A criação de nossos primeiros pais, Adão e Eva, foi imaculada, ou seja, sem mancha. Deus mesmo, Pai, Filho e Espírito Santo, criou-os num estado de graça e de inocência.
Que dizer do segundo Adão e da segunda Eva? Não tiveram eles o mesmo privilégio?
O segundo Adão é Jesus Cristo, o Filho de Deus feito homem. Certamente, foi concebido sem pecado e em estado de graça uma vez que Ele é a graça e a santidade.
Este segundo Adão fez com que desta graça participasse a segunda Eva, a Virgem Maria, sua Mãe?
Vejamos o que disse no primeiro julgamento.
Nossos primeiros pais, Adão e Eva, perderam a graça e a inocência quando comeram o fruto proibido. Deus, então, foi julgá-los. Ora, o Evangelho, ensina-nos que Deus Pai concedeu ao Filho todos os julgamentos. É pois, o Filho de Deus feito homem, Jesus Cristo, aquele que irá julgar os anjos, os homens e os demônios no fim do mundo. Foi, pois, o Filho de Deus, antes de se fazer homem, um dia, aquele que apareceu julgar Adão e Eva depois da falta cometida, mas para julgar na sua misericórdia.
Tendo ouvido a voz do Senhor Deus, que passeava pelo paraíso, à hora da brisa, depois do meio-dia, Adão e a mulher esconderam-se da face do Senhor Deus no meio das árvores do paraíso. E o Senhor Deus chamou por Adão, e disse: "- Onde estás?" E ele respondeu: "- Ouvi tua voz no paraíso e tive medo, porque estava nu, e escondi-me". (1)
Disse-lhe Deus então: "- Mas quem te fez conhecer que estavas nu? Acaso comeste da árvore, da qual eu havia ordenado que não comesses?"
Adão, respondendo disse: "- A mulher, que me deste por companheira, deu-me do fruto da árvore, e eu comi".
E o Senhor Deus disse para a mulher: "- Porque fizeste isto?"
Ela respondeu: "- A serpente enganou-me e eu comi!"
E o Senhor Deus disse à serpente: "- Porque fizeste isto, és maldita entre todos os animais e bestas da terra. Andarás de rasto sobre teu peito e comerás terra todos os dias da tua vida. Porei inimizades entre ti e a mulher, e entre a tua posteridade e a posteridade dela. Ela te pisará a cabeça e tu armarás traições ao seu calcanhar".
Disse também à mulher: "- Multiplicarei os teus trabalhos, e especialmente os de teus partos. Darás à luz com dor os dilhos, e desejarás com ardor a teu marido, que te dominará".
E disse a Adão: "- Por que deste ouvidos à voz de tua mulher, e comeste da árvore, da qual eu te havia ordenado que não comesses, a terra será maldita por tua causa. Dela tirarás o sustento com penosos trabalhos todos os dias de tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos, e tu comerás a erva da terra. Comerás o pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra, de que foste tomado, porque tu és pó, e em pó hás de tornar". (2)
Eis como o Filho de Deus proferiu o primeiro julgamento sobre o gênero humano, julgamento ao mesmo tempo cheio de justiça e de misericórdia, do qual todas as circunstâncias merecem uma particular atenção, notadamente aquelas que dizem respeito à mulher.
Nossos primeiros pais envergonharam-se da falta cometida. Confessaram-na diante de Deus, o juiz. Deus imp^s-lhe por penitência penas desta vida, incluindo a morte, mas não os maldisse. Havia-os abençoado, e os dons de Deus são sem arrependimento. Não é, pois, verdadeiro dizer que Deus maldisse nossos primeiros pais, nem nós neles.
Quanto à serpente, porém, que disse o soberano Juiz? Pois que fizeste isto, és maldita entre todos os animais e bestas da terra. Assim, foi a serpente que Deus amaldiçoou, não o homem, não a mulher. Amaldiçoou a serpente, ou, antes, Satanás disfarçado. E fê-lo sem o interrogar, sem necessidade de respostas quaisquer. Adão pecara por complacência. Eva, por sedução, e a serpente, por pura malícia. Maldita sejas, entre todos os animais e bestas da terra. Andarás de rasto sobre teu peito e comerás terra todos os dias da tua vida.
Eis, pois, o espírito soberbo que queria ser igual ao Altíssimo condenado a arrastar-se como um réptil, ao fazer mil baixezas para persuadir aos homens imprevidentes, vergonhosos desejos. Nós o veremos como no Evangelho, a ele e aos seus, expulsos do corpo dum homem, pedir a Jesus Cristo, o juiz, a graça de poder alojar-se no corpo de porcos:
Chegaram à outra banda do mar, ao território dos gerasenos. E, ao sair Jesus da barca, foi logo ter com ele, saindo dos sepulcros, um homem possesso de um espírito imundo, do qual tinha seu domicílio nos sepulcros, e nem com cadeias o podia alguém ter preso, porque, tendo sido atado por muitas vezes com grilhões e com cadeias, tinha quebrado as cadeias e despedaçado os grilhões, e ninguém o podia domar.
E sempre, dia e noite, andava pelos sepulcros e pelos montes, gritando e ferindo-se com pedras. Vendo Jesus, porém, de longe, correu e prostrou-se diante dele. E, chamando em altas vozes, perguntou:
"- Que tens tu comigo, Jesus, Filho de Deus Altíssimo? Eu te conjuro por Deus que não atormentes".
Por que? Porque Jesus lhe dizia:
"- Espírito imundo, sai desse homem".
E perguntou, em seguida:
"- Que nome é o teu?"
E ele respondeu:
"- O meu nome é Legião, porque somos muitos".
E suplicava-lhe que não o expulsasse daquele país.
Ora, pastando por ali, encontrava-se uma grande vara de porcos. E os espíritos suplicavam a Jesus:
"- Mandai-nos para os porcos, para nos metermos neles".
Jesus deu-lhes a permissão. E, saindo os espíritos imundos, entraram nos porcos. E a vara, que era de cerca de dois mil, precipitou-se por um despenhadeiro ao mar, onde se afogaram todos.
Os que andavam apascentando, fugiram e foram espalhar a notícia pela cidade e pelos campos. E o povo foi ver o que sucedera. Foram ter com Jesus, e viram o que tinha sido vexado do demônio sentado, vestido e são de juízo, ele que estivera possesso duma legião inteira. E todos tiveram medo.
Os que viram o sucedido, contaram aos que chegaram o que se dera com o endemoninhado e com os porcos, de modo que começaram a rogar a Jesus que se retirasse do território deles.
Quando Jesus subia para a barca, começou o que fora vexado do demônio a pedir-lhe permissão para acompanhá-lo, mas Jesus, não o permitindo, disse-lhe:
"- Vai para a tua casa, para os teus, e anuncia-lhes quão grandes coisas o Senhor te fez, como teve piedade de ti".
Ele se foi e começou a publicar pela Decápole quão grandes coisas lhe havia feito Jesus, e todos se admiravam. (3)
E não é tudo. O Juiz dos vivos e dos mortos acrescentou: "Porei inimizades entre ti e a mulher, e entre a tua posteridade e a posteridade dela. Ela te pisará a cabeça e tu armarás traições ao seu calcanhar.
Ó nova Eva, nova Mãe dos vivos, ó Maria, cheia de graça e de méritos de Deus, bendita entre as mulheres, querida entre as mães, ó Maria, Mãe de Jesus, de cuja presença os demônios todos, amedrontados, fogem precipitadamente, ora pro nobis!
Quem não bendirá a admirável bondade de Deus para com nossos primeiros pais? Ambos, Adão e Eva, cheios de temos e de confusão, fizeram a primeira confissão. Deus, diante deles, maldisse a serpente, como para aumentar ainda mais a confusão e o temos. E que anuncia Ele, nessa punição? Que faz entrever? Nada mais nada menos do que um redentor, um redentor em quem, desde então, pudessem esperar perdão, um redentor que havia de nascer, não do homem e da mulher, mas da mulher só.
Que palavras de consolação e de glória para Eva, humilhada e confusa! E o Redentor que, havia de nascer da mulher, era o Verbo eterno, o Deus mesmo que tomara forma sensível para exercer o primeiro julgamento, como virá para exercer o último.
Ó almas, reconciliai-vos aqui diante da Mãe de Deus, do Deus, do Filho, que disse à serpente: Porei inimizades entre ti e a mulher, e entre a tua posteridade e a posteridade dela. E ela te calcará, pisará a cabeça.
Esta mulher, bendita entre as mulheres todas, que deve pisar a cabeça da serpente pelo fruto do próprio ventre, é a Virgem Maria. Por um milagre único de Deus, prometido desde a queda de nossos primeiros pais, sempre houve inimizade entre ela e a serpente. E a serpente jamais teve poder sobre ela, porque foi concebida sem pecado. Creiamos, do fundo do coração, na Imaculada Conceição de Maria, mãe de Deus e mãe nossa. Concebida sem pecado, nascida cheia de graça, tu tens, ó Maria, em tuas mãos as nossas almas. Intercede, pois, por todos nós, míseros pecadores, e pecadores recalcitrantes. Teu Filho mesmo disse que de ti tudo d'Ele se conseguirá. Sim porque és a inefável Advogada, Aquela para quem o impossível é possível. Ó Maria, mãe de Deus e mãe nossa, ora pro nobis pecatoribus! Afasta para bem longe de todos a serpente sedutora. Como a Eva seduziu, assim porfia por nos seduzir a nós, todos os dias. Calca, pois com teus pés sublimes a cabeça maldita, para que, afastando-se de nós a víbora execrável, possamos ter o coração puro, e pura a carne, de modo que sejamos dignos tabernáculos de teu Filho, templos dignos do Espírito Santo. Assim seja.
(Livro Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XXI, Pgs. 112 à 118)
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Antes que Pio IX, com a bula Ineffabilis Deus em 1854, definisse solenemente o dogma da Imaculada Conceição, não obstante as hesitações de alguns teólogos, que podiam apelar para o próprio São Tomás de Aquino, tinha-se chegado a um desenvolvimento não só da devoção popular para com a Imaculada mas também nas intervenções dos papas a favor desta celebração. Antes que o calendário romano incluísse a festa em 1476, esta já havia aparecido no Oriente no século sétimo, e contemporaneamente na Itália meridional dominada pelos bizantinos.
Em 1570, Pio V publicou o novo Ofício e finalmente em 1708 Clemente XI estendeu a festa, tornando-a obrigatória, a toda a cristandade. Mas desde a origem do cristianismo Maria foi venerada pelos fiéis como a TODA SANTA. No primeiro esboço da festa litúrgica da Conceição, anterior ao século sétimo, nota-se, se não a profissão explícita da isenção da culpa original, pelo menos uma persuasão teologicamente equivalente. "Potuit, decuit, ergo fecit", havia argumentado um brilhante teólogo medieval:
"Deus podia fazê-lo, convinha que o fizesse, portanto o fez." Do infinito amor de Cristo para com a Mãe, que a pré-redimiu e a cumulou do Espírito Santo desde o primeiro instante da sua existência, derivou este singular privilégio, que a Igreja hoje celebra para nos fazer meditar sobre a beleza de toda alma santificada pela graça redentora de Cristo.
Quatro anos após a proclamação do dogma da Imaculada Conceição, a Virgem apareceu a Santa Bernadette Soubirous. Para a menina que, timidamente, perguntava: "Senhora, quer ter a bondade de me dizer o seu nome?", Maria respondeu: "Eu sou a Imaculada Conceição."