Após quarenta dias de espera e penitência, acompanhamos de perto as dores inenarráveis de Nosso Senhor Jesus Cristo na Semana Santa. E finalmente celebramos a Ressurreição do Senhor ― mistério essencial de nossa Redenção ―, cujas alegrias e aleluias se estenderão por cinquenta dias, recordando o tempo que Jesus esteve junto aos seus na Terra, até subir aos Céus, e a fase na qual Nossa Senhora e os Apóstolos aguardaram a descida do Espírito Santo.
É um período de júbilo, por significar a passagem da vida anterior, marcada pela culpa original, para a vida nova trazida por Jesus, abrindo as portas do Céu, que estavam fechadas para a humanidade.
Dentre os efeitos da queda de Adão está a perda do dom de imortalidade e, em consequência, a separação da alma e do corpo no fim da vida, sofrimento tão tremendo, horroroso e intenso que não há palavras capazes de exprimi-lo. Quem retornou para descrever este trágico momento?
Ora, Nosso Senhor Jesus Cristo, que jamais cometeu qualquer falta, quis passar por este transe e suportar as dores da morte como nós as padeceremos, para retribuir a Deus a glória que Lhe fora negada pelo pecado e nos redimir. E quando Ele, tendo inclinado a cabeça, entregou o espírito e sua Alma sacrossanta abandonou aquele Corpo adorável e sagrado.
Como mostram os Evangelhos, a Paixão de Nosso Senhor teve um caráter processivo: depois de ser julgado, flagelado, esbofeteado, coroado de espinhos e de carregar a Cruz às costas, sua agonia durou cerca de três horas (cf. Mt 27, 45; Mc 15, 33; Lc 23, 44). E “só quando Ele realizou tudo quanto julgou necessário realizar foi que chegou a hora marcada, não pela necessidade, mas por sua vontade; não pelas exigências de sua natureza, mas por seu poder”.
Em sentido contrário, a Ressurreição foi repentina. Eis um aspecto deste mistério que devemos ter sempre presente: ao terceiro dia, Cristo retomou o Corpo por seu poder divino, de modo instantâneo. Não mais um corpo mortal como o nosso ― que assumira ao longo de sua vida terrena, por um milagre negativo2 ―, e sim em seu estado normal, ou seja, glorioso, como correspondia à bem-aventurança de sua Alma. E isto por um simples ato de sua divina vontade.
Imaginemos que nessa hora a imensa pedra que cerrava o sepulcro tenha saltado dos trilhos. Ela havia sido selada pelos membros do Sinédrio, que se empenharam, ademais, em pôr uma guarda no local para evitar que o Corpo fosse roubado.
Embora sem fé, os príncipes dos sacerdotes e os fariseus eram profundamente inteligentes e sabiam que tudo quanto Jesus prometera se havia cumprido, o que os levou a fazer deduções claras a respeito da possibilidade de se dar algo inesperado (cf. Mt 27, 62-66). Assim, os soldados foram os primeiros — depois, sem dúvida, de Nossa Senhora3 — a tomar conhecimento da Ressurreição.
Assustados, os soldados correram para contar aos sinedritas o ocorrido. Estes, presas do pânico, chegaram a pagar-lhes a fim de espalharem o boato de um suposto roubo do Corpo de Nosso Senhor (cf. Mt 28, 11-13). Eis as imediatas reações diante de um acontecimento que fixaria definitivamente o rumo da História da salvação.
Curto foi o espaço de tempo transcorrido entre os episódios da Paixão e a aparição de Nosso Senhor às Santas Mulheres, que partiram em seguida para dar a Boa-nova da Ressurreição aos Apóstolos (cf. Mt 28, 9-10; Mc 16, 9-10; Jo 20, 14-18).
Porém, a reação dos Apóstolos foi de descrença (cf. Mc 16, 11), pois “essas notícias pareciam-lhes como um delírio” (Lc 24, 11), deixando-os alarmados (cf. Lc 24, 22). O contraste entre a postura dos discípulos — resguardados por medo dos judeus (cf. Jo 20, 19) — e a de Santa Maria Madalena e suas companheiras mostra que enquanto os homens são prudentes e guiam-se pela razão, as mulheres cometem loucuras…
Contudo, como procedeu Jesus ante a cautela de uns e a temeridade de outros?
Aos Apóstolos, Ele “censurou-lhes a incredulidade e dureza de coração, por não acreditarem nos que O tinham visto ressuscitado” (Mc 16, 14), e só Se pôs no meio deles depois de ter ido ao encontro das mulheres, às quais, pelo contrário, demonstrou complacência, além de enviar-lhes Anjos (cf. Mt 28, 1-7; Mc 16, 5-7; Lc 24, 4-7; Jo 20, 12-13) que as trataram com especial cortesia. E mais, os discípulos, incumbidos de divulgar a verdade pelo mundo inteiro, acabaram por ser evangelizados pelas Santas Mulheres que, ao sair correndo para anunciar a Ressurreição, se tornaram apóstolos dos Apóstolos.
Subentende-se, então, que Nosso Senhor gosta de atitudes irrefletidas? Com efeito, o amor delas não era totalmente puro por estar misturado com imprudências. Basta observarmos que Nossa Senhora não Se incorporou à aventura, sinal de não ser esta isenta de certo desatino. E elas próprias tampouco creram logo de início. Não obstante, possuíam um amor mais intenso que o dos Apóstolos. Sua conduta, apesar dos defeitos, é de quem ama.
Peçamos a Cristo Jesus que nos conceda, em sua infinita misericórdia, a plenitude da vida sobrenatural conquistada por sua Morte e Ressurreição.
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