Do meio das calmas campinas que cercavam um simpático lugarejo francês, divisava-se uma grande extensão de terras cultivadas, a ponto de perder-se no horizonte. Bem no centro delas, podia se ver duas casas rústicas, sólidas e senhoriais, embora um tanto deterioradas pelo passar dos anos. Nelas moravam as famílias Beaumont e Fidèle, cujos filhos, Benoît, Jean, Michel, Louis e Pierre, muito ajudavam seus pais nos trabalhos do campo.
Na primavera, a ampla pradaria ficava toda tingida com o delicado roxo das lavandas cultivadas na região. Nossa história, porém, transcorre no fim do inverno europeu. Nesses dias, um alvíssimo manto cobria os campos, onde as crianças brincavam inocentemente fazendo figuras com a neve.
Ao entardecer, todos se recolhiam no lar da família Beaumont. Ali lhes aguardava um generoso lanche, com biscoitos, queijos, manteiga fresca, pães caseiros e toda espécie de chás. Contudo, Madame Beaumont, senhora muito piedosa e reta, não admitia que os pequenos começassem a se servir sem antes fazerem uma breve meditação e terem lido juntos alguma passagem da Escritura.
Os outros meninos também se ajoelharam, para juntos recitarem o Santo Rosário com renovada devoção
Terminada a refeição, ela acendia uma vela em louvor à Mãe de Deus e reuniam-se todos para rezar o Terço junto a uma antiquíssima imagem de Nossa Senhora, que não tinha invocação alguma, mas sim uma história muito singular.
Assim transcorria no inverno a vida pacata das crianças, cheia de inocente alegria. Contudo, o verme da inveja começara a apodrecer sutilmente a alma inocente de Benoît Beaumont, da mesma forma com que a lepra se apodera de suas vítimas. Incomodava-lhe ver que, sendo ele mais velho, Jean e até o pequenino Pierre demonstrassem mais habilidade fazendo bonecos e maior agilidade nas brincadeiras. Embora nada manifestasse exteriormente, o rancor se acumulava na sua alma.
Certo dia, o harmônico convívio entre as crianças quebrou-se violentamente. Benoît acusou Jean de ter agido com deslealdade e jogou-se com fúria sobre ele. Iniciou-se uma briga entre os meninos, a ponto de trocarem socos e pontapés.
Ao chamado de Madame Beaumont, interromperam-se as desavenças. Entretanto, ao retornarem a casa, todos, especialmente Benoît, sentiam um profundo peso de consciência. Parecia-lhes que carregavam na alma um fardo repleto de amor-próprio, de egoísmo, de falta de amor a Deus e, portanto, de amor ao próximo.
Quando entraram na sala, a boa senhora já se encontrava pronta para começar a oração diária. Compenetrada e recolhida como estava, não reparou que os meninos não se olhavam nem se dirigiam a palavra. Mas, talvez por inspiração angélica, sem saber o que havia se passado entre eles decidiu contar-lhes a história da imagem diante da qual sempre rezavam.
“Há mais de cinco séculos, numa noite muito fria de inverno, passava quase incógnito, pelas redondezas do nosso povoado, o muito venerável Rei São Luís IX. Voltava ele de uma vitoriosa campanha contra os inimigos do reino.
“Cansado pela cavalgada não de um dia, mas de meses, discerniu em meio à névoa e à escuridão, o vulto de uma pessoa. Era um pobre camponês, que aguardava a chegada do seu senhor para prestar-lhe homenagens. Queria oferecer-lhe como presente uma bela caixinha de madeira, entalhada por suas próprias mãos.
“Ao vê-lo aproximar-se, perguntou-lhe o rei:
“— Jovem, que fazes aqui no frio da madrugada?
“— Espero por meu senhor – respondeu ele.
“E, apresentando seu presente, continuou:
“— Quando soube que Vossa Majestade passaria por perto de nossa humilde aldeia, senti-me impelido a prestar-vos um singelo ato de vassalagem, e usei de todas as minhas parcas habilidades para agradecer-vos, através desta caixinha, o que pela França fizestes, fazes e, com a graça de Deus, ainda fareis.
“O santo rei ouviu com bondosa emoção as palavras do plebeu e, quando ele as concluiu, mandou um dos seus escudeiros trazer-lhe uma piedosa imagem de Nossa Senhora, envolvida entre preciosos tecidos. Com um gesto elegante e paternal, entregou-a ao enlevado camponês, que a recebeu com extrema admiração.
“Como último favor, o jovem solicitou de seu soberano um conselho e este, olhando-o bem nos olhos, respondeu repetindo com vagar um trecho da Sagrada Escritura: ‘A caridade é paciente, a caridade é bondosa. Não tem inveja. A caridade não é orgulhosa. Não é arrogante. Nem escandalosa. Não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. […] Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta’ (I Cor 13, 4-5.7).
“Voltando-se mais uma vez ao devotado camponês, disse-lhe:
“— Aí tens, meu filho, mais do que um conselho: é um programa de vida! Segue-o e conservarás a tua inocência. Sei que, pelo favor da Santíssima Virgem, hão de te ser ainda acrescentadas muitas outras virtudes. Terás uma descendência abundante e muito piedosa, e rendo graças à Rainha do Céu e da terra por ter-te colocado ao alcance do meu afeto. Em nome d’Ela te abençoo”.
— Pois bem, meus filhos – concluiu Madame Beaumont –, este camponês foi um de nossos antepassados. Ele nos legou esta linda imagem, que bem poderia se chamar Nossa Senhora da Caridade.
Ao findar tão inspiradas palavras, Madame Beaumont notou um ambiente de muita bênção. Fixando a fisionomia das crianças, viu que algumas choravam. Sem nada dizer, o jovem Benoît dirigiu-se à imagem da Rainha do Céu, ajoelhou-se e, em silenciosa oração, pediu-Lhe perdão pelos erros que cometera. Os outros meninos também se ajoelharam, para juntos recitarem o Santo Rosário com renovada devoção. No fim, um cântico de louvor à Mãe de Deus brotou em uníssono de todos os corações.
Com a atmosfera transformada pelo valor daquelas contritas preces, sem dúvida acompanhadas do Céu pelos Anjos, o pequeno Benoît procurou seus amiguinhos e, com sincera humildade, pediu-lhes perdão. Livre da inveja que lhe corroía a alma, agradeceu sua mãe pela formativa história e, com a consciência tranquila, convidou alegremente a todos para o saboroso lanche. (Revista Arautos do Evangelho, Janeiro/2020, n. 217, p. 46-47)