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Voz dos Papas


Uma virtude difícil, mas possível…
 
PUBLICADO POR ARAUTOS - 24/10/2019
 
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A sagrada virgindade e a perfeita castidade consagrada ao serviço de Deus contam-se, sem dúvida, entre os mais preciosos tesouros deixados como herança à Igreja pelo seu Fundador. Como fazer, porém, para conservá-las?

A doutrina da excelência da virgindade e do celibato, e da superioridade de ambos em relação ao matrimônio, tinha sido declarada, como dissemos, pelo Divino Redentor e pelo Apóstolo das Gentes. […] Mas, perante recentes ataques a esta doutrina tradicional da Igreja, e por causa do perigo que eles constituem e do mal que produzem entre os fiéis, somos levados pelo dever do nosso cargo a desmascarar nesta encíclica e a reprovar de novo esses erros, tantas vezes propostos sob aparências de verdade. […]

A castidade consagrada exige almas fortes e nobres

A virgindade é virtude difícil: para a abraçar, não se requer apenas o propósito firme e expresso de renunciar completa e perpetuamente aos prazeres legítimos do matrimônio; é preciso também dominar e acalmar, com vigilância e combate constantes, as revoltas da carne e as paixões do coração, fugir das solicitações do mundo e vencer as tentações do demônio. […] Exige, portanto, almas fortes e nobres, prontas para o combate e para a vitória “por amor do Reino dos Céus” (Mt 19, 12). […]

Mas, se a castidade consagrada a Deus é virtude difícil, a sua prática fiel e perfeita é possível às almas que, depois de tudo bem ponderado, correspondem generosamente ao convite de Jesus Cristo e fazem quanto podem para a observar. […] Porque “Deus não manda coisas impossíveis; mas, ao mandar, recomenda que se faça o que se pode, que se peça o que não se pode, e ajuda a poder”.1 […]

Os meios recomendados pelo próprio Divino Redentor, para defesa eficaz da nossa virtude, são: vigilância assídua, para fazermos o melhor que pudermos tudo o que estiver na nossa mão; e oração constante, para pedirmos a Deus o que pela nossa fraqueza não podemos conseguir: “Vigiai e orai, para que não entreis em tentação. O espírito na verdade está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26, 41).

Tal vigilância de todos os instantes e em todas as circunstâncias é absolutamente necessária, “porque a carne tem desejos contrários ao espírito, e o espírito desejos contrários à carne” (Gal 5, 17). Se cedemos, pouco que seja, às seduções do corpo depressa seremos levados até essas “obras da carne” enumeradas pelo Apóstolo (cf. Gal 5, 19-21), que são os vícios mais vergonhosos da humanidade. […]

“Quem ama o perigo nele perecerá”

Segundo São Jerônimo, para conservar a pureza, a fuga vale mais do que a lua aberta: “Fujo, para não ser vencido”, dizia de si mesmo. […] Mas essa fuga e vigilância, para não nos expormos às ocasiões de pecado, parece que não são hoje compreendidas por todos, apesar de os Santos as terem considerado sempre o melhor meio de luta nesta matéria.

Pensam de fato alguns que os cristãos, e especialmente os sacerdotes, já não devem ser uns separados do mundo como outrora, mas devem pelo contrário estar presentes ao mundo e, por conseguinte, arrostar o perigo e pôr à prova a sua castidade, para assim se patentear se têm ou não suficiente força para resistir. Vejam tudo, portanto, os jovens clérigos, para se habituarem a encarar tudo sem perturbação e para se imunizarem assim contra toda espécie de tentações.

Desse modo, facilmente lhes permitem fixar sem resguardo tudo o que lhes cai debaixo dos olhos, frequentar cinemas, mesmo para ver películas proibidas pelos censores eclesiásticos, percorrer toda espécie de ilustrações, mesmo que sejam obscenas, e ler até os romances que estão no Index ou que proíbe o direito natural.

Concedem-lhes tudo isso sob pretexto de que hoje grande parte das pessoas alimenta o espírito com esses espetáculos e publicações, e que é preciso que quem há de ajudá-las compreenda sua maneira de pensar e sentir. É fácil de ver a falsidade e o perigo de tal maneira de formar o clero e de o preparar para a santidade da sua missão: pois “quem ama o perigo nele perecerá” (Eclo 3, 27).

A recomendação de Santo Agostinho não perdeu nada da sua oportunidade: “Não digais que tendes almas puras se tendes olhos impuros, porque os olhos impuros são mensageiros de um coração impuro”.

O pudor adivinha o perigo e obsta a que se afronte

Esse funesto método baseia-se numa confusão grave. É verdade que Nosso Senhor disse dos Apóstolos: “Enviei-os ao mundo” (Jo 17, 18), mas acabara de dizer: “Eles não são do mundo, como Eu também não sou do mundo” (Jo 17, 16) e tinha rogado ao Pai: “Não Te peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal” (Jo 17, 15).

Segundo esses princípios, a Igreja tomou prudentes medidas para preservar os padres que vivem no meio do mundo, das tentações que os rodeiam. Essas normas têm por fim defender-lhes a santidade de vida das preocupações e prazeres próprios dos leigos.

Com maior razão ainda, é necessário separar os jovens clérigos da agitação do século, para os formar na vida espiritual e na perfeição sacerdotal ou religiosa, antes de os lançar no combate. Por isso, devem eles ficar por longo tempo no seminário ou nas casas de noviciado e formação, e receber educação apurada, aprendendo pouco a pouco e, com prudência, a tomar contato com os problemas do nosso tempo, como nós o prescrevemos na nossa Exortação apostólica Menti nostræ.

Qual é o jardineiro que expõe às intempéries plantas escolhidas, mas ainda tenras, sob o pretexto de as experimentar? Ora, os seminaristas e os religiosos em formação são plantas novas e delicadas, que precisam de proteção e só progressivamente se vão habituando a resistir e a lutar. Bem melhor fariam os educadores da juventude clerical, inculcando-lhe as normas do pudor cristão, que tanto contribui para manter incólume a virgindade, e bem pode chamar-se a prudência da castidade.

O pudor adivinha o perigo, obsta a que se afronte, e leva a evitar aquelas mesmas ocasiões de que não se acautelam os menos prudentes. Ao pudor não agradam as palavras torpes ou menos honestas, e aborrece-lhe a mais leve imodéstia. Ele afasta-se da familiaridade suspeita com pessoas do outro sexo, porque enche a alma de profundo respeito pelo corpo, membro de Cristo (cf. I Cor 6, 15), e templo do Espírito Santo (cf. I Cor 6, 19).

A alma cristãmente pudica tem horror de qualquer pecado de impureza e retira-se ao primeiro assomo da sedução. […] 

Mãe poderosíssima das almas consagradas

Mas, para conservar e fomentar a castidade perfeita, existe um meio que a experiência dos séculos mostra repetidamente ter valor extraordinário: é a sólida e fervorosa devoção a Nossa Senhora. Em certo modo, essa devoção encerra em si todos os outros meios: quem a cultiva sincera e profundamente é levado a vigiar e a orar, a aproximar-se do Tribunal da Penitência e da Sagrada Mesa.

Por isso exortamos com afeto paternal os sacerdotes, os religiosos e as religiosas a colocarem-se debaixo da proteção da augusta Mãe de Deus, que, sendo a Virgem das virgens, é, como afirma Santo Ambrósio, “a Mestra da virgindade” e, de modo especial, a Mãe poderosíssima das almas consagradas a Deus. ² (Excertos de: PIO XII. Sacra virginitas, 25/3/1954)(Revista Arautos do Evangelho, Outubro/2019, n. 214, p. 6-7).

1 CONCÍLIO DE TRENTO. Sessão VI, c.11

 
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