O cristão precisa estudar constantemente a sua fé, pois ninguém ama aquilo que não conhece. Por isso, para aumentar nosso amor a Deus, é necessário conhecer melhor a sua Lei e a Revelação que Ele nos deixou através do Evangelho e da sua Igreja.
Um dos pontos da doutrina católica sobre o qual precisamos ter conhecimento é o que se refere às virtudes, que representam a disposição habitual de fazer o bem.
O primeiro e mais importante conjunto delas são as virtudes teologais e cardeais, aquelas que regem nossa relação com o Criador e com a sua criação.
Entretanto, algumas dessas virtudes parecem contraditórias, como é o caso da esperança, da justiça e do temor de Deus. Como elas se harmonizam? E, se não se harmonizam, por que Deus criaria virtudes controversas?
Como aliar o temor, a justiça e a esperança?
Ao estudarmos a virtude da esperança, precisamos compreender o seu conceito: aguardar, com alegria, o prêmio prometido pelo Senhor. Entende-se, portanto, que um santo, que cumpre a Lei, seja esperançoso e, ao mesmo tempo, entusiasta da justiça de Deus, pois, se Deus é justo e dá a cada um aquilo que merece, o prêmio do santo está garantido, e aí está o fundamento da esperança.
Porém, e ao pecador? Ele sabe que não está em boas condições de se apresentar ao Senhor. Como amar a justiça divina, querer que esta seja praticada e, ao mesmo tempo, manter a esperança de ir para Céu?
Além disso, ainda há o temor de Deus, o dom do Espírito Santo que nos predispõe o coração a temer ofender a Deus pelo justo medo do castigo divino.
A Bíblia elogia tal ação, dizendo, muitas vezes, que "o temor do Senhor é o fundamento da sabedoria" e que "o justo teme a Deus", o que torna esse dom indispensável à vida do cristão.
No entanto, pode parecer impossível aliar essas três virtudes: esperança, justiça e temor de Deus, acreditandos-e que, ao praticar a virtude da esperança, negligencia-se a justiça e o temor de Deus. Isso pode fazer com que, no homem temente a Deus, consciente do rigor da sua justiça, a esperança acabe por desaparecer.
Exemplos históricos
Nós vemos essa dinâmica defeituosa surgindo justamente por ocasião da Revolução Protestante. Lutero, o autor da reforma, ensinava uma esperança desvinculada da justiça e do temor de Deus. São suas as frases: “Sê pecador e peca fortemente, mas crê ainda mais fortemente.” e “Somente a fé salva”.
Já Calvino, outro revolucionário, que originou o Calvinismo, punha a esperança de lado, pois somente aqueles que cumprissem estritamente a Lei de Deus seriam salvos. Assim, havia alguns que podiam perder qualquer motivação para praticar o bem, pois já estavam condenados, e nada do que fizessem lhes garantiria o Céu.
Podemos perceber que, quando as virtudes estão desvinculadas, o exagero que resulta daí faz mal e pode entristecer a vida de milhares de pessoas.
Ainda hoje, ambas as doutrinas são ensinadas em diversas denominações protestantes, responsáveis por coagir e impor algumas ações desmedidas em comunidades evangélicas.
Uma metáfora para esclarecer o certo
São Tomás de Aquino nos ensina que as virtudes são irmãs: não se pode praticar uma e, ao mesmo tempo, esbofetear a outra. De modo que, se queremos a integridade e a santidade, precisamos praticar todas as virtudes que alcançarmos.
Como, então, a esperança, a justiça e o temor de Deus se harmonizam e fazem sentido para a vida do cristão?
Imaginem um pai que todos os dias vai ao trabalho para garantir o sustento de seu filho. Após sair, cedinho, ele volta apenas ao pôr do sol, cansado da jornada diária. A posição verdadeiramente amorosa do filho é esta: ele toma cuidado com os objetos da casa de seu pai, pois reconhece seu esforço em dar-lhe tudo o que tem, e procura arrumar o ambiente para que seu pai volte e tenha um conforto maior.
Por isso, pode ser que faxine a casa algumas vezes por semana, faça uma comida saborosa e até mesmo resolva algumas pendências que seu pai precisaria ir atrás no fim de semana.
E tudo isso o filho faz esperando apenas uma coisa em troca: que seu pai seja mais feliz. Ele o ama acima de tudo e, ao saber que está na hora do seu regresso, fica contente, pois sabe que seu pai ficará agradado ao voltar e encontrar a casa em ordem.
Pensemos que, num dia qualquer, o filho, desajeitado que é, tropeça e derruba um vaso que é muito caro ao pai. O vaso se reduz a vários cacos e não tem mais conserto.
É normal que o filho sinta uma certa tristeza por ter cometido esse desastre, mas não a ponto de desejar que seu pai não volte mais, pois sabe que, para o pai, ele é muito mais precioso do que o vaso.
Assim, quando o pai chega em casa, a primeira coisa que o filho faz é se acusar de seu erro e pedir perdão, enquanto corre para os braços do pai amoroso.
Esperança, justiça e temor de Deus: a harmonia perfeita
Agora transpassemos essa história para a nossa realidade: somos filhos de um Pai perfeito e amorosíssimo. Ele nos permite que cada dia seja para nós como uma jornada sua: ao acordarmos, dá-nos liberdade para fazermos escolhas, sem, contudo, estar presente fisicamente.
O verdadeiro filho mantém acesa a esperança: “É hoje que meu Pai voltará? É hoje que verei novamente a sua face e correrei para os seus braços?”
E, mesmo que este filho tenha quebrado uns tantos vasos pela vida, essa esperança não diminui. Pelo contrário, ela gera um santo temor: “Como fui tão desastrado com as coisas do meu Pai? Ele que, em sua bondade, me deu tudo o que eu tenho, inclusive sua própria vida?”
Este temor santo está fundado na justiça: "Eu reconheço que fiz o mal, e que mereço uma punição!"
É no amor que essas três virtudes, esperança, justiça e temor de Deus, se harmonizam. Se amo, tenho esperança; e se amo, temo ofender ao Senhor. É por isso que, em vez de controversas, essas virtudes são essenciais para medir o nosso amor.
Não podemos ser o filho relaxado, que não tem amor pelas coisas de seu Pai, nem o filho rigoroso e traumatizado que não confia no perdão de Deus.