Nascido pelo ano de 1107, pertencia Antelmo à primera nobreza de Sabóia. Seus pais fizeram-no estudar desde a juventude, e lhe proporcionaram dois benefícios consideráveis, um em Gênova e outro em Belley: eram as principais dignidades dessas duas igrejas.
Davam-lhe elas grande consideração e propiciavam-lhe vultosos rendimentos, dos quais usava magnificamente, tendo prazer em receber os que iam vê-lo e prestar-lhes toda a sorte de serviços; a circunstância granjeou-lhe muitos amigos. Era também muito liberal para com os pobres, e tinha vida pura, mas ocupada com os cuidados temporais. Passada a primeira juventude, dedicou-se a visitar os religiosos, particularmente os cartuxos, mais por curiosidade do que com o propósito de converter-se.
Tendo se dirigido, certa vez, com outros jovens de sua idade, para o convento dos cartuxos das Portas, cujo prior era o venerável Bernardo, este santo, que já fizera grande número de conversões, exortou Antelmo a pensar na salvação; alguns outros cartuxos fizeram o mesmo. Antelmo não se deu por convencido, recomendando-se somente às suas orações e retirando-se.
Chegando à casa logo abaixo do convento dos cartuxos, foi retido, para lá passar a noite, pelos irmãos conversos e o procurador Boson, que era seu parente, e homem de aplicação maravilhosa. No dia seguinte, subiu novamente ao convento, visitou os alojamentos dos monges, e ficou de tal maneira impressionado com o seu gênero de vida e palavras, que pediu para ser recebido entre eles. Exortaram-no a regular os negócios e marcar data para regressar; mas ele disse: Resolvi permanecer aqui desde hoje; deixarei o com que pagar minhas dívidas; tenho bons amigos para arranjar tudo. Pediu, então, o hábito, e abraçou a observância com grande fervor.
Era ainda novo quando foi enviado ao grande convento de cartuxos, onde o número de monges era pequeno. Ali, entregou-se à oração, à meditação, aos trabalhos manuais, à mortificação, praticando todos os dias a disciplina; tinha um grande dom de lágrimas. Feito procurador, desincumbiu-se muito dignamente do encargo, seja pela conduta dos irmãos conversos, seja pela conduta dos irmãos conversos, seja pela esmolas e pelo cuidado do temporal. Em seguida, fizeram-no prior.
O venerável Guigues, após haver exercido tal cargo durante vinte e sete anos, morreu em 1136, deixando tal reputação, que simplesmente o chamavam o bom prior. Seu sucessor foi Hugues, sexto prior do grande convento que, após ter governado dois anos, se demitiu e fez eleger em seu lugar Santo Antelmo, em 1138. Alguns anos antes, as avalanches de neve, caindo do alto das montanhas, e arrastando terras e pedras, haviam aniquilado vários conventos sob a ruína de suas celas. Esse acidente arrebatou num só dia a maior parte da santa comunidade, e aos poucos monges que restavam desleixaram a observância após a morte do bem-aventurado Guigues. Santo Antelmo emprenhou-se, pois, em restabelecê-la, segundo as constituições escritas do santo prior. Empregou a doçura e a severidade; expulsou alguns indóceis que lhe resistiam; ao mesmo tempo reparou as construções e recolocou o mosteiro em estado reflorescente. Um dos dois irmãos o havia precedido na comunidade santa; o segundo o seguiu, bem como o pai. Santo Antelmo recebeu ainda no número dos irmãos conversos um dos maiores senhores do tempo o conde Guilherme de Nevers, o mesmo que os bispos e senhores de França haviam designado, pela boca de São Bernardo, para governar o reino com o abade Suger, durante a viagem do rei Luís, o Jovem, ao oriente.
Após haver governado doze anos o grande mosteiro, Santo Antelmo mandou colocar em seu lugar Basílio, que foi o oitavo prior, e reentrou para o silêncio de sua cela. Mas algum tempo após, Bernardo, prior do convento das Portas, pediu-lhe que lhe sucedesse, não se julgando mais em condições de governar a casa em virtude da idade avançada. Antelmo tornou-se prior das Portas. Encontrando dinheiro e trigo, fez grandes distribuições aos camponeses da vizinhança, para lhes dar de que semear em um ano de carestia, e não deixou de aumentar os rendimentos do mosteiro, derrubando matas.
Nessa época, 1158, Gui, conde de Forez, havia assaltado a cidade de Lion, pilhando-a e fazendo sentir sua indignidade,ao menos a maior parte dela. Nessa ocasião o arcebispo Heráclio e os principais de seu clero refugiaram-se no mosteiro das Portas, onde o prior Antelmo os recebeu de braços abertos e os tranqüilizou liberalmente enquanto durou a tempestade. Havendo governado a casa durante dois anos, retirou-se novamente, e voltou à cela no grande mosteiro dos cartuxos.
Tal era Santo Antelmo, quando teve ocasião a glória de combater corajosamente pela unidade católica, contra o anti-papa Otaviano que, cego pela ambição diabólica, invadiu a Sé do Príncipe dos Apóstolos, e, o que foi mais execrável ainda, entregou a Igreja ao poder imperial. Essas reflexões são do biógrafo contemporâneo de Santo Antelmo.
Em 1163, o bispado de Belley, na Borgonha, ficou vago e o partido mais poderoso do capítulo elegeu um jovem nobre e o colocou na posse da casa episcopal; mas a outra parte elegeu um monge, e o enviou ao Papa Alexandre, que estava então em França, para confirmar a eleição. O Papa adiou a resposta aos deputados, não duvidando que a outra parte também mandaria os seus; foi o que aconteceu.
Entretanto, alguns cônegos mais moderados, conquanto em pequeno número, querendo unir os dois partidos, propuseram a eleição de Antelmo. Todos concordaram com alegria, mesmo o que havia sido eleito anteriormente; porque era parente de Santo Antelmo. Mas sabiam todos que seria difícil tirá-lo da solidão; foram prontamente procurar o Papa Alexandre, que, cheio de alegria, os felicitou por haverem encontrado tão boa solução, e lhes disse que seriam felizes sob a direção de tal pastor. Fez com que os primeiros deputados, ainda que com dificuldade, também consentissem, e havendo-os, reunido, escreveu a Santo Antelmo, ordenando-lhe, pela autoridade da Santa Sé Apostólica, se encarregasse da Igreja de Belley, e mandou o prior e os religiosos do grande mosteiro de cartuxos entregá-lo aos que o pedissem, a constrangê-lo pela autoridade.
Mas Santo Antelmo soube o que se passava, e, à chegada dos que o deviam buscar, resolveu fugir, e ocultou-se. Os cartuxos procuraram-no tão bem que o encontraram; e levando-o à comunidade reunida, os religiosos expuseram-lhe a ordem do Papa e lhe mostraram as cartas. O prior acrescentou-lhes a sua ordem, os religiosos a sua exortação, os deputados os seus rogos, em nome de toda a igreja de Belley. Mas Antelmo permaneceu firme na recusa, ou obedecer o Papa e aceitar, ou ir encontrar o próprio Papa, que, lhe diziam, conhecendo vossa resolução definitiva, não vos fará violência. Com tal esperança ele se pôs a caminho; mas os deputados não o abandonaram.
Quando chegou aos pés do Papa Alexandre, foi recebido com honra por ele e toda a corte; porque ali era conhecido como homem de grande mérito. Em audiência com o Papa, disse-lhe que fora pedir-lhe a graça e suplicar-lhe que não o obrigasse a fazer o que não era vantajoso nem a ele nem à igreja que o pedia; que era um ignorante, homem sem experiência, miserável; enfim, que havia feito o voto de não sair do seu ermo. Tais palavras foram acompanhadas de muitas lágrimas. O Papa respondeu:
- Não queirais, meu filho, impor-vos com más desculpas; conhecemos vossa capacidade. Por que desencorajar-vos? É mister obedecer. O que escrevi, escrevi. Prestai atenção a esta passagem da Escritura: Não obedecer é como imolar aos ídolos; não querer submeter-se é como um pecado de divinação. Considerai até onde se estende a virtude da obediência, da qual fizestes profissão. Fizestes o voto de renunciar a vós mesmo e seguir Jesus Cristo; deveis agir, por conseguinte, pela vontade dele, não pela vossa.
Com estas e outras palavras tentou o Papa encorajá-lo e persuadi-lo. Antelmo ficou confuso, permanecendo em silêncio, sem ousar nada dizer. Enfim, no dia da Natividade da santa Virgem, o Papa Alexandre o sagrou solenemente bispo. Reteve-o junto de si por algum tempo; e como os prelados da corte se entretinham familiarmente com Santo Antelmo sobre assuntos diversos, este lhes citava a sagrada Escritura muito a propósito, o que os fez dizer entre si: Certamente não é nenhum ignorante nem homem sem cultura, como nos quis fazer acreditar, mas prudente e douto. Querendo retirar-se o mais depressa possível, o Papa o despediu graciosamente com sua benção e alguns pequenos presentes.
O estado episcopal não diminuiu as austeridades corporais de Antelmo. Rezava o ofício divino, não na capela, mas na catedral, com os cônegos, para emprestar-lhe maior dignidade. Empenhou-se em purificar o clero, e, após exortações caridosas, depôs seis ou sete sacerdotes concubinários. Não demonstrava menos zelo pelo povo. Pela negligência do conde Humberto de Sabóia, os malfeitores se multiplicavam, não somente na diocese de Belley, mas em toda a Sabóia. Sem receio, vexavam os clérigos, as viúvas, os órfãos e os pobres. Sozinho, Antelmo empreendeu a tarefa de reprimir-lhe os banditismos, o que nenhum bispo ainda havia tentado. Ameaçou primeiramente os culpados, e fulminou-os com a excomunhão. Ameaçaram-no, por sua vez a ele, que não estava menos pronto a sofrer o martírio pela justiça; mas, finalmente, viram-se obrigados a submeter-se, muito a contragosto, a fazer penitência. Uma prova temos no próprio conde de Sabóia.
Este príncipe havia aprisionado injustamente um padre da diocese de Belley; o santo reclamou-o, e, à sua recusa, excomungou o preboste que o havia mandado prender. Em seguida, fez sair da prisão o sacerdote, por intermédio do bispo São João de Maurienne. Os homens do preboste assassinaram o sacerdote, e Santo Antelmo, que, por outro lado, tinha uma querela com o conde Humberto, no tocante aos direitos de sua igreja, ameaçou-os de excomunhão, se não desistisse dos injustos empreendimentos do sacerdote.
Em cólera, o conde ameaçou-o, por seu turno. O bispo reiterou as admoestações; o conde zombou dele, dizendo que tinha um privilégio do Papa para não ser excomungado. O bispo excomungou o príncipe em sua presença mesmo. O príncipe furioso, o ameaçou com todos os males, e os cortesãos acrescentaram que deveria ser punido imediatamente. O bispo, mais intrépido do que nunca, excomungou-o segunda vez, entregou-o a Satanás e feriu-o com o anátema. Todos os assistentes tremiam pelo bispo, que não tremia. O conde queixou-se ao Papa Alexandre da infração de seu privilégio. O Papa ordenou ao bem-aventurado Antelmo por São Pedro, bispo de Tarentaise, e a outro bispo, que levantassem a excomunhão, como se houvesse sido feita levianamente. Deu-lhe, ao mesmo tempo, comissão para absolver o conde, caso se recusasse a fazê-lo. Pois lhe conhecia a firmeza. Os bispos instaram, com Antelmo para que obedecesse ao soberano Pontífice e apaziguasse o conde. Mas ele respondeu: Quem está ligado justamente não deve ser desligado senão se fizer penitência para dar satisfação ao que ofendeu. São Pedro mesmo não recebeu o poder de ligar ou desligar aquele que não deve sê-lo. Estai certos, portanto, de que não retirarei a sentença que pronunciei justamente, a menos que dê satisfação de sua ofensa.
Os dois prelados retiraram-se sem ousar ir além. Mas o Papa, a par do que se passava, absolveu ele mesmo o conde, e comunicou-o a Antelmo.
Este ficou tão impressionado que abandonou o bispado e se retirou para a ela do mosteiro, a fim de não pensar mais em servir a Deus senão no silêncio. Todo o país ficou convulsionado com sua retirada; enviavam-se deputados ao Papa, o qual o obrigou a voltar à igreja. Entretanto, o conde, conquanto absolvido pelo Papa, não se acreditava verdadeiramente absolvido, nem ousava apresentar-se até que, havendo-se humilhado diante do santo bispo e prometendo fazer penitência que ele impunha, recebeu dele a absolvição.
Antelmo que sempre o amara, mesmo no momento em que o separava da Igreja, exortou-o com mais afeição e familiaridade a fazer o bem. Mas vendo-o recair na negligência, faltar às promessas, e, em lugar de reprimir as desordens, permitir cometê-las, fez-lhe severas admoestações. O conde tomou-se de ódio, e dizia frequentemente que homem algum sob o céu era tão odioso. Fazia-lhe grandes ameaças, mas respeitava-o, nada obstante, por causa de sua santidade. Se outro lhe houvesse feito mal, teria sido muito fácil.
Um dia em que o bispo instava para que cumprisse as suas promessas e reparasse as injustiças, o conde respondeu: Estou pronto a responder-vos diante de um tribunal secular. O bispo replicou: Vós me citais perante um tribunal da terra, e eu vos cito diante do tribunal do céu, no último dia, diante do justo juiz que é Deus!
Antelmo por sua virtude, havia adquirido uma autoridade maravilhosa. Toda a ordem dos cartuxos o considerava superior-geral e todos os priores estavam sob sua dependência: também vigiava com grande zelo para prevenir o menor relaxamento. Quando se encontrava nos concílios ou nas assembléias para tratar de assuntos temporais, não havia bispo ou outra pessoa que não lhe cedesse: a própria corte de Roma o respeitava. Também não receava repreender o que encontrava de repreensível e, como viam que suas correções não tinham por princípio senão a caridade, a maior parte as recebia de bom grado. Quanto aos pecadores, que iam à penitência, era cheio de misericórdia, e misturava suas lágrimas às eles. Nada tinha que não fosse deles, não reservando para si senão o suficiente para a subsistência, e distribuindo o resto. Sua predileção, era por duas comunidades muito pobres da diocese, uma de viúvas e virgens, outra de leprosos. O ano de sua morte dói um ano de fome, quando então regulamentou em boa hora tudo o que faria de esmolas cada dia, até 26 de Junho, dia em que passou da terra ao céu.
Na última enfermidade, exortando-o alguém a perdoar ao conde de Sabóia, respondeu: Nada farei, a menos que desista de sua injusta pretensão; prometa jamais pedir nada a esta igreja, é reconheça-se culpado da morte do sacerdote.
Ninguém ousava transmitir estas palavras ao conde que estava no local. Houve apenas dois cartuxos, outrora grandes senhores no mundo, que se encarregaram disso. O conde Humberto, tocado pela mão de deus, derramou lágrimas, foi encontrar o santo homem, reconheceu a culpa, renunciou à pretensão, e pediu perdão. O homem de Deus impôs-lhe as mãos e, abençoando-o lhe disse: Que Deus, Todo-poderoso, Pai, Filho e Espírito Santo, vos conceda a abundância de sua benção e de sua graça, vos faça crescer e multiplicar, vós e vosso filho. Como o conde não tivesse senão uma filha, os assistentes creram que o ancião se havia equivocado, e pretenderam dissesse vossa filha. Mas ele repetiu três vezes com insistência, vós e vosso filho.
O futuro justificou a profecia do ponfífice moribundo. O conde teve um filho, do qual descende a casa de Sabóia. Santo Antelmo morreu em 26 de Junho de 1178, com a idade de mais de setenta anos, e no décimo-quinto ano de seu episcopado. A Igreja honra-lhe a memória no dia de sua morte. Fotos: santiebeati.it // (Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XI, p. 205 à 214)