Natural de Valência, Espanha, nascido em 1357, São Vicente Ferrer entrou para a Ordem de São Domingos, em 1374. Morreu em Vannes, na Bretanha, em 1419, esgotado pelas austeridades e pelo trabalho. Renovou a fé e a piedade em grande parte da terra, com os milagres e as pregações. Contribuiu poderosamente para a extinção de um cisma, que há quarenta anos dividia a Igreja. Foi honorificado por reis e pelos povos. Que pensaria de si mesmo? Escutemo-lo:
"Toda a minha vida, disse, não é mais do que mau cheiro; meu corpo e minha alma estão infectos. Tudo em mim exala odor de corrupção, causada por abominações dos meus pecados e injustiças. E, o que é ainda pior, eu mesmo sinto essa exalação crescer dentro de mim, todos os dias, e tornar-se cada vez mais insuportável".
Vejamos como decorreram os últimos anos de sua vida.
De Nantes, o apóstolo se dirigiu a Vannes, em 1417, para lá saudar o duque da Bretanha, João V, que residia ordinariamente nessa cidade. Quando correu a notícia de sua chegada, o bispo Amauri de La Motte, o capítulo, o clero, o povo, e principalmente o duque, a duquesa, todos os príncipes e os senhores da corte lhe foram ao encontro, na capela de São Lourenço, situada a um quarto de légua da cidade.
Primeiro Vicente foi a Catedral. Depois, recusando modestamente o alojamento no castelo que o duque lhe cedera, preferiu a casa de um simples particular chamado Robin. No dia seguinte, que era o quarto domingo da quaresma, cantou a missa, como fazia ordinariamente, e pregou na praça de Lices, sobre um estrado, já que a catedral era pequena demais para conter a multidão que queria vê-lo e ouvi-lo. Continou a celebrar a missa solene e a pregar todos os dias, no mesmo lugar, até quarta-feira da Páscoa, quanto, então, se despediu do duque, do bispo, do capítulo, do povo, para se dirigir para o resto da Bretanha, onde iria pregar. Diversas pessoas de alta linhagem se uniram ao santo homem, quando partiu de Vannes e não o abandonaram durante toda a viagem.
Percorreu ele toda a província com zelo que não deixava oportunidade para sentir as doenças de que sofria. Quando subia ao púlpito, parecia tão fraco e tão debilitado, que não se podia crer que pudesse falar; apenas começava o sermão, animava-se e pregava com tanto ardor, com tanta ciência, e com tanta clareza, como no tempo em que possuía todas as forças. Foi assim que evangelizou Guérande, Aurai, Redom, Guemené, Rostrenen, Pontivi, Crosic, Hennebon, Carhais, Guemperlé, onde se hospedou na casa dos religiosos da sua ordem, Concarneau, Pont-l'Abbé, Quimper, Saint-Paul de Léon e Morlaix, onde foi recebido na casa dos dominicanos, seus confrades.
Durante quinze anos São Vicente Ferrer permaneceu nessa cidade e ia pregar no alto da rua das Fontes, lugar elevado, acima da cidade, onde mais tarde foi erguida uma capela em sua honra. De Morlaix, o santo missionário foi a Lannion, Tréguier, La Roche-Derien, Guingamp, Chatelaudren, Saint-Brieuc, Lamballe, Quintin, Jugon, Saint-Malo, de o onde partiu para Dinan. Aqui ficou dez dias entre os dominicanos. Encontrou nessa cidade uma praça adequada para pregação, uma das maiores do reino. De lá anunciou a palavra de Deus a numerosa multidão que de todas as partes acorreu. Da mesma forma, evangelizou Dol, Antrain, Bazouges, Fougéres e Vitré. Depois dirigiu-se a Rennes, onde foi recebido pelo bispo, pelo clero, pela nobreza, pelos magistrados e pela burguesia, com todo o respeito. O bispo mandara preparar-lhe um quarto no palácio episcopal. Mas o humilde Vicente não quis outro alojamento que o do convento dos confrades, os religiosos de Bonne Nouvelle. Durante o tempo em que esteve em Rennes, pregou em uma praça bastante espaçosa, chamada cemitério Sant'Ana. De Rennes, retomou o caminho de Vannes, por Montfort, Josselin, La Chéze e Ploermel.
Além dos trabalhos maravilhosos de missionário apostólico, exerceu até as mais insignificantes funções dos catequistas, não julgando pequeno tudo quanto pudesse servir para a glória de Deus e para a salvação das almas. Em determinadas horas, São Vicente Ferrer reunia ao seu redor as crianças e lhes ensinava a fazer o sinal da cruz, a Oração dominical, a Saudação angélica e o Símbolo dos apóstolos. Ensinava-as a amar a Deus, a respeitar os pais e o próximo. Dando-se todo a todos, a exemplo do Apóstolo, acolhia os pobres com tanta consideração como aos ricos, e os homens mais obscuros como os mais nobres. Mostrava-se agradável a todos. As viúvas e os órfãos encontravam nele um defensor cheio de zelo. Não se recusava a nenhum dos serviços que podia prestar aos irmãos. A virtude dos milagres e o dom de se fazer entender mesmo pelos que não lhe conheciam a língua, o acompanharam à Bretanha como a todos os demais lugares que tiveram a felicidade de vê-lo.
Mas o corpo acabou sucumbindo sob os rigores da penitência e sob os trabalhos do apostolado. Seus companheiros, vendo aproximar-se o fim de sua vida, procuraram convencê-lo de terminar os dias na Espanha. O grande interesse que tinham nisso impediu-o de resistir aos pedidos. Todavia, não partiu imediatamente, lembrando-se das palavras que Nosso Senhor lhe disse em Avinhão, e da ordem que lhe dera de ir às regiões do Oeste, pregar o Evangelho. Por fim, deixou-se vencer e, após ter-se despedido dos habitantes de Vannes, montou sobre o burro e se pôs a caminho, à meia-noite. Mas depois de algumas léguas com os companheiros, encontrou-se ao despontar do dia, às portas da cidade. Vontando-se para os irmãos, São Vicente Ferrer lhes disse:
"Reentremos nessa cidade, irmãos, pois o que nos aconteceu demonstra suficientemente que Deus deseja se verifique o fim de minha carreira."
Sua volta causou alegria geral aos habitantes. Em grande massa, acorreram homens, mulheres, crianças, para beijar-lhe as mãos e demonstrar-lhe a satisfação pelo retorno. Por toda parte se ouviam os sinos como nos dias das maiores solenidades. Só se ouvia: Bendito seja o que vem em nome do Senhor! Chegado à residência, disse aos habitantes da cidade: "Meus filhos, aprouve a Deus que voltasse para cá; não para pregar, mas para morrer entre vós. Ide, e que Deus vos recompense pela homenagem que quisestes prestar-me, por amor a Ele." Disse ainda outras coisas, que arrancaram lágrimas aos presentes e que mudaram em sensível aflição a alegria sentida por vê-lo de volta.
No dia seguinte, foi atacado de violenta febre, acompanhada de dores agudas em todos os membros, e de um esgotamento geral. Mas, com o espírito esclarecido, como nos melhores dias de saúde, chamou os irmãos e lhes anunciou o dia da morte. Fez vir o sacerdote ao qual tinha o hábito de confiar os segredos de consciência. Confessou-se, pediu-lhe que lhe concedesse a absolvição geral, de acordo com o poder que lhe fora outorgado pelo Papa Martinho V. Recebeu em seguida, todos os sacramentos com redobrada devoção e passou três dias inteiros exortando à prática da virtude e à perseverança no bem de todos quantos tinham a felicidade de se aproximar dele. Quando se espalhou na cidade a notícia de que havia recebido os últimos sacramentos, o bispo, a nobreza, os magistrados vieram vê-lo. São Vicente Ferrer lhes disse:
"Senhores da Bretanha, se quiserdes lembrar-vos de tudo quanto vos preguei durante estes anos, concluireis que nada melhor para vossa saúde do que conformar-vos à verdade. Não ignorais a que vícios vossa província estava sujeita, e que, de minha parte, nada poupei para vos reconduzir ao bom caminho. Daí graças a Deus comigo, pelo fato de, além de me ter concedido o talento da palavra, haver tornado vossos corações capazes de serem tocados e levados para o bem. Não vos resta outra coisa senão perseverar na prática das virtudes e não esquecer o que vos ensinei. No que me diz respeito, desde que apraz a Deus que encontre aqui o fim de minha vida e dos meus trabalhos, serei chamado ao tribunal de Deus, não cessarei de implorar-lhe a misericórdia por vós e vos prometo fazê-lo, contanto que não vos afasteis daquilo que vos ensinei. Adeus! Irei para junto do Senhor dentro de dez dias."
Em seguida, para dedicar mais calmamente o resto da vida à contemplação, pediu que evitassem a aglomeração do povo. As dores foram aumentando. Entretanto a paciência mais ainda que as dores. Nas operações cirúrgicas mais duras, não se ouviu outra palavra que o nome de Jesus e o nome de Maria. Como não houvesse ainda casa religiosa da sua ordem em Vannes, as principais autoridades da cidade, querendo prevenir as disputas que pudessem sobrevir com respeito à sepultura, vieram perguntar-lhe onde desejaria ser enterrado. A resposta foi: "Sou um pobre religioso que não se orgulha de outra coisa que da qualidade de servidor de Deus. Assim, encaro a salvação da minha alma como o único cuidado do qual devo ocupar-me. De resto, preocupo-me muito pouco com o que se relaciona com a sepultura para meu corpo. Todavia, para que permaneçais em paz após minha morte, como tratei de vo-la oferecer enquanto aqui vivi, peço-vos permitais seja o prior do convento da minha ordem, que é mais perto daqui, quem decida a respeito de minha sepultura."
Nove dias depois, pediu que lhe fosse lida a paixão de Nosso Senhor, segundo os quatro evangelistas. Em seguida ouviu os sete salmos da penitência, aos quais repetiu com os demais salmos, até que as forças lhe faltaram por completo e a língua se tornou imóvel. São Vicente Ferrer juntou as mãos, ergueu os olhos para o céu e entregou a alma a Deus, numa quarta-feira, dia 5 de Abril de 1419, aos 63 anos de idade.
A duquesa da Bretanha, filha de França, quis lavar-lhe o corpo pessoalmente. A água que empregou nesse mister, serviu de remédio para a cura de inúmeros doentes. O duque João, o quinto com esse nome, preparou homenagens magníficas a São Vicente. Eram tantos os que queriam ver o corpo do santo, que foi necessário guardá-lo durante três dias, para que se pudesse satisfazer a devoção do povo que desejava vê-lo e tocá-lo. Foi mesmo necessário, por fim, cercá-lo com guardas armados, para que não o reduzissem a pedaços. Foi enterrado na igreja-catedral, ao lado do altar-mor. E Deus continuou a fazer, após a morte de São Vicente Ferrer, tantos e mais milagres por sua intercessão, quantos havia operado, por sua intercessão, durante a vida do santo.
Imediatamente após ter morrido, a maioria dos príncipes e prelados, das cidades e universidades que tinham tido a felicidade de conhecê-lo e de possuí-lo, se dirigiram ao Papa Martinho V, para lhe obterem a canonização. João V, da Bretanha, foi um dos mais ardorosos solicitadores dessa declaração, que terminou apenas em 1455, com o Papa Calisto III. A bula da canonização foi publicada três anos após, pelo Papa Pio II. Em 1456, desenterraram-no. Os espanhóis tinham pedido inutilmente que fosse transportado para Valência. Resolveram, então, em 1599, roubá-lo secretamente, como tesouro que lhes pertencia. Para prevenirem alguma coisa, esconderam a urna que lhe encerrava o corpo. Mas em 1637, descobriram-na, o que ocasionou uma segunda transladação, que se efetuou em 6 de Setembro. Após o que, colocou-se essa urna em cima do altar de uma capela que acabara de ser construída na catedral. E lá ainda se encontra, exposta à veneração dos fiéis.