Paramentos coloridos, artísticos cálices, âmbulas cravejadas de pedras e cerimoniosos gestos ornam a celebração dos Sacramentos, portadores da graça… Mas, mais do que isso, todos esses sinais sensíveis trazem em si uma ampla e profunda simbologia.
Ao observarmos os ritos litúrgicos da Santa Igreja, nos deparamos com inúmeros detalhes ricos em significado, próprios a impostar a alma do fiel na verdadeira piedade. Porém, uma pergunta poderia surgir nos espíritos acostumados à praticidade e ao corre-corre de nossos dias: “Para que tudo isso, se somente a graça, misteriosa e invisível, é capaz de salvar?”
Diante desse questionamento devemos lembrar a finalidade da Sagrada Liturgia: além de ser o meio pelo qual se opera a obra da nossa Redenção, ela “contribui em sumo grau para que os fiéis exprimam na vida e manifestem aos outros o mistério de Cristo e a autêntica natureza da verdadeira Igreja”.1
Papel dos símbolos na vida humana
Muitas vezes somos inclinados a achar que, para melhor alcançar os bens do espírito, é preciso desprezar tudo o que não for estritamente indispensável no âmbito do concreto.
Sem dúvida, a vida sobrenatural é superior à terrena, e torna-se imprescindível combater nossas paixões desordenadas tomando uma atitude temperante diante dos bens deste mundo. Entretanto, isso não deve nos levar a considerar intrinsecamente mau tudo o que é material, como faziam no século III os maniqueístas.
A matéria, de si, é neutra: podemos usá-la para o bem ou para o mal. O mesmo Deus que criou a alma criou também o corpo, e deseja que os homens se utilizem das coisas visíveis para melhor se elevarem à esfera sobrenatural.
De outro lado, prega a Filosofia Escolástica que nada há no intelecto que não tenha primeiro passado pelos sentidos. Logo, não há outro meio de assimilarmos as verdades espirituais senão pelo contato com as coisas sensíveis. E aqui entra o papel dos símbolos na vida do homem: sendo ele “um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual, exprime e percebe as realidades espirituais por meio de sinais e símbolos materiais”.2
Os ritos litúrgicos ajudam a penetrar no invisível
Os símbolos nos dão a conhecer as realidades superiores em todos os âmbitos, mas muito especialmente no que se refere à Sagrada Liturgia. Os ritos litúrgicos ajudam a penetrar no mundo invisível do sobrenatural, entendê-lo e viver em conformidade com ele: “O homem precisa de sinais para se comunicar com os outros, pela linguagem, por gestos, por ações. Vale o mesmo para sua relação com Deus”.3
Se não houvesse igrejas, como poderiam se reunir dignamente os fiéis para louvar o seu Criador e Redentor? Sem os ritos visíveis usados na administração dos Sacramentos, como conseguiríamos fazer ideia da ação da graça própria a cada um deles? E será que perceberíamos com a mesma facilidade a grandeza e a majestade de Deus, não fosse o esplendor das vestes sacerdotais, dos vasos sagrados e das cerimônias litúrgicas?
Tudo isso nos mostra como é importante na Igreja o uso de símbolos e como eles auxiliam os fiéis em sua caminhada rumo ao Céu.
Gesto simples e cheio de significado
Ressaltemos apenas um dos sinais realizados na Santa Missa: a colocação de uma gota d’água no cálice durante o Ofertório.
Desde os primeiros séculos do Cristianismo, era hábito misturar água ao vinho a ser consagrado, pois acreditava-se que o próprio Nosso Senhor o fizera na Ceia Pascal, seguindo uma prática comum entre os judeus. Embora alguns contestassem esse costume, ele foi chancelado pelos Concílios e tornou-se parte das rubricas da Santa Missa.4
Invocando a autoridade dos Papas e o testemunho dos Santos Padres e Doutores da Igreja, o Concílio de Florença estabeleceu: “O terceiro Sacramento é a Eucaristia, cuja matéria é o pão de trigo e o vinho de uva, ao qual antes da Consagração deve se acrescentar alguma gota de água”.5 E, séculos depois, o Concílio de Trento ratificou essa norma: “A Igreja prescreve a seus sacerdotes misturar água no vinho ao ser oferecido no cálice, tanto porque se crê que Cristo assim o fez, como também porque de seu lado saiu água juntamente com sangue, mistério que se recorda nesta mistura”.6
Para além desses motivos há uma razão mistagógica: tal gesto simboliza os fiéis que se unem ao Supremo Sacrifício, acrescentando a pequena gota de seus sofrimentos ao mar de dor que é a Paixão e Morte de Cristo. E, assim como a água posta no cálice se transforma em vinho, assim também as nossas dores e orações, unidas ao Sangue do Redentor, se unem aos méritos d’Ele, de forma que na hora em que o vinho é transubstanciado, a “água” de nossa contribuição se torna também divina e digna de ser oferecida ao Pai.
A Liturgia prega a Cristo crucificado
São Paulo afirma que “a linguagem da Cruz é loucura para os que se perdem, mas, para os que foram salvos, para nós, é uma força divina” (I Cor 1, 18).
Sim, por mais contraditório que possa soar aos homens de nossos dias, acostumados à fuga do sofrimento e à desenfreada busca de uma alegria fugaz, este pequeno símbolo litúrgico tem uma beleza toda especial. Ele nos convida a unirmo-nos à obra da Redenção, a deixarmo-nos crucificar com Cristo e a sofrer com ufania por amor a este Deus que não poupou a Si mesmo para nos demonstrar toda a sua benquerença.
Enquanto o mundo convida à pseudofelicidade, a Liturgia prega a Cristo crucificado, apontando o único caminho que nos conduzirá à verdadeira paz e sabedoria: “Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas aquele que tiver sacrificado a sua vida por minha causa, recobrá-la- -á” (Mt 16, 25).
O gesto de pôr água no cálice é apenas um dos incontáveis ritos cheios de significado que a Santa Madre Igreja instituiu para melhor conduzir seus filhos ao conhecimento e amor de Deus. Não é verdade que sem sinais visíveis como esses, ser-nos-ia muito mais difícil entender o mundo sobrenatural?
Tomados de enlevo e admiração, peçamos a Nossa Senhora que aumente nossa fé nas realidades invisíveis que nos envolvem, para que sejamos dignos de vivê-las plenamente no Céu. (Revista Arautos do Evangelho, Fevereiro/2019, n. 206, p. 24-25)
1 CONCÍLIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium, n.2. 2 CCE 1146. 3 CCE 1146. 4 Cf. MISSAL ROMANO. Instrução geral, n.103. Trad. portuguesa da 2a. edição típica para o Brasil realizada e publicada pela CNBB com acréscimos aprovados pela Sé Apostólica. 13.ed. São Paulo: Paulus, 2009, p.55. 5 Dz 1320. 6 Dz 1748.