Martiniano era da Palestina, de Cesaréia, e havia deixado o século quando completara dezoito anos. Vivia, então, ao pé da montanha, e, tantos progressos fizera nas virtudes, que operava milagres.
Ora, um dia, o demônio determinou perdê-lo. E, agindo numa mulher de má vida, fez com que o tentasse, desejando-o como marido.
Zoé era linda e toda frescor. Disfarçada de pobre, ao cair de uma fria tarde, foi bater-lhe à porta da cela, pedindo abrigo por uma noite, choramingando, a dizer que não tinha lugar onde ficar. Comovido com a indigência daquela mulher, Martiniano consentiu em recebê-la. Deixou-a na cela e retirou-se para os fundos, trancando-se a chave. E, deitando-se na terra dura e nua, dormiu, depois de longas preces costumeiras.
No dia seguinte, quando foi ver a hóspeda, encontrou-a transformadíssima. Vestia-se rica e provocantemente, uma vez tirado o disfarce que usara. Rogando ao ermitão que se casasse com ela, empregou toda a sedução feminina. Martiniano ficou atônito. Atônito e desconcertado. E, confuso, para esquivar-se, disse-lhe: - À noite, dar-te-ei a resposta.
Passando todo o dia a orar, rogando a Deus que lhe desse forças e lhe inspirasse horror à mulher, da qual se agradara, por artimanhas do diabo, foi recompensado. Teve uma idéia, e pô-la em ação. Acendeu uma fogueira, sentou-se num banquinho e meteu os pés descalços no meio das chamas. Logo principiou a gritar de dor. Gritava, gritava, mas heroicamente, não arredava os pés um centímetro.
Zoé, atraída pela bulha, correu a ver o que se passava. E, dando com a dolorosa cena, d'olhos marejados d'água, caiu de joelhos e pôs-se a bradar:
- Que fazes? Por que te queimas assim? Por minha causa?
- Sim, respondeu Martiniano, com os pés semi-queimados. Como poderei suportar o fogo do inferno, se mal agüento este? Se ceder aos teus desejos, que me não acontecerá com aquele fogo eterno e terrível?
A mulher, tocada no mais fundo do coração, converteu-se. E o santo ermitão, enviando-a a Belém, deixou-a no convento de Santa Paula, onde Zoé viveu em duras mortificações até o fim da vida.
Sete meses depois, Martiniano viu-se curado das feias queimaduras. O demônio, sempre e sempre, deste ou daquele modo, procurou perdê-lo. Em vão, porém, porque Deus, que o protegia, livrou-o dos laços e dos engodos todos. E para deus, foi ele mansamente, em 398, em Atenas. (Livro Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume III, p. 236-237)