Havia em Sibápolis, na Síria, um mosteiro de freiras, cuja piedade e vida penitente despertavam a admiração dos próprios pagãos. Contavam-se mais de cinqüenta religiosas, a maior parte pertencendo às principais famílias da sociedade. A superiora ali tinha introduzido, com a idade de três anos, uma de suas sobrinhas, chamada Febrônia, e a educara com os maiores cuidados no amor da virtude.
A sobrinha, chegando aos dezenove anos, era das pessoas mais bem formadas de todo o império romano, seja pelos predicados exteriores, seja pelas qualidades de espírito. Mas o que lhe aumentava infinitamente o mérito era a humildade profunda, a modéstia admirável, a pureza e inocência de coração que dela faziam um anjo sobre a terra. Também renunciara solenemente às esperanças do mundo, e em boa hora havia resolvido não ter outro esposo senão Jesus Cristo.
A tia, que nada de mais caro tinha no mundo que este precioso tesouro, jamais a deixava ser vista por estranhos; mas por mais precauções que tomasse, não deixavam de falar dela lá fora, e muitas pessoas haviam tentado, em vão, penetrar no mosteiro para julgar, por seus próprios olhos, do mérito da piedosa virgem.
Entretanto, uma jovem viúva, de família muito distinta, que ainda não passava de catecúmena, solicitou à superiora com tanta insistência e lhe deu razões tão tocantes do desejo ardente que tinha de vê-la, que conseguiu entrar no convento, revestindo-se com hábito de religiosa, e aparecer em companhia das santas freiras: Febrônia, que jamais consentira em mostrar-se nem dirigir a palavra a pessoa alguma estranha, acolheu a pretensa religiosa com grandes mostras de caridade. Com ela se entreteve e descreveu com tanta unção a felicidade da vida religiosa, que Hierica (era o nome da mulher(, a qual estava a ponto de contrair segundas núpcias, renunciou imediatamente o mundo, e resolveu passar o resto da vida no retiro. Imediatamente quis receber o batismo, e a família impressionada com a mudança tão súbita em suas disposições, converteu-se também à religião cristã.
Essa conquista de Febrônia devia, em breve, ser seguida de vitória mais brilhante ainda. Diocleciano perseguia então a Igreja com excessiva crueldade; milhões de mártires cimentavam com o sangue a fé de Jesus Cristo. O prefeito Lisímaco e Selene, seu tio, inimigo jurado dos cristãos, foram enviados a Sibápolis com ordens severíssimas da parte do imperador. À notícia de sua chegada, o alarme foi grande: casa qual procurava fugir ou esconder-se; a superiora do mosteiro declarou às companheiras que estavam livres de retirar-se se quisessem, para colocar em segurança a vida. Quanto a ela mesma, estava resolvida a esperar a morte no convento, muito feliz de terminar a vida com o martírio. "Toda a minha dificuldade é saber o que acontecerá com Febrônia. O que acontecerá comigo, respondeu imediatamente a santa jovem com firmeza! Ficarei aqui sob a proteção do meu divino esposo. Nada temo. Fiz a Jesus Cristo o sacrifício do coração; faço-lhe ainda o da vida. Nada desejo ardentemente do que derramar meu sangue por ele".
Entrementes, uma companhia de soldados enviados por Selene, e comandados por Primo, primo-irmão do prefeito Lisímaco, se apresentou às portas do convento. Arrombaram-nas com violência e lançaram-se sobre as religiosas. Já a superiora ia ser imolada quando Febrônia, lançando-se aos pés dos soldados, conjurou-os a fazê-la morrer primeiro. À vista da coragem e da ousadia de pessoa tão jovem e tão delicada, ficaram imóveis; detiveram-se, hesitaram, até que, vindo Primo, ordenou se retirassem, dizendo então a Febrônia: Por que não fugistes, como a maior parte das companheiras? Ide: dou-vos a liberdade; ponde-vos a coberto dos insultos que poderão advir-vos.
Primo voltou a Lisímaco para prestar-lhe contas do que acabava de fazer, e disse-lhe: Encontrei no convento aquele que os deuses vos destinam por esposa. É uma jovem, que pelo aspecto, me parece de alta categoria; por outro lado, é de beleza incomparável. Mas, respondeu Lisímaco, ouvi minha mãe dizer que as jovens encerradas nos mosteiros são esposas de Jesus Cristo. Não poderia, pois, pensar em casar-me com aquele a que te referes.
Enquanto Primo e Lisímaco confabulavam, um soldado que os havia escutado mandou dizer a Selene que Primo ia casaro sobrinho com uma jovem cristã. Selene encolerizou-se. Mandou trazer imediatamente Febrônia. Ela apareceu diante do juiz, mas com tal expressão de contentamento e de paz estampada no semblante, que o tirano permaneceu como que estatelado.
- Sois livre ou escrava? Perguntou-lhe, primeiramente.
- Sou escrava, respondeu a santa.
- E quem é vosso senhor?
- Jesus Cristo, meu Senhor e meu Deus, a quem me devotei desde o berço.
- É pena que vos tenham impingido desde tão longo tempo os princípios da seita cristã. Despojai-vos, hoje, de todos esses erros. Sacrificai aos deuses e eles farão vossa felicidade. Desde hoje vos tornareis minha sobrinha, esposando Lisímaco, que está diante de vós, e que vos cumulará de honras e riquezas. Que lhe tirem as correntes! Acrescentou. Adotando um tom grave e sério que contrastava maravilhosamente com a candura e modéstia habituais, Febrônia segurou nas mãos as correntes que tão orgulhosa estava de carregar.
- Peço-vos, senhor, disse ela, não me tireis um ornamento que faz minha felicidade e glória; e para não vos fatigar com longos discursos, sabei que não consentirei jamais na proposta que acabais de fazer-me. Não, jamais adorarei os demônios. E não acrediteis que, por ser eu mulher, consigais quebrantar-me a resolução com ameaças e tormentos. Estou pronta a sofrer os maiores suplícios, antes de renunciar a Jesus Cristo, meu único esposo para sempre.
A essas palavras, Selene, fora de si de despeito e cólera, mandou dilacerar a golpes de azorragues a generosa Febrônia, cujo corpo sangrento em breve se transformou numa só chaga. Em seguida, ordenou fosse estendida sobre uma grelha de ferro e queimada a fogo lento. Os pagãos, testemunhas da barbaridade, afastavam com horror; mas Febrônia parecia insensível e não tinha voz senão para bendizer o Senhor porque a julgara digna de sofrer por ele; parecia no cúmulo da alegria em meio aos tormentos que suportava. Tanta intrepidez levou ao auge o furor do tirano. Mandou quebrar-lhe os dentes e dilacerar o seio num recrudescer selvagem de ódio e crueldade. Mas tudo foi inútil: nada logrou quebrantar a coragem da santa jovem. Por fim, Selene mandou cortar-lhe a cabeça.
Lisímaco e Primo, ambos favoráveis aos cristãos, sobretudo o primeiro, cuja mãe era cristã, haviam sido testemunhas do combate e triunfo de Febrônia. Comentavam dolorosamente o heroísmo que havia mostrado, quando vieram anunciar-lhe o fim de Selene, que, tendo enlouquecido, quebrara a cabeça contra um pilar. Tomado de horror ao ouvir esse acontecimento trágico: não faltava mais do que isto, disse Lisímaco ao amigo, para levar ao cúmulo o triunfo de Jesus Cristo e de sua serva. Ide, eu vos peço, buscar o corpo da heroína; recolhei também a terra tinta com o seu sangue; encerrai os restos preciosos numa rica caixa mortuária, e se alguém quiser opor-se, dizei que agis em meu nome. Desde esse momento, cessaram a perseguição, a abraçaram um e outro a religião de Jesus Cristo. (Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XI, p. 179 à 183)