Era uma tarde nublada e fria do outono inglês. Empurradas pela brisa, as folhas avermelhadas que caíam das árvores moviam-se para longe, bem longe… Meu amigo Thomas e eu, vendo-as se deslocarem pelo ar, tínhamos o mesmo pensamento: “Como seria bom ser uma delas: voar, encontrar novos lugares, lançar-nos em aventuras!”

— Mr. Herbert, quantos anos o senhor tinha nessa época?

[caption id="attachment_276803" align="alignright" width="314"] “Como seria bom ser voar, encontrar novos lugares, lançar-nos em aventuras desconhecidas!”[/caption]

— Ah, meu pequeno Edward, eu tinha a sua idade: onze anos. E mesmo agora, com oitenta e oito, não me esqueço do dia em que Thomas e eu resolvemos sair da aldeia. Nossas almas ansiavam por encontrar algo maravilhoso, mas Deus ultrapassou as nossas expectativas!

Tudo começou quando entramos na Floresta Redwood…

— Mas, Mr. Herbert, essa floresta está cheia de perigos! Dizem ser tão densa que não se consegue enxergar a luz do sol nem de manhã.

— Sim, sim. Nós sabíamos disso, mas tínhamos também ouvido dizer que havia uma cidade maravilhosa no seu interior, cheia de torres, muralhas, baluartes e janelas! Sabe, o meu maior sonho era conhecer um castelo por dentro. Então, vencemos o medo e fomos de encontro ao perigo! 

Conforme caminhávamos, começamos a sentir frio, fome, cansaço… No fim do dia, adormecemos profundamente. Não sei bem se foi um sonho ou uma visão, mas naquela noite um Anjo muito bondoso disse-me estas misteriosas palavras: “Para triunfar em qualquer aventura, é preciso ter união”.

Muito aturdido, coloquei a mão na cabeça, sem poder compreender exatamente o que queria dizer meu misterioso interlocutor: “Aventura… união… Thomas e eu brincamos juntos, estudamos juntos, nossos pais são amigos… Somos muito unidos”. Mas o Anjo, como se tivesse lido os meus pensamentos, continuou: “Ter união é saber carregar a fraqueza do outro, auxiliá-lo em suas necessidades”.

Acordei assustado e comecei a me apalpar para ver se aquilo era realidade. Contudo, decidi não contar nada disso a Thomas. Na manhã seguinte continuamos o percurso rumo ao desconhecido. Chegados a uma encruzilhada, não sabíamos que trilha tomar. Quis continuar pelo lado direito, mas Thomas achava melhor prosseguir pela esquerda.

Discutimos tanto que terminamos brigados, a ponto de quase não mais nos falarmos. Mas como ele não queria ficar sozinho, resolveu a contragosto acompanhar-me.

Seria extenso demais narrar todos os perigos pelos quais passamos ao longo do percurso até que, depois de alguns dias de caminhada, avistamos um imponente castelo.

“Por fim chegamos!”, bradei com muita alegria. Mas Thomas nem chegou a me escutar: tinha saído correndo em direção à fortaleza. Quando estava tão longe que eu já não podia mais vê-lo, percebi haver do outro lado um segundo castelo, ainda maior e mais belo. Era realmente magnífico! Ajoelhei-me e agradeci a Deus por ter-me feito chegar até lá. E, quando levantei a cabeça, adivinha quem eu encontrei? 

— A rainha, Mr. Herbert!

— Não, Edward. Diante de mim estava o mesmo Anjo que tinha visto naquela noite. Ele me estendeu um molho de chaves e disse-me que fosse até o castelo e abrisse a porta principal.

Depois de algumas tentativas − pois o molho tinha muitas chaves −, consegui entrar.

— Nossa! E o que aconteceu lá dentro, Mr. Herbert?

— Entrei no majestoso prédio e deparei-me com um corredor largo, onde havia muitas portas. Tentei abrir a mais próxima, mas estava trancada. O Anjo apontou para o molho de chaves e concluí que uma delas abriria a porta. Acertei na primeira tentativa! Entramos, então, numa capela toda feita de pedras coloridas e madeira entalhada.

Rezei um pouco e logo me dirigi a outra port a. Porém, só encontrei a chave depois de várias tentativas…  Afinal, consegui entrar: era a sala de armas! Ali havia canhões, espadas, armaduras. Eu não podia acreditar no que estava vendo!

Passei por outros salões e corredores; subi escadarias e me detive em belíssimos patamares. Entretanto, ao tentar abrir a última porta, experimentei todas as chaves e nenhuma delas serviu…

Como o Anjo não estava mais ao meu lado, saí do castelo em busca de alguém que pudesse me ajudar. Não havia ninguém… a não ser Thomas, que vinha com a fisionomia bastante mudada. Já não estava mais com aqueles ares de querer tomar-me a dianteira. Aliás, eu também não me lembrava mais das brigas que tivéramos no caminho.

“Thomas”, disse-lhe humildemente, “o castelo é belíssimo, mas acho que o Anjo…”

“Anjo?!”, interrompeu meu amigo. “Um Anjo estava lhe esperando? Com um molho de chaves na mão? A mim também!” 

Nesse momento, um peso se fez sentir na minha consciência. Se em lugar de manter silêncio tivesse lhe transmitido o conselho do Anjo, talvez as coisas tivessem corrido de forma diferente.

“Mas creio que se equivocou, pois está faltando uma chave”, completou Thomas, mostrando-me o seu volumoso molho. “Certamente ela dá acesso à parte mais magnífica do castelo!”

“É curioso…”, respondi. “Comigo aconteceu a mesma coisa: minhas chaves abrem todas as portas, com exceção da última”.

O ar consternado do meu amigo encheu-me de compaixão. Esquecendo que eu tinha o mesmo problema que ele, atalhei: “Thomas, vou tentar lhe ajudar. Vamos voltar para o seu castelo”.

Fomos direto até a porta que nenhuma de suas chaves tinha aberto. Então, tomei o meu molho e pus-me a testar todas as chaves até que – oh, surpresa! – uma delas se encaixou na fechadura e abriu a pesada porta. 

Nossa, Edward, você não imagina como era bonito aquele salão! Superava tudo o que tínhamos visto até aquele momento. E lá dentro nos esperava o Anjo, que disse sorrindo: “Para triunfar em qualquer aventura, é preciso ter união!”

E em seguida acrescentou: “Deus quis Se servir desse episódio para vos mostrar a beleza da ajuda recíproca e a importância que ela tem nas vossas vidas. Ninguém chega ao Céu sozinho. Cada um de vós precisa de um irmão que o aconselhe, que sofra junto com ele, que o corrija e ampare! Muitas vezes só encontrareis a saída para os problemas apoiando-se um no outro”.

Foi a maior lição que recebi em minha vida! ² (Revista Arautos do Evangelho, Novembro/2019, n. 215, p. 46-47).