Umas das vias que São Tomás de Aquino enumera para provar a existência de Deus é a ordenação das criaturas. Para o teólogo, a excelência e a harmonia da criação seriam suficientes para pensarmos num Ser Superior que a ordenou e a predispôs num ciclo eterno e perfeito. Entretanto, quando entra o ser humano no universo, algo acontece que prejudica esta ordem: o pecado, uma ofensa gratuita a Deus.
Como nasce o pecado na alma humana? Qual a sua origem? E, ao falarmos sobre o pecado, por que dizemos pecados mortais e pecados veniais? Você sabe o que os diferencia?
O que é o pecado e por que ele é tão ruim?
O Catecismo nos diz que o pecado é uma transgressão voluntária da Lei de Deus. O que muitas vezes não entendemos é o mal que ele faz a nós mesmos, a Deus e à criação, já que a Lei divina está gravada em nosso interior, além de ser a espinha dorsal de nossa progressão intelectual, espiritual e física.
Para a exata compreensão, precisamos nos reportar aos Dez Mandamentos. Quando Moisés recebeu as tábuas da Lei, o que Deus havia escrito não era uma Lei nova, mas, sim, a manifestação escrita de uma Lei que promovia o bem, na esfera particular e pública. Querem ver?
Deus poderia nos obrigar, como um de seus Mandamentos, a devorar orelhas humanas? O exemplo é um tanto chocante, mas cumpre com sua função: tal atitude não condiz com o bem privado ou de uma sociedade, pois provocaria a discórdia e o caos.
Por isso, os padres da Igreja, estudiosos de antes do século IV d. C., afirmam que o Decálogo, os Dez mandamentos, são ontológicos ao ser humano, ou seja, fazem parte da ordenação de sua natureza. Isso quer dizer que, ao praticarmos a Lei de Deus, progredimos física, moral e intelectualmente, o que resulta numa sociedade também evoluída.
Virtude e progresso
Portanto, quanto mais virtuosa é uma pessoa, mais ela é desenvolvida, mais seus talentos e dons são evoluídos. Por isso, os Santos são tão esplêndidos, tendo, muitas vezes, assumido papéis importantíssimos na sociedade: reis, rainhas, governantes, intelectuais, políticos. São Francisco Solano, por exemplo, era um músico tão excelente que os pagãos choravam e se convertiam com a melodia que ele compunha enquanto peregrinava!
É por isso que o pecado é tão nefasto: não é apenas a Deus que ofendemos, mas a nossa própria condição e a natureza que governamos. O pecado vai direto contra a Lei divina que dá respaldo ao nosso desenvolvimento. “Ah, mas vejo pessoas tão talentosas e, ainda assim, tão pecadoras!” Saiba que, se estes fossem santos, seriam mil vezes melhores!
O pecado dos Anjos
Lúcifer era o maior dos Anjos, aquele a quem Deus reservou a maior sabedoria e os mais profundos conhecimentos. É, em parte, por isso, que o orgulho foi a sua perdição: quando soube que seria governado por uma Rainha humana, inferior à sua condição angélica por natureza, não aguentou e bradou sua revolta: “Não servirei!”
Porém, enquanto o ser humano aprende aos poucos, por composição e decomposição, para os Anjos, o saber vem pela intuição. Ao tomar uma atitude, eles analisam todas as implicações que aquela ação vai gerar, toda dor ou prazer que ela terá como consequência, e escolhem, para nunca mais mudar de opinião.
É por isso que, tendo Lúcifer se levantado contra Deus, e com ele todos os Anjos revoltados, nunca pedirão perdão pelo seu ato.
Essa transgressão, esse ato de revolta e desejo de destruir a ordem divina foi o primeiro pecado, e mereceu a devida punição: o inferno, o tormento eterno. Assim, Lúcifer, que significava "aquele que porta a Luz", tornou-se o diabo, a fonte de todo o ódio ao bem.
O pecado de Adão e a Redenção
Nosso primeiro pai, pelo contrário, não recebeu a pena eterna como Lúcifer, pois sua natureza não era a angélica. Mas, apesar de ser humano, Adão possuía dons únicos que o faziam semelhante aos Anjos e, por isso, sua punição foi tão grande e se estendeu a nós, seus filhos.
Adão possuía a ciência infusa, a mesma forma de conhecer do Anjo. Assim, apenas ao olhar para uma pedra no Paraíso Terrestre, ele sabia a sua composição e a sua estrutura atômica, e em que aquela pedra representava a Deus, como espelho que é a criação de seu Criador.
O pecado original, a negação de um Deus que descia toda tarde para uma conversa com seu querido filho, foi a ruptura com a vida da graça para todo o sempre. Ou seria, se Cristo não tivesse descido a nós e assumido nossa carne para nos redimir.
Assim, com a Redenção, o pecado toma uma nova dimensão de maldade: quando transgredimos a Lei de Deus, ofendemos Aquele que nos criou, rompemos com nosso progresso e, agora, desprezamos também o sangue de Cristo que por nós foi derramado na Cruz.
Como saber se pequei?
Ao ser definido como uma transgressão voluntária da Lei de Deus, o pecado tem dois comprimentos de onda: a intenção e a realização dessa intenção, mesmo que impossibilitada por terceiros.
O que isso quer dizer? Que, para pecarmos, precisamos conhecer e querer o pecado. Aquele que não tem consciência, não peca. É por isso que um sonâmbulo, por mais que cometa um ato terrível, não é culpado perante Deus. Do mesmo modo, alguém que seja levado a cometer um pecado por obrigação, também não tem culpa.
Esta é a doutrina, a Lei. Porém, é aqui que entram as casuísticas, os particulares de cada um, que precisam ser estudados e compreendidos como tal. Por exemplo: um bêbado que, pela bebida, fica inconsciente e causa um acidente de trânsito: ele será tanto mais culpado quanto mais teve a intenção de perder a consciência pela bebida.
Este raciocínio se refere ao caso de o pecador ser ou não culpado perante o Tribunal Divino, o que pode ser completamente diferente no julgamento humano, uma vez que este depende de um Código Penal que varia de país para país.
Pecados mortais e pecados veniais
Agora que entendemos o que é o pecado, quando ele ocorre e quando não ocorre, o mal que faz a Deus, a nós mesmos, à natureza e ao próximo, ainda falta diferenciá-lo: o que é o pecado mortal e o pecado venial?
O pecado mortal difere do venial quanto à sua matéria, ou seja, a Lei contra a qual ele atenta.
Quando um pecado é cometido com consciência e vontade e ofende diretamente os Dez Mandamentos, sua matéria é grave, e ele é chamado de pecado mortal, porque mata a vida de Deus na alma, fazendo com que o ser humano retorne à condição que tinha antes do batismo: ele perde todas as virtudes e dons, sobrando-lhe apenas um pouco de fé e esperança.
É importante frisarmos que é nesta condição que a pessoa não pode receber o Sacramento da Comunhão, pois a alma precisa estar limpa de faltas contra os Dez Mandamentos para receber a Sagrada Eucaristia.
É para isso que serve primordialmente a Confissão, que é o Sacramento do Perdão, cuja função é restaurar a nossa condição de filhos de Deus perdida pelo pecado mortal.
O pecado venial é a transgressão da Lei de Deus em matérias “leves”, ou seja, que não atentem diretamente contra os Dez Mandamentos. Um ato de egoísmo ou de falta de caridade é um pecado venial, mas não chega a ser tão feio e terrível quanto, por exemplo, assassinar uma pessoa, que é um pecado mortal.
Como os pecados podem ser perdoados?
Mortal ou venial, todo pecado atenta contra Deus, que é um Ser Onipotente e Eterno. Assim, qualquer transgressão à sua Lei tem um significado infinito.
Mas isso não impede que muitos pecados sejam cometidos, por mais que não devessem sê-lo. O ser humano precisa trilhar um longo caminho de perfeição até assumir a condição plena de filho de Deus, e neste caminho há muitas quedas.
É por isso que Jesus nos deixou diversos benefícios que apagam os pecados veniais, como a água benta, o “Confesso a Deus” que rezamos no começo da Missa, ou ainda outras orações e ações indicadas pela Igreja.
Já para o pecado mortal, a única certeza de perdão é o Sacramento da Confissão. Assim, ao transgredir qualquer ponto do Decálogo, é nossa obrigação procurar um sacerdote e nos confessarmos com sincero arrependimento, a fim de obter o perdão.
Caso a pessoa esteja impossibilitada de se confessar, não há motivo para desespero: a Igreja aconselha que o fiel, como um filho amoroso, peça perdão a Deus por ter cometido tal ato. Este pedido de perdão é chamado de Ato de Contrição.
É como lemos na parábola do Filho Pródigo: quando este se dá conta de que está se alimentando das bolotas dos porcos, a sua “ficha cai”, e ele já formula o seu pedido de perdão ao Pai.
Os vícios capitais são pecados mortais ou veniais?
Aprendemos que os sete pecados ou vícios capitais (gula, luxúria, avareza, ira, soberba, preguiça e inveja) atentam diretamente contra a graça de Deus em nossas almas. Cometer um deles não significa, por si só, cometer pecado mortal, porém, eles são os propulsores desses pecados.
A ira, por exemplo, pode levar ao egoísmo que, não tratado, pode exacerbar para a violência e chegar ao assassinato. A preguiça, pode ser o motivo pelo qual se cometem tantos pecados contra o Terceiro Mandamento da Lei de Deus: “Honrar domingos e festas”.
E outros pecados capitais estão diretamente ligados a pecados mortais. A luxúria está ligada à traição do vínculo matrimonial, desrespeitando o Nono Mandamento do Decálogo: “Não cobiçar a mulher do próximo”.
Por isso, vale o ditado: “Nada de grande se faz de repente!”. Os pecados veniais e os vícios capitais trazem condições que possibilitam a prática dos pecados mortais.
Houve até mesmo um Santo que definiu os pecados veniais como “saudades do pecado mortal”.