Numa bela manhã de primavera, veio ao mundo a filha de um singelo casal camponês. Deram-lhe por nome Matilde e, enquanto os habitantes da aldeia se rejubilavam na terra por aquele nascimento, no alto do Céu seu Anjo da Guarda dirigia a Nossa Senhora esta bela oração:

— Rogo-Vos, minha Rainha, que me concedais proteger de forma exímia a inocência dessa criança. Que ela logo Vos conheça e Vos sirva. E chegue quanto antes ao cume da santidade para a qual foi chamada.

— Eu te concedo com agrado o que Me pedes, meu zeloso servo – respondeu a Soberana dos Céus – Esta menina passará por dificuldades, mas não demorará a encontrar-se com quem deve ser seu modelo na terra. Ao longo de todo o seu percurso, é preciso que tu a protejas e guies.

Os primeiros meses da existência de Matilde transcorreram numa felicidade completa. Muito cedo, porém, ficou órfã e sua madrinha, Da. Berengária, uma piedosa e rígida senhora, encarregou-se de sua educação.

Tinha já sete anos quando, ao varrer a sala, quebrou o único vaso de flores que havia na casa. Como tomaria a madrinha tamanho desastre? Certamente ficaria furiosa… Era melhor ocultar o acontecido e dizer-lhe, aparentando muita segurança, ter sido um gato o culpado. Ela o vira entrar na casa como um raio e sair, em seguida, pela janela.

Contudo, Da. Berengária não tardou em perceber a fraude e passou-lhe uma tremenda descompostura. Além de estabanada, tinha sido mentirosa! E este era um vício muito grave!

A pequenina chorou de arrependimento, propondo-se nunca mais faltar à verdade. Todavia, transcorriam-se os anos sem que conseguisse melhorar, e cada vez que a flagravam numa mentira, era corrigida com terrível firmeza. A pobre menina então pensava:

— Minha madrinha tem razão! Sou uma falsária, em quem não se pode confiar!

Amiúde ficava triste e pensativa, lutando para não desanimar…

Ao entardecer do dia anterior à Solenidade da Assunção, escutou o alegre bimbalhar dos sinos da matriz chamando os fiéis para as Vésperas Solenes. Encantada, correu para o templo e ficou extasiada com as lindas melodias, a beleza do cerimonial e o perfume do incenso. Chamou-lhe a atenção, sobretudo, a presença de uma dama muito distinta, vestida de ricos brocados de ouro.

Nunca a vira naquela aldeia e ela, entretanto, a fitava com ternura, como se a conhecesse há muito tempo. Em certo momento, chamou-a para conversar:

— Boa tarde, minha pequena, qual é o teu nome?

Matilde, tomada de admiração e respeito, respondeu:

— Boa tarde, minha senhora, eu me chamo Matilde.

— De onde vens?

— Moro naquela casinha que está no alto da montanha. Meus pais eram muito bons, mas já morreram, e agora vivo com minha madrinha, Da. Berengária.

— Pois bem, eu sou a tua rainha e quero que tu sejas minha dama de honra. Vou falar com tua madrinha para que te deixe morar comigo no palácio.

Matilde não podia acreditar… Dava pulos de alegria! Internamente, porém, se punha um problema:

— E quando a rainha perceber que sou uma mentirosa? Começará a gritar-me, como faz Da. Berengária? Ela parece tão bondosa…

Os anos se passaram e a rude camponesa tornou-se uma princesinha, cheia de amor e gratidão por quem com tanta generosidade a acolhera.

Certo dia, foi chamada pela soberana. Queria dar-lhe uma incumbência de suma importância: levar um recado ao comandante de seu exército, no campo de batalha. Matilde saiu prontamente do palácio, com o envelope na mão. No entanto, tomada pelo medo, não ousou dirigir-se até o lugar determinado. Passou o dia dando voltas pelos arredores, em vez de cumprir sua missão.

[caption id="attachment_263249" align="alignright" width="380"] Da. Berengária não tardou em perceber a fraude e passou-lhe uma tremenda descompostura. Além de estabanada, tinha sido mentirosa![/caption]

Sendo já noite, a rainha a viu retornar e perguntou-lhe se havia feito o que ordenara. Matilde disse que sim, dando até alguns detalhes do suposto encontro… Por medo de ser corrigida, caíra em seu antigo vício, a mentira!

Desta vez, contudo, as consequências eram graves: não tendo recebido instruções do palácio, o general mandara o exército recuar ao raiar da aurora. Corria-se sério risco de que os atacantes, vendo o caminho livre, devastassem o país. Quem sabe se conseguiriam chegar até ao próprio palácio?

Quando a rainha foi informada de que seu comandante, opondo-se às instruções enviadas, estava retirando tropas, mandou-o vir urgentemente à sua presença e pediu-lhe explicações. Muito confuso, ele apenas balbuciou:

— Perdão, Majestade. Esperávamos ansiosos as vossas ordens para atacar. Como elas não chegaram, tivemos de bater em retirada…

A rainha percebeu o acontecido e mandou chamar Matilde. Recebeu-a com um olhar muito sério, demonstrando seu profundo desgosto, e disse-lhe:

— Minha filha, é verdade que mentiste para mim? É assim que retribuis à Providência por tudo que fez por ti?

Ao ver-se interpelada desta forma por aquela a quem tanto amava, Matilde caiu de joelhos e, chorando, rogou:

— Perdão, minha mãe, se é que ainda posso chamar-vos de mãe…

A rainha não esperava uma reação tão contrita. Comovida, respondeu:

— E por que não poderias chamar-me de mãe? Mesmo que tua falta fosse mais grave, nunca te rejeitaria! Teu humilde pedido de perdão não só restaura meu amor por ti, senão que o faz crescer. Confias na bondade de tua mãe? Estás disposta a, doravante, querê-la ainda mais, como ela também quer mais a ti?

Matilde, arrebatada com a misericordiosa atitude da rainha, respondeu:

— Claro que sim!

— Então, minha filha, vamos diante da imagem do Sagrado Coração de Jesus e rezemos pedindo a graça de que tu nunca mais caias nesse defeito. Supliquemos ao teu Anjo da Guarda que te ajude e faça de ti uma grande santa.

A partir daquele dia, Matilde não foi mais a mesma. Quando sentia soprar em seu interior os ventos de qualquer tentação, lembrava-se do amor da rainha e pedia ajuda ao seu Anjo da Guarda para vencê-la. A misericórdia da soberana havia feito muito mais para conduzi-la à santidade do que os terríveis apertos de Da. Berengária. (Revista Arautos do Evangelho, Agosto/2019, n. 212, p. 46-47)