A PRIMEIRA NEGAÇÃO DE PEDRO
Darás tua vida por MIM...? (Jo 13, 18) “Não és acaso também tu dos discípulos deste homem?” Não o sou... Respondeu ele. (Jo 18, 17) Estando Pedro embaixo, no pátio, veio uma das criadas do sumo sacerdote. Ela fixou os olhos em Pedro, que se aquecia, e disse: Também tu estavas com Jesus de Nazaré. Ele negou: Não sei, nem compreendo o que dizes. E saiu para a entrada do pátio; e o galo cantou. (Mc 14, 66-68)
TESTEMUNHAS FALSAS CONTRA JESUS – JESUS SILÊNCIA
SÃO PEDRO NEGA PELA SEGUNDA VEZ DE CONHECER A JESUS
Afastastes de mim amigo e companheiro; só as trevas me fazem companhia... (Sal 87, 19) Também tu és um deles. Pedro respondeu: Não, eu não o sou. (Lc 22, 58) Dirigia-se ele para a porta, a fim de sair, quando outra criada o viu e disse aos que lá estavam: Este homem também estava com Jesus de Nazaré. Pedro, pela segunda vez, negou com juramento: Eu nem conheço tal homem. (Mt 26, 71-72)
SÃO PEDRO NEGA PELA TERCEIRA VEZ DE CONHECER JESUS
Se o ultraje viesse de um inimigo, eu o teria suportado;... Mas eras tu, meu companheiro, meu íntimo amigo, com quem me entretinha em doces colóquios... (Sal 54, 13-15) Pouco depois, os que ali estavam aproximaram-se de Pedro e disseram: Sim, tu és daqueles; teu modo de falar te dá a conhecer. Pedro então começou a fazer imprecações, jurando que nem sequer conhecia tal homem. E, neste momento, cantou o galo. (Mt 26, 73-74)
O ARREPENDIMENTO DE SÃO PEDRO
Eu reconheço a minha iniqüidade, diante de mim está sempre o meu pecado. Só contra vós pequei... (Sal 50, 5-6) Pedro recordou-se do que Jesus lhe dissera: Antes que o galo cante, negar-me-ás três vezes. E saindo, chorou amargamente. (Mt 26, 75) E no mesmo instante, quando ainda falava, cantou o galo. Voltando-se o Senhor, olhou para Pedro. Então Pedro se lembrou da palavra do Senhor: Hoje, antes que o galo cante, negar-me-ás três vezes. Saiu dali e chorou amargamente. (Lc 22, 60-62)
Pai Nosso..., Ave Maria..., Glória ao Pai...
Pela sua dolorosa Paixão; tende Misericórdia de nós e do mundo inteiro.
Meu Jesus, perdão e Misericórdia, pelos méritos de Vossas santas Chagas.
Segundo as Visões de Anna Catharina Emmerich: A negação de Pedro
Quando Jesus disse, em tom solene: “Eu o sou”, quando Caifás rasgou o próprio manto, quando o grito: “É réu de morte!” interrompeu os insultos e ultraje da gentalha, quando se abriu sobre Jesus o céu da justiça e o inferno desencadeou sua fúria e dos sepulcros saíram os espíritos presos, quando tudo estava cheio de medo e horror; então Pedro e João, que tinham sofrido muito por serem obrigados a ver, em silêncio e inação, o cruel tratamento de Jesus, sem poder manifestar compaixão, não agüentaram mais ficar ali.
João saiu, juntamente com muita gente e testemunhas e dirigiu-se apressadamente a Maria, Mãe de Jesus, que se achava com as mulheres piedosas em casa de Marta, perto da Porta do Ângulo, onde Lázaro possuía um grande edifício. Pedro, porém, não podia afastar-se, amava demasiadamente a Jesus. Não podia conter-se; chorava amargamente, esforçando-se por esconder as lágrimas. Não quis ficar, pois sua consternação te-lo-ia traído, nem podia ir a outra parte, sem causar estranheza aos outros. Dirigiu-se por isso ao atiro, ao canto da fogueira, onde se, apinhavam soldados e muitos homens do populacho, que iam e voltavam, para ver escarnecer de Jesus e faziam observações baixas e maliciosas.
Pedro conservava-se calado, mas esse silêncio e o ar de tristeza do rosto deviam torná-lo suspeito aos inimigos do Mestre. Aproximou-se então também do fogo a porteira e, como todos falassem de Jesus e o insultassem, também entrou na conversa, à maneira das mulheres impertinentes e, olhando para Pedro, disse: “Tu também és um discípulos do Galileu!” Pedro tornou-se embaraçado e inquieto e, receando que aquela gente grosseira o maltratasse, disse: “Oh, mulher! Eu não O conheço; não sei e nem compreendo o que queres dizer”. Levantou-se e com a intenção de livrar-se deles, saiu do átrio; foi à hora em que o galo, fora da cidade, cantou pela primeira vez; não me lembro de tê-lo ouvido, mas senti que então cantou.
Saindo Pedro do átrio, viu-o outra criada e disse a alguns que estavam ali: “Este também tem estado com Jesus” e eles disseram: “Não eras também um dos discípulos do Galileu?” Pedro, assustado e confuso, exclamou, protestando: “Em verdade, não o era, nem conheço esse homem”.
Depois se afastou depressa do primeiro pátio para o exterior, afim de prevenir do perigo alguns conhecidos, que vira olharem por cima do muro. Chorou e estava tão cheio de angústia e tristeza, por causa de Jesus, que quase não se lembrava da sua negação. No pátio exterior estava muita gente e também amigos de, Jesus, que não foram admitidos ao pátio interior; mas a Pedro foi permitido sair. Aquela gente trepara no muro, para espiar o que esse passava e Pedro encontrou entre eles muitos dos discípulos de Jesus, os quais a busca de notícias tinham corrido das cavernas dos vale Hinom para lá. Esses se acercaram logo de Pedro, interrogando-o entre lágrimas, a respeito de Jesus; mas ele estava tão abatido e tinha tanto medo de trair-se, que lhes aconselhou retirar-se, por haver ali perigo para eles.
Depois se separou deles, indo tristemente pelos pátios enquanto os outros saíram com pressa da cidade. Estiveram ali cerca de 16 dos primeiros discípulos, entre eles Bartolomeu, Natanael, Saturnino, Judas Barsabas, Simeão, mais tarde bispo de Jerusalém, Zaqueu e Manaem, o profético jovem, cego de nascença e curado por Jesus.
Pedro não achou sossego; o amor de Jesus impelia-o ao pátio interior, que cercava a casa; deixaram-no entrar, de novo, porque Nicodemus e José de Arimatéia o mandaram entrar, na primeira vez. Não voltou imediatamente à sala do tribunal, mas dirigiu-se à direita, indo ao longo da casa, para a entrada da sala atrás do tribunal, onde o bando de soldados já estava conduzindo Jesus em redor da sala, com vaias e insultos.
Pedro aproximou-se medroso; posto que se sentisse observado como suspeito, impelia-o a ânsia por Jesus a enfiar-se pela porta, ocupada por gente baixa, que estava assistindo àquela cena de escárnio. Nesse momento estavam arrastando Jesus, coroado com a grinalda de palha, em redor da sala. O Senhor lançou a Pedro um olhar sério de repreensão. Pedro ficou como que esmagado pela dor. Mas, lutando com o medo e ouvindo alguns dos circunstantes dizerem: “Quem é este sujeito?”, saiu novamente para o pátio, tão abatido e tão confuso pelo medo, que andava cambaleando a passos lentos.
Vendo-se, porém, observado, entrou de novo no átrio, aproximou-se da fogueira, ficando ali bastante tempo sentado, até que diversas pessoas, que fora lhe tinham notado a confusão, entraram, começando de novo a provocá-lo, falando mal de Jesus e de suas obras. Um deles, chamado Cássio e mais tarde Longino, disse então: “É verdade, também és daquela gente; és galileu, tua linguagem prova-o”. Como Pedro quisesse sair com um pretexto, impediu-o um irmão de Malco, dizendo: “O que? Não te vi com eles no horto das Oliveiras? Não feriste a orelha de meu irmão?” Tornou-se Pedro então como insensato, pelo pavor que o dominou e livrando-se deles, começou a praguejar (tinham um gênio violento) e jurar que absolutamente não conhecia esse homem e correu do átrio para o pátio interior. Foi à hora em que o galo cantou de novo; os soldados conduziram Jesus, nesse mesmo momento, da sala circular, pelo pátio para o cárcere que ficava sob a sala.
Virou-se, porém, o Senhor e olhou para Pedro com grande dor e tristeza; lembrou-se Pedro então da palavra de Jesus: “Antes do galo cantar duas vezes, negar-me-ás três vezes”, e essa lembrança pesou-lhe com terrível violência sobre o coração. Fatigado pelas angústias e o medo, tinha-se esquecido da promessa presunçosa de querer antes morrer, do que O negar e do aviso profético de Jesus; mas à vista do Mestre, esmagou-o a lembrança do crime que acabaça de cometer.
Tinha pecado; pecado contra o Salvador, tão cruelmente tratado, condenado, inocente, sofrendo tão resignado toda a horrível tortura. Como desvairado de contrição, saiu apressadamente pelo pátio exterior, a cabeça velada e chorando amargamente; não temia mais ser interrogado; teria então dito a todos quem era e que pecado lhe pesava na consciência.
Quem se atreveria a dizer, que em tais perigos, angústias, em tal pavor e confusão, numa tal luta entre amor e medo, cansado, insone, prestes a perder a razão pela dor de tantos e tão tristes acontecimentos dessa noite horrível, com uma natureza tão simples com ardente, quem se atreveria a dizer que, em iguais condições, teria sido mais forte do que Pedro? O Senhor abandonou-o às próprias forças; tornou-se então tão fraco como o são todos os que esquecem as palavras: “Vigiai e orai, para não cairdes em tentação”.
Maria no tribunal de Caifás
A SS. Virgem, em contínua e profunda compaixão para com Jesus, sabia e sentia tudo que a Ele faziam. Sofria em contemplação espiritual e, como Ele, continuava em oração pelos carrascos. Mas o coração de mãe também lhe clamava a Deus que não permitisse esses pecados e que afastasse essas torturas do santíssimo Filho; durante todo esse tempo tinha o desejo irresistível de estar com o pobre Filho, tão cruelmente tratado.
Quando João, depois do grito: “É réu de morte!”, saiu do átrio de Caifás, vindo a ela, em casa de Lázaro, perto da porta do Ângulo e lhe confirmou com a triste narração e entre lágrimas, todos os terríveis tormentos de Jesus, os quais, em sua compaixão espiritual, já lhe, dilaceravam o coração, Maria pediu-lhe, como também Madalena, quase desvairada de dor e algumas outras mulheres, que as conduzisse ao lugar onde Jesus sofria.
João, que deixara Jesus só para consolar aquela que, depois de Jesus, lhe merecia mais amor, saiu da casa com a SS. Virgem, conduzida pelas santas mulheres; Madalena caminhava-lhes ao lado, torcendo as mãos. As ruas estavam iluminadas pelo claro luar e viam-se muitas pessoas, que voltavam para casa. Iam veladas as santas mulheres; mas o andar apressado e as exclamações de dor atraíam sobre elas a atenção de vários grupos de inimigos de Jesus que passavam e muitas palavras insultuosas e cruéis, proferidas de propósito em alta voz contra Jesus, renovavam-lhe a dor.
A Mãe de Jesus, sempre unida a Ele, na contemplação espiritual do seu suplício, caiu diversas vezes desmaiada, nos braços das companheiras; conservava tudo no coração, sofrendo em silêncio com Ele e como Ele. Quando desse modo caiu nos braços das mulheres, sob uma porta ou arcada da cidade interior, vieram-lhes ao encontro um grupo de pessoas bem intencionadas, que voltavam do tribunal de Caifás, lamentando a sorte do Mestre. Essas se aproximaram das santas mulheres e, reconhecendo a Mãe de Jesus, demoraram-se algum tempo, cumprimentando-a compadecidamente; “Oh! Mãe infeliz! Oh! Mãe, cheia de tristeza, Oh! Mãe dolorosa do mais Santo de Israel!” Maria, votando a si, agradeceu-lhes e continuaram o triste caminho a passo apressado.
Avizinhando-se do tribunal de Caifás, passaram para o caminho do lado oposto da entrada, onde apenas um muro cerca a casa, enquanto que o lado da entrada conduz por dois pátios. Ali sobreveio nova dor amarga à Mãe de Jesus e às companheiras. Tinham de passar em frente a um lugar, um pouco elevado, onde estavam homens, sob uma leve tenda, aparando a Cruz de Jesus Cristo, à luz de lanternas.
Logo que Judas saíra para trair Jesus, os inimigos haviam ordenado que se preparasse uma cruz, para que, se Jesus fosse preso, Pilatos não tivesse motivo para atrasar a execução; pois já tinham a intenção de entregar Nosso Senhor de manhã cedo a Pilatos e não esperavam que levasse tanto tempo até a condenação. As cruzes para os dois ladrões, os romanos já as tinham preparado. Os operários amaldiçoavam e insultavam a Jesus, por terem de trabalhar durante a noite por causa dEle; todas as machadadas e todas essas palavras feriam e traspassavam o coração da pobre Mãe; mas ainda assim rezava por esses homens tão horrivelmente cegos, que, com maldições, preparavam o instrumento de sua redenção e do martírio de seu Filho.
Tendo passado em volta da casa e chegado ao pátio exterior, Maria entrou, acompanhada das santas mulheres e de João, dirigindo-se à porta do pátio interior, que estava fechada. Tinha a alma cheia de intensa compaixão para com Jesus. Desejava ardentemente que a porta se abrisse e pudesse entrar, por intermédio de João; pois sentia que apenas essa porta a separava do Filho querido, que, ao segundo canto do galo, estava sendo levado do tribunal à cadeia subterrânea.
De súbito se abriu a porta e na frente de algumas pessoas saiu Pedro, correndo para eles, cobrindo com as mãos o rosto velado e chorando amargamente. À luz da lua e das lanternas, conheceu logo a João e a SS. Virgem; parecia-lhe que a voz da consciência lhe vinha ao encontro, na pessoa da Mãe de Jesus, depois que o seu Divino Filho a tinha despertado. Ah! Como ressoava a voz de Maria na alma de Pedro, quando ela disse: “Oh! Simão! Que fizeram de Jesus, meu Filho?” Ele não podia enfrentar o olhar de Maria, desviou os olhos para o lado, torcendo as mãos e não pôde proferir palavra. Mas Maria não o deixou, aproximou-se-lhe e perguntou com voz triste: “Simão, filho de Jonas, não me respondes?”
Então exclamou Pedro, na sua dor: “Oh, Mãe, não faleis comigo; vosso Filho sofre coisas indizíveis; não me faleis a mim, pois condenaram-nO à morte e eu O neguei vergonhosamente por três vezes”. E como João se aproximasse para falar-lhe, fugiu Pedro, desvairado de tristeza e saindo do pátio e da cidade, retirou-se àquela gruta do monte das Oliveiras, na qual as mãos de Jesus se tinham imprimido na pedra. (v. cap. 3.7 pelo fim). Creio que nessa gruta também nosso primeiro pai Adão fazia penitência, quando veio para a terra amaldiçoada por Deus.
A SS. Virgem, sentindo com veemente compaixão essa nova dor de Jesus, a quem negara o mesmo discípulo que fora o primeiro a reconhecê-Lo como Filho de Deus vivo, caiu, após as palavras de Pedro, sobre a pedra ao lado da porta, onde estava e imprimiram-se-lhe as formas das mãos e dos pés na pedra, a qual ainda existe, mas não me lembro onde; tenho-a visto em qualquer parte.
As portas dos pátios estavam abertas, porque a maior parte do povo se retirava, depois que Jesus fora fechado na cadeia. Maria Santíssima, tendo voltado a si, desejava estar mais perto do Filho querido; João levou-a e as santas mulheres até diante da prisão do Senhor. Ah! Bem sentia Maria, a presença de Jesus e Jesus a de sua Mãe, mas a Mãe fiel quis também ouvir com os sentidos exteriores os gemidos do Filho adorado e ouvia-os e também às palavras insultuosas dos guardas.
Não podiam demorar-se ali muito sem ser notadas; Madalena, na veemência da dor, manifestava a comoção e embora Maria conservasse nessa extrema dor uma santa calma, que impunha respeito, devia também ouvir nesse curto caminho as palavras amargas e maliciosas: “Não é esta a mãe de Galileu? O filho com certeza há de morrer na cruz, mas naturalmente não antes da festa, a não ser que fosse o homem mais criminoso”. Então ela voltou e impelida pelo coração, foi ainda até à fogueira do átrio, onde havia ainda alguns populares; as companheiras seguiram-na, em dor silenciosa. Nesse lugar de horror, onde Jesus dissera que era Filho de Deus e a raça de Satanás gritara: “É réu de morte!”, Maria perdeu de novo os sentidos. João e as santas mulheres levaram-na dali, parecendo mais morta do que viva. A plebe nada disse, calou-se admirada; foi como se um espírito puro tivesse passado pelo inferno.
O caminho conduziu-as de novo ao longo do pátio posterior da casa; passaram outra vez por aquele lugar triste, onde alguns homens estavam ocupados em aprontar a Cruz; os operários achavam tanta dificuldade em terminar a cruz, quanto o tribunal em julgar Jesus; foram obrigados a procurar várias vezes outros madeiros, porque os primeiros não serviam ou se fendiam, até que juntaram os diversos madeiros do modo por que Deus o determinara.
Tenho tido várias visões a respeito; vi também Anjos impedirem o trabalho, até que tudo foi feito segundo a vontade de Deus; mas como não me lembro mais claramente disso, deixo de contá-lo.
Jesus no cárcere
A cadeia em que estava Jesus, era um lugar pequeno, abobadado, sob o tribunal de Caifás. Vi que ainda existe parte desse lugar. Dos quatro só dois soldados ficavam com Ele; revezavam-se com os outros várias vezes em pouco tempo. Ainda não tinham restituído a roupa a Jesus, que estava vestido apenas daquele manto rasgado, coberto de escarro e com as mãos novamente amarradas.
Ao entrar na prisão, Jesus pediu ao Pai Celeste que aceitasse toda a crueldade e escárnio que sofreu e ainda ia sofrer, como sacrifício expiatório igual sofrimento. Também nesse lugar os soldados não deixavam descansar o Senhor. Amarraram-nO a uma coluna baixa, no meio do cárcere e não Lhe permitiam encostar-se, de modo que cambaleava com os pés feridos e inchados pelas quedas e pelas pancadas das cadeias, que Lhe pendiam até os joelhos. Não deixavam de insultar e maltratá-Lo e sempre que os dois estavam cansados, eram revezados por outros, que entrando, começavam a fazer-Lhe novas injúrias.
Não me é possível contar todas as baixezas que proferiam contra o mais Puro e Santo de todos os Seres; fiquei doente demais e então quase morri de compaixão. Ai! Que vergonha para nós, que por moleza e nojo nem podemos contar ou escutar as crueldades inumeráveis que o Salvador sofreu por nós! Sentimos um terror semelhante ao do assassino a quem mandam pôr a mão nas feridas do assassinado.
Jesus sofria tudo sem abrir a boca: eram os homens, que soltavam a fúria contra seu irmão, seu Redentor, seu Deus. Também sou pecadora, também por minha causa. Ele teve de sofrer. No dia do Juízo há de manifestar-se tudo. Então veremos que parte nos maus tratos do Filho de Deus tivemos, pelos nossos pecados, que continuamente cometemos e pelos quais consentimos e nos unimos as crueldades perpetradas por aquele bando de soldados diabólicos. Ai! Se considerássemos isso, pronunciaríamos muito mais seriamente aquelas palavras contidas nas fórmulas de contrição: “Senhor! Faze-me antes morrer do que vos ofender mais uma vez pelo pecado”.
Estando em pé no cárcere, Jesus rezava continuamente pelos carrascos. Quando esses ficaram enfim cansados e mais calmos, vi Jesus encostado ao pilar e rodeado de luz. Amanheceu o dia, o dia de sua imensa Paixão e expiação; o dia da nossa redenção espiava timidamente por um orifício no alto da parede, contemplando o nosso Cordeiro Pascal, tão santo e maltratado, que tomara sobre si todos os pecados do mundo. Jesus levantou as mãos amarradas ao novo dia, rezando alto e distinto uma oração tocante ao Pai Celestial, na qual agradeceu a missão desse dia, que almejava os Patriarcas, pelo qual Ele tanto suspirara, desde a sua vinda ao mundo, como disse: “Devo ser batizado com um batismo e quanto desejo que se realize!” Com que fervor agradeceu o Senhor esse dia, em que devia alcançar o alvo de sua vida, nossa salvação, abrir o Céu, vencer o inferno, abrir para os homens a fonte da graça e cumprir a vontade do Pai Celeste!
Rezei com Ele, mas não sei mais repetir a oração, pois eu estava extenuada de compaixão e de chorar, vendo-Lhe os sofrimentos e ouvindo-O ainda agradecer os horríveis tormentos, que tomou sobre si também por minha causa; eu suplicava sem cessar: “Ah! Dai-me as vossas dores; pertencem-me a mim, pois são a expiação das minhas culpas”.
Amanheceu o dia e Jesus saudou-o com uma ação de graças tão comovente, que fiquei como aniquilada de amor e compaixão e repeti-Lhe as palavras como uma criança. Era um espetáculo indizivelmente triste, afetuoso, santo e imponente, ver Jesus, depois desse tumulto da noite, amarrado a coluna, no meio do estreito cárcere, rodeado de luz, saudando com palavras de agradecimento os primeiros raios do grande dia de seu sacrifício. Ai! Parecia-me que esse raio Lhe entrou no cárcere, como um juiz vem visitar um condenado a morte, para reconciliar-se com ele antes da execução. E Ele ainda Lhe agradeceu tão docemente!
– Os soldados, que de cansaço tinham adormecido um pouco, acordaram surpresos, olhando para Ele, mas não O incomodaram, pois pareciam admirados e assustados. Jesus ficou nesse cárcere pouco mais de uma hora.