São Pascásio Radberto, que o apóstolo do Norte, Santo Ansgário, teve por mestre no estudo das letras divinas e humanas, fora educado desde a infância no mosteiro de Nossa Senhora de Soissons, pela caridade dos religiosos, a quem testemunhou reconhecimento durante toda a vida. Lá foi consagrado a Deus e recebeu a tonsura. Mas, em seguida, voltou ao mundo e viveu durante longo tempo no século. Por fim, retirou-se para o mosteiro de Córbia, sob a direção do abade Santo Adalardo e se aplicou aos estudos com tanto êxito, que foi, depois de algum tempo, encarregado da instrução dos confrades, e nesse mister adquiriu grande reputação.
Aprendera muito bem as letras humanas. Mas o estudo a que se dedicava especialmente era a Escritura santa e os escritos dos Padres. Era ele, então, quem explicava à comunidade o Evangelho nos dias solenes. Todavia, não descurou o cumprimento dos deveres da vida monástica. Empregava no estudo apenas o tempo que lhe restava e que podia empregar, tendo por objetivo principal evitar a ociosidade.
Teve vários discípulos em Córbia, entre outros, o jovem Adelardo, que dirigiu a abadia; Santo Ansgário, que foi nomeado legado apostólico para o Norte, e arcebispo, de Hamburgo; Hildemann e Odon, ambos bispos de Beauvais, e Varin, abade da Nova Córbia.
Radberto trabalhou pessoalmente na fundação deste mosteiro, e para ali acompanhou no ano de 822 Santo Adalardo e Vala, seu irmão. Em 826, depois da morte de Santo Adalardo, foi deputado pela comunidade da velha Córbia, para obter do imperador Luís a confirmação da eleição de Vala. Nessa ocasião, como um senhor lhe perguntasse por que haviam escolhido um homem tão severo, respondeu que era necessário tomar por guia aquele que andava à frente dos outros.
O imperador Luís enviou-o a Saxônia em 831, aparentemente na ocasião da missão de Santo Ansgário, e o empregou ainda depois em negócios das igrejas e dos mosteiros. Enfim, o abade Vala o estimava tanto, que não fazia quase nada sem ele, nem negócio, nem viagem. Tal era o monge Radberto, que tomou o sobrenome de Pascásio, segundo o costume dos sábios de seu século, de juntar um nome latino ao nome bárbaro.
Pelo ano de 830, escreveu a Vida de Santo Adalardo, seu abade, e, no ano seguinte, compôs seu Tratado do Corpo e do Sangue do Senhor, ou da Eucaristia, a pedido do discípulo Varin, com sobrenome de Plácido, que, após haver sido monge da antiga Córbia, tornou-se abade da nova, sucedendo a Santo Adalardo, em 826. São Pascásio expõe em estilo simples a doutrina da Igreja sobre a Eucaristia, tal como os monges da nova Córbia, encarregados da instrução dos neófitos, deviam expô-la; disso vem que compara o que diz sobre essa matéria ao leite com que nutrem as crianças. Se lhe acontece combater qualquer erro, não é senão a incredulidade dos ignorantes e dos maus católicos, ou qualquer antiga heresia, como a dos milenários; porque nada ainda haviam inovado a esse respeito; isso não aconteceu senão longo tempo depois. Os Padres, cujo testemunho ele emprega são: São Cipriano, Santo Ambrósio, Santo Hilário, Santo Agostiinho, São Crisóstomo, São Jerônimo, São Gregório, Santo Isidoro, Hesíquio e o venerável Beda. De sorte que a doutrina contemporânea e invariável da Igreja Católica, sua obra apresenta ainda o resumo de toda a tradição. (...)
Nesse importante tratado, São Pascásio Radberto ensina principalmente três coisas: que a Eucaristia é o verdadeiro Corpo e o verdadeiro Sangue de Jesus Cristo; que a substância do vinho e do pão não mais permanece após a consagração, e que é o mesmo corpo que nasceu da Virgem; o que exprime logo no início do livro: "Ainda que a figura do pão e do vinho aqui esteja, não se deve crer outra coisa, após a consagração, que o Corpo e o Sangue de Cristo. E para dizer algo de mais maravilhoso, não se trata de outra Carne que nasceu de Maria, que sofreu sobre a Cruz, que saiu do sepulcro. Disse, infere três conseqüências: que Jesus Cristo é imolado todos os dias verdadeiramente, mas em mistério; que a Eucaristia é verdade e figura conjuntamente; que não está sujeita às sequências da digestão. Estabelece por toda parte a doutrina da presença real, até dizer que aquele que nisso não crê, é pior do que um ímpio. (1)
Em 844, já avançado em idade, Pascásio Radberto foi eleito abade de Córbia com a morte de Isaac, sucessor de Vala. Era apenas diácono e a humildade não lhe permitiu jamais ascender a posto mais elevado. A qualidade de abade fê-lo reunir, em 846, o concílio de Paris, que concedeu ao seu mosteiro um privilégio tão glorioso quanto honroso e vantajoso para a comunidade. Esse privilégio dizia respeito à liberdade das eleições; mas desde que Radberto aceitara o governo dessa casa, não encontrava quase tempo para o estudo. Os negócios temporais ora o ocupavam internamente, ora o forçavam a sair. Levantaram-se entre os religiosos algumas discussões literárias; outros encontravam dificuldades em seguir a austeridade da vida que dava exemplo. Todos esses motivos o fizeram tomar a decisão de abdicar e deixar a comunidade a liberdade de escolher outro superior. Muitos monges se opuseram a esse desejo. Ele lhes deu ouvidos durante algum tempo; mas por fim, demitiu-se do cargo em 854 após tê-lo exercido durante sete anos.
Dedicado a isso mesmo e aos caros livros que lhe constituíam as principais delícias, não pode impedir-se de dar mostras públicas da alegria que lhe causava a liberdade. A fim de aproveitá-la, retirou-se por algum tempo ao mosteiro de São Riquier. Lá, reentrando no seio da filosofia, para falar a sua linguagem, retomou os trabalhos literários, continuou as obras interrompidas e compôs novas.
De volta a Córbia, continuou os mesmos exercícios, isto é, estudo e a prática de todas as virtudes. Tais foram sempre suas ocupações durante uma longa vida, que terminou, com uma bem-aventurada morte, em 26 de Abril, pelo ano de 865.
Fez ver nesse momento quanto sua humildade era sincera e profunda, proibindo os discípulos de escrever sua vida. Proibição demasiado escrupulosamente observada, que nos teria lançado na ignorância quase total das ações de tão grande homem, sem que nos fornecessem seus próprios escritos. Seu corpo foi inumado na capela de São João, de onde foi transferido, em 1073 para a igreja matriz, pela autoridade da Santa Sé, que determinada por grande número de milagres na sepultura do piedoso abade, o colocou no número dos santos que a Igreja honra no decorrer do ano (2).
(1) Bibl. PP. XIV. Martenne, Vet. Script., t. IX
(2) Acta SS., 26 de Abril.
(Livro Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume VII, p. 264 à 269)