O que o Salvador disse a Nicodemos: O espírito sopra onde quer, o mundo cristão o viu, pelos fins do século XIV em Santa Brígida, da Suécia.
Ela nasceu nos confins extremos da Suécia, na província de Upland, no domínio de Finstad, não longe de Upsala, então capital de todo o reino. Nasceu no começo do século XIV, no ano de 1302. Seu nome é propriamente Birgida, transforma em Brígida pelo uso comum. Sua família era mas mais ilustres; tinha parentesco próximo com a família real e descendia dos antigos reis do país.
Nela a piedade era hereditária, como a nobreza. O avô, o bisavô e o trisavô do pai de Brígida, por devoção aos mistérios da Paixão do Salvador, fizeram uma peregrinação a Jerusalém e aos outros santos lugares que Cristo ilustrou com sua presença. O príncipe Birger, seu pai, juiz ou governador da província de Upland, era homem cheio de piedade e de virtude. Fundou grande número de igrejas e de mosteiros; fez peregrinações a Roma, a Jerusalém e a outros santos lugares, a exemplo de Pedro, seu pai e de seus antepassados.
Jejuava, confessava-se e comungava todas as sextas-feiras, a fim de conseguir a graça de sofrer pacientemente as cruzes que Deus lhe mandava até a sexta-feira seguinte. A princesa, sua esposa, chamada Indeburga, filha de Ligride, não tinha menos piedade. O túmulo dos dois esposos existe ainda na catedral de Upsala.
Quanto à Santa Brígida, da qual temos uma vida contemporânea escrita por Birger, arcebispo de Upsala, seu nascimento foi ilustrado por diversos prodígios. Sua mãe, a princesa Ingenurga, escondia terna piedade, sob hábitos, convenientes à alta linhagem.
Uma religiosa, vendo-a assim vestida, tachou-a de orgulhosa, em seu coração. Na noite seguinte, durante o sono, um personagem venerável apareceu-lhe, dizendo: Por que pensaste mal de minha serva, tratando-a de orgulhosa, o que, entretanto, não é verdade? Dela farei nascer uma filha, com a qual farei aliança, conferindo-lhe uma graça tão grande, que todas as nações não serão suficientes para a admirar.
A essa circunstância maravilhosa, o arcebispo de Upsala, bem como os outros biógrafos acrescentam uma segunda. A princesa Ingeburga, estando grávida de Brígida, naufragou nas costas da Suécia e foi salva do perigo pelo irmão do rei. Na noite seguinte, um personagem vestido, com uma roupa brilhante apareceu a Ingeburga, e lhe disse: Foi em consideração à criança que trazeis, que fostes salva da morte; tende cuidado em criar no amor de Deus o que Deus vos deu especialmente.
Enfim, no nascimento de Brígida, o vigário da paróquia, homem venerável por sua idade e virtude, passava as noites em oração numa igreja vizinha, quando viu uma nuvem luminosa e no meio da nuvem a Santa Virgem sentada, tendo na mão um livro e dizendo-lhe: Nasceu em Birger uma menina cuja voz admirável será ouvida por todo o mundo. Eis o que refere o arcebispo de Upsala, bem como os outros biógrafos contemporâneos de Santa Brígida.
Entretanto, a maravilhosa criança ficou muda durante os três primeiros anos. No fim desse tempo, começou, não a balbuciar, como as crianças, mas a falar perfeitamente como as pessoas já adultas. Viu-se aí um efeito da sabedoria divina que abre a boca dos mudos e torna eloquente as línguas das crianças, a fim de tirar da boca das crianças, e daqueles que ainda mama, um louvor perfeito.
Esperando, sua piedosa mãe, cheia de boas obras e esmolas, como outro Tabit, caiu gravemente doente. Soube e predisse a morte vários dias antes. Vendo a aflição do esposo e dos outros, disse-lhes com muita coragem: Por que afligi-vos? É muito ter vivivo e ter vivido bastante; ao contrário, devemos alegrar-nos de que sou chamada a um Senhor mais poderoso. Tendo-se, então, despedido de todos, adormeceu no Senhor. A jovem Brígida dói confiada pelo pai e uma tia materna tão prudente quão piedosa.
Na idade de sete anos, a criança viu diante do leito um altar, e sobre ele uma senhora assentada com vestes resplandecentes, tendo na mão uma coroa e que lhe disse: Vem, Brígida. A menina levantou-se logo e correu para o altar. A senhora perguntou-lhe: Queres esta coroa? A criança disse que sim e a senhora colocou-a sobre a cabeça e Brígida sentiu-a como um círculo.
Voltando ao leito, a visão desapareceu. Ela jamais, porém, a esqueceu. O que não é de admirar, observa o arcebispo de Upsala, pois era sinal de que seria um altar de holocausto, onde o fogo da caridade divina arderia sempre e Jesus Cristo, seu esposo lhe conservaria uma coroa imortal e sem mancha nos céus.
Na idade de dez anos, era como um lírio muito puro que se erguia da terra ao céu. Ostentava o modelo de todas as virtudes, a sobriedade, com a modéstia, a simplicidade com a ponderação, a humildade com a obediência, com a beleza na consciência, a hilaridade na paciência com uma caridade infatigável. Aparecia como esposa de Deus, como uma pérola brilhante, cheia de graça a todos os olhos e amada por todos. Devia, porém, subir ainda mais alto.
Um dia, ouviu um sermão sobre a Paixão de Jesus Cristo; ficou tão emocionada, que escreveu aquela Paixão nas tábuas do coração. Na noite seguinte, viu Jesus Cristo, sendo crucificado, o qual lhe disse: Eis como fui tratado. Ela, pensando que era coisa recente, respondeu-lhe: Senhor, quem vos fez isso? - Aqueles que me desprezam e são insensíveis a meu amor, respondeu Jesus Cristo.
Desde esse momento, refletindo, ela sentia-se tão sensível à paixão do Salvador, que não podia lembrá-la sem derramar torrentes de lágrimas. Uma noite, quando as jovens companheiras dormiam, saiu do leito e prostrou-se em adoração e em lágrimas diante do crucifixo do quarto. Naquele mesmo momento lá entrou secretamente a tia, que, muito admirada de a ver naquela posição, julgou ser uma brincadeira da sobrinha e mandou buscar umas varas para a corrigir e tornar mais discreta. Mas, com sua grande surpresa, as varas quebraram-se-lhe na mão.
Disse então: Que fizestes, Brígida? Alguma mulher vos ensinou essas orações enganadoras? A jovem virgem respondeu chorando: Não, senhora, mas eu me levantei do leito para louvar àquele que sempre me assiste. - E quem é Ele? - É o Crucificado, que vi ultimamente. - Desde aquele dia, a tia começou a ter por ela mais afeto e veneração, compreendendo que semelhantes disposições não vem dos homens, mas de Deus.
Outra vez, quando a jovem virgem brincava com as companheiras, o diabo apareceu-lhe sob forma horrível, tendo cem mãos e cem pés. De espanto, ela correu ao quarto, e recomendou-se humildemente ao Crucificado. O diabo lá apareceu, mas disse: Nada posso fazer, se o Crucificado não o permitir.
A tia soube mais tarde o que havia acontecido e recomendou-lhe que guardasse silêncio, sobre o que tinha visto e pusesse a confiança em deus, amando a Jesus Cristo acima de todas as coisas, sabendo que a vida de nossa peregrinação não pode ser sem tentação, a fim de que cada qual aprenda a ser conhecer; aliás não se pode ser coroado, se não se tiver vencido, nem vencer sem combate, nem combater sem experimentar as tentações do inimigo.
Brígida desejara ter permanecido sempre virgem, mas na idade de treze anos, seu pai fê-la desposar Ulphon, príncipe ou governador de Nerícia, que tinha dezoito, A exemplo dos jovens Tobias e Sara, sua esposa, guardaram a continência, perto de dois anos, para obter de Deus a graça de usar santamente do matrimônio e ter filhos fiéis em o servir. Tiveram oito, quatro meninos e quatro meninas.
A mãe, depois de ter vivido santamente na virgindade, não viveu menos santamente no casamento. Regulou tão bem toda a vida, que jamais deixou motivo a alguma suspeita sinistra, nem a maledicência alguma. Para isso, não admitia nem criadas nem companheiras cuja reputação não fosse sem mancha, para que sua familiaridade não lhe atraísse alguma má fama.
Sabendo que a ociosidade é mãe de todos os vícios, dedicava-se com suas domésticas a trabalhos para as igrejas e para os pobres, lia as vidas dos santos e a Bíblia, que tinha feito traduzir em língua gótica; ora, ia à igreja e ouvia com prazer o ofício divino.
Com seu esposo, o príncipe Ulphon, confessava-se todas as sextas-feiras e comungava todos os domingos e festas. Como Judite tinha um oratório secreto, onde, de vez em quando, se recolhia na presença de Deus, examinava a consciência, chorava as faltas; onde, quando o marido estava ausente, passava as noites inteiras em oração, vigílias, jejuns e outras mortificações; sempre se abstinha de iguarias, as mais delicadas, mas secretamente, para não ser notada pelo marido ou por outros.
Tinha a mais terna devoção pela Santa Virgem que, nos partos laboriosos, lhe concedia um fácil resultado, quando todos pensavam que ia perder a vida. Suas esmolas eram muito grandes. Tinha uma casa muito ampla para os pobres. Todos os dias, alimentava doze deles em casa; na quinta-feira, lavava-lhes e beijava-lhes humildemente os pés, em memória do que Nosso Senhor tinha feito a seus apóstolos.
Restaurou grande número de hospitais no país natal e em suas terras; lá ia visitar os pobres e os enfermos, acompanhada pelas filhas, especialmente Santa Catarina. Lá a piedosa mãe medicava com as próprias mãos as chagas e as úlceras dos enfermos, dando-lhes esmolas e dirigindo-lhes palavras de consolo, mostrando aos filhos, com o exemplo, como deviam um dia servir também aos pobres e aos enfermos por amor de Deus. Depois do nascimento do oitavo filho, Ulphon e Brígida guardaram continência.
Brígida deixou a corte muito cedo e Ulphon seguiu o exemplo da esposa. Pensavam somente em se santificar, bem como a família. Fizeram muitas peregrinações à Noruega, França, Espanha, Itália, Alemanha: na Noruega, visitaram, em Nidrósia ou Drontheim, capital do reino, o túmulo do rei e mártir Santo Olaus; na Espanha, São Tiago de Compostela. Embora tivessem numerosa equipagem, Brígida fazia uma parte do caminho a pé por espírito de piedade e de mortificação.
Depois de ter visitado muitos santuários, voltavam à pátria, quando o príncipe Ulphon caiu doente na cidade de Arras; mal tornou-se tão grave, que ele recebeu os últimos sacramentos das mãos do bispo, deixando Brígida em viva ansiedade. Ela invocou São Dionísio, apóstolo da França. O santo apareceu-lhe, predisse-lhe que Deus queria por meio dela tornar-se conhecido do mundo e que ela estava entregue à sua especial proteção e como prova disse, seu esposo não morreria daquela doença.
Alguns dias depois, ela teve uma revelação de como ele passaria a Roma e à santa cidade de Jerusalém, e enfim, sairia deste mundo. Deus realizou misericordiosamente tudo aquilo, diz o arcebispo de Upsala. O príncipe reconquistou a saúde, depois de uma doença muito longa; voltaram ambos com saúde à pátria. Renovaram o voto de conservar a continência e resolveram entrar cada qual num convento.
Tendo então regulado os negócios e disposto os bens, o príncipe Ulphon entrou no mosteiro de Alvastre, ordem dos cistercienses, fundado em 1150 por Suercher, rei da Suécia. Aí viveu alguns anos na prática de todas as virtudes, e morreu em 1344. O príncipe Ulphon de Nerícia é nomeado no menológio de Cister, a 12 de fevereiro.
Poucos dias depois da morte do esposo, Brígida dividiu os bens entre os filhos e os pobres, Renunciou à condição de princesa para se consagrar inteiramente à penitência. Usava apenas uma túnica de linho com exceção do véu, com que cobria a cabeça; usava um hábito grosseiro, que prendia com uma corda cheia de nós.
As austeridades que praticava são incríveis; duplicava-as ainda, às sextas-feiras, e nesses dias passava somente a pão e água. Tendo feito construir o mosteiro de Watstein, na diocese de Lincopen na Suécia, lá colocou sessenta religiosas; instalou, num edifício separado do mosteiro, treze sacerdotes em honra os doze apóstolos e de São Paulo, quatro diáconos para representar os quatro doutores da Igreja e oito irmãos conversos;
Deu a todos as regras de Santo Agostinho, as quais acrescentou constituições particulares. Lemos, em alguns autores que o Salvador mesmo ditou essas regras, mas com ordem de as submeter ao exame do soberano Pontífice, visto que o Salvador veio a este mundo não para destruir a lei, mas para a aperfeiçoar.
Santa Brígida ficou assim dois anos na Suécia, perto do mosteiro de Alvastre, onde estava enterrado o esposo, como no novo mosteiro de Watstein. Sua vida pobre e penitente, depois de um estado de princesa, atraiu-lhe as zombarias do mundo, respondeu: Não foi por causa de vós que comecei; não será por causa de vós que terminarei. Resolvi, em meu coração, suportar as palavras. Rezai para que eu persevere.
Com suas vestes de pobre, não deixou de se apresentar ao rei da Suécia, para lhe anunciar que ele e seu reino seriam castigados, com grandes calamidades, se não se corrigissem de certos defeitos e desordens. Alguns dos grandes murmuravam e ter-lhe-iam mesmo provocado confusão, se não soubessem que ela era parente do rei. Pelo menos zombaram dela entre si mesmos, tratando-a de feiticeira, a tal ponto que os filhos queriam vingar-se disso; mas ela rogou-lhe que nada fizessem, dizendo: "Deus é testemunha de que prefiro, por amor de Jesus Cristo, sofrer esses desprezos e essas zombarias a ter a coroa do rei sobre a minha cabeça".
No ano de 1371, a ilustre viúva sueca, como outrora a ilustre viúva romana, Santa Paula, da família dos Gracos e dos Cipiões, empreendeu, em idade avançada, ante uma revelação particular, a peregrinação a Jerusalém. Chegando a Roma já enferma, ficou mais doente ainda. Sentindo-se perto do fim, deu avisos muito comoventes ao filho, o príncipe Birger e à filha, Santa Catarina de Suécia, que estava com ela; depois quis ser estendida sobre um cilício para receber os últimos sacramentos.
Morreu, a 23 de Julho de 1373, na idade de setenta e um anos. Enterraram-na na igreja de São Lourenço, in Panis-Perna que pertencia às pobres Clarissas. No ano seguinte, o príncipe Birger, seu filho, e Santa Catarina sua filha, fizeram levar-lhe o corpo para o mosteiro de Watstein, na Suécia. Foi canonizada pelo Papa Bonifácio IX, a 7 de Outubro de 1391.
Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XIII, p. 273 à 284