraçado a Fé e, por esse motivo, foram expulsos da Sinagoga, foram excomungados. E como nos mostra mais à frente esta epístola, a expulsão da Sinagoga era uma terrível punição: a pessoa perdia os seus bens, não podia ser saudada publicamente. Pode-se dizer que perdia sua cidadania, era considerada uma traidora.
Ora, esses israelitas que abraçaram com muita coragem, decisão e alegria a Fé cristã – entre eles se contavam diversos sacerdotes -, estavam em crise naquela ocasião, por causa dos sofrimentos que os afligiam. E o autor da Carta aos Hebreus, falando sobre o Cristo Sacerdote, quer ajudá-los a superar essa crise, a enfrentar esse sofrimento.
A Carta aos Hebreus é o texto do Novo Testamento que trata oficialmente do sacerdócio de Cristo. O autor convida esses cristãos em crise a olhar para Aquele que, por amor, oferece na Cruz sua vida ao Pai, em nosso favor, para nossa salvação. Convida-os a considerar Cristo Sacerdote derramando seu Sangue na Cruz para redimir a humanidade. E por isso lhes diz: Vós ainda não resististes até o sangue – isto é, até o martírio – na vossa luta contra o pecado. Cristo sim, foi martirizado; vós estais sofrendo, mas não chegastes ainda à efusão de sangue, ao martírio (cf. Hb 12, 2?4).
O sofrimento conduz à maturidade da fé
E ainda mais, o autor da epístola os convida a considerar seu sofrimento na perspectiva da pedagogia de Deus, o qual muitas vezes usa o sofrimento para nos conduzir à maturidade da fé. E por isso diz-lhes ele: Vós sofreis para vossa educação. Padeceis porque Deus vos ama. Com esse sofrimento Ele vos corrige. Deus quer levar-vos à maturidade da fé (cf. Hb 12, 5?11).
Finalmente, o autor da carta convida os hebreus a imitar Cristo Sacerdote que derramou todo o seu Sangue na Cruz, para nossa salvação, e assim superar a crise na qual se encontram. E procura alentá-los: Fortalecei vossas mãos cansadas, vossos pés enfraquecidos, firmai vossos passos no caminho certo, isto é, no seguimento de Cristo, participando da sua vida, da sua missão, do seu sofrimento (cf. Hb 12, 12?13).
Não se pode seguir Jesus de longe
Narra o Evangelho de São Marcos que, depois de ser preso no Jardim das Oliveiras, Jesus foi levado para o palácio do sumo sacerdote e ali submetido de noite ao julgamento do Sinédrio, embora a Lei o proibisse. Foi esbofeteado, cuspido, caçoado, tratado como um Messias, um rei de brincadeira. Enquanto isso, estava Pedro lá fora, no pátio (cf. Mc 14, 43?65).
Observa o Evangelista que Pedro seguia Jesus de longe, ou seja, não queria participar dos seus sofrimentos, não queria comprometer-se com Ele. E por isso foi se distanciando pouco a pouco d’Ele até cair no abismo da negação.
Em primeiro lugar, uma criada do sumo sacerdote o denuncia: Este também é discípulo de Jesus, o Nazareno. Pedro lhe responde: Eu nem sequer entendo as suas palavras. Não sei o que você quer dizer. Depois a mesma criada o assinala a outras pessoas como pertencente ao grupo de Jesus. E Pedro nega: Nem sequer conheço este Homem. Pela terceira vez Pedro é denunciado: Este é um deles. Tem o sotaque dos nazarenos. Então, narra o Evangelho, Pedro começa a praguejar e a jurar que não conhece Jesus (cf. Mc 14, 66?72).
Por que caiu Pedro no abismo da negação? Por ter seguido Jesus, não de perto, mas de longe, sem querer se comprometer, sem participar do seu sofrimento. Aqui está, irmãos e irmãs, a profunda lição da Carta aos Hebreus para todos nós: não se pode seguir Jesus de longe, sem se comprometer com Ele; só é verdadeiro discípulo de Cristo quem O segue de perto, participando da sua vida, da sua missão e do seu sofrimento. Transcrição da homilia pronunciada em 4/2/2015, na Basílica de Nossa Senhora do Rosário, Caieiras (SP) – Revista Arautos do Evangelho, Abril/2015, n. 160, pp. 38-39