João, cujo culto foi aprovado em 1880 pelo Papa Leão XIII, era de Fermo, nas Marcas, Itália. Chamado também della Verna, do Alverne, porque viveu por muitos anos na solidão em que São Francisco recebeu as estigmas, nasceu em 1259, tendo levado a infância assediada pelo ministério da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, chorando noites em fora.
Mortificando-se desde a mais tenra idade, usando urtigas sobre a pela e sob a roupa, tantas eram as genuflexões que fazia que trazia os joelhos sempre a sangrar.
Com dez anos, procurou os cônegos regulares. Um dia, descobriu uma velha couraça, subiu com ela para o campanário da igreja e, ali, tranquilamente, a golpe de acha, amoldou-a para o corpo de menino. Usando-a sob as vestes, trouxe-a consigo até o dia que não mais lhe serviu.
Aos treze anos, transferiu-se para os Irmãos Menores. Enviado para o Alverne, viveu em grandíssima austeridade. Dormindo sobre a terra nua, gostosamente buscava os lugares mais incômodos, onde os altos e baixos mais maltratavam a carne.
João de Fermo pregou em público. Embora não tivesse estudado, conhecia a Santa Escritura, e dela tirava tudo aquilo que lhe era necessário para predicar.
Os Fioretti de São Francisco referem-se a João de Fermo da seguinte maneira:
Entre os outros sábios e santos frades e filhos de São Francisco, os quais, segundo o dito de Salomão, são a glória do pai, existiu no nosso tempo na província da Marca o venerável santo frei João de Fermo, o qual, pelo longo tempo em que viveu no santo convento do Alverne e dali passou desta vida, era por isso chamado frei João do Alverne; porque foi homem de singular vida e de grande santidade.
Este frei João, sendo menino de escola, desejara com todo o coração a via da penitência, a qual mantém a imundícia do corpo e da alma; pelo que, sendo menino bem pequeno, começou a trazer o cilício de malha e o círculo de ferro na carne nua e a fazer grande abstinência, e especialmente quando viveu entre os cônegos de São Pedro de Fermo, os quais passavam esplendidamente.
Ele fugia das delícias corporais e macerava o corpo com grande rigidez de abstinência. Mas, havendo entre os companheiros muitos que eram contra isto, os quais lhe tiravam o cilício, e a sua abstinência por diversos modos impediam, ele, inspirado por Deus, pensou de deixar o mundo com os seus amadores, e de oferecer-se todo nos braços do Crucificado com o hábito do crucificado São Francisco, e assim o fez.
Sendo, pois, recebido na ordem tão criança e entregue aos cuidados do mestre de noviços, tornou-se tão espiritual e devoto, que, às vezes, ouvindo o dito mestre falar de Deus, o coração dele se derretia como a cera perto do fogo; e com tão grande suavidade de graça se aquecia no amor divino, que ele, não podendo estar firme e suportar tanta suavidade, levantava-se e, como que ébrio de espírito, punha-se a correr, ora pelo horto, ora pela selva, ora pela igreja, conforme a flama e o ímpeto do espírito o impeliam.
Com o correr do tempo, a divina graça continuamente fez este homem angélico crescer de virtude em virtude e em dons celestiais e divinas elevações e arroubamentos; tanto que, de algumas vezes, sua mente era erguida a esplendores de querubins, de outras vezes a ardores de serafins, de outras vezes a gáudio de bem-aventurados, de outras vezes a amorosos excessivos abraços de Cristo, não somente por gostos espirituais internos, mas também por expressivos sinais exteriores e gostos corporais. E singularmente, uma vez, por modo excessivo inflamou o seu coração a chama do divino amor, e nele durou esta chama bem três anos; no qual tempo ele recebia maravilhosas consolações e visitas e freqüente vezes era arrebatado em Deus: e, brevemente, no dito tempo, ele parecia todo inflamado e inclinado no amor de Cristo: e isto aconteceu no monte santo do Alverne.
Mas porque Deus tem singular cuidado com seus filhos, dando-lhes conforme a diferença dos tempos, ora consolação, ora tribulação, ora prosperidade, ora adversidade, como vê que as precisam para se manterem na humildade, ou para lhes acender o desejo das coisas celestiais; aprouve à divina bondade, depois de três anos, retirar do dito frei João este raio e esta flama do divino amor, e privou-o de toda consolação espiritual: pelo que frei João ficou sem lume e sem amor de Deus, e todo desconsolado e aflito e dolorido. Pela qual coisa ele tão agoniado andava pela selva, vagando por aqui e por ali, chamando com vozes e lágrimas e suspiros o dileto esposo de sua alma, o qual havia escondido e dele se partira, sem cuja presença sua alma não achava trégua nem repouso. Mas em nenhum lugar, nem de maneira nenhuma ele podia encontrar o doce Jesus, nem readquirir aqueles suavíssimos gostos espirituais do amor do cristo a que estava acostumado. E durou-lhe esta atribulação por muitos dias, durante os quais perseverou em contínuo chorar e suspirar, pedindo a Deus que lhe restituísse, por sua piedade, o dileto esposo de sua alma.
Por fim, quando aprouve a Deus ter provado bastante a paciência dele e inflamado o seu desejo, um dia em que o dito frei João andava pela dita selva assim aflito e atribulado pelo cansaço, assentou-se, encostado a uma faia, e estava com a face toda banhada de lágrimas a olhar para o céu; e eis que subitamente apareceu Jesus Cristo perto dele no atalho pelo qual frei João tinha vindo, mas nada disse.
Vendo-o frei João e reconhecendo bem que ele era Cristo, subitamente se lhe lançou aos pés e com desmesurado pranto rogava-lhe humilissimamente e dizia:
- Socorre-me, Senhor meu, que sem ti, Salvador meu dulcíssimo, fico em trevas e em lágrimas; sem ti, cordeiro mansíssimo, estou em agonia e em pena e com pavor; sem ti, Filho de Deus altíssimo estou confuso e envergonhado; sem ti estou despojado de todos os bens e cego, porque tu és Jesus Cristo, verdadeira luz da alma, sem ti estou perdido e danado; porque és a vida da alma e a vida da vida; sem ti sou estéril e árido, porque és a fonte de todos os dons e de todas as graças; sem ti estou de todo desconsolado, porque és Jesus, nossa redenção, amor e desejo, pão reconfortante e vinho que alegra os coros dos anjos e os corações de todos os santos. Alumia-me, mestre graciosíssimo e pastor piedosíssimo, porque sou tua ovelhinha, se bem que indigna seja.
Mas porque o desejo dos santos homens, ao qual Deus tarda, abrasa-os em mais alto amor e mérito, Cristo bendito partiu sem o ouvir e sem lhe falar nada e desapareceu pelo dito atalho. Então frei João levantou-se e correu atrás dele e novamente lançou-se-lhe aos pés, e com santa importunidade o reteve e com devotíssimas lágrimas rogou e disse:
- Ó Jesus Cristo dulcíssimo, tem misericórdia de mim, atribulado, atende-me pela multidão de tua misericórdia e pela verdade da tua salvação, restitui-me a Letícia da face tua e do teu piedoso olhar, porque de tua misericórdia é plena toda a terra.
E Cristo ainda partiu e não lhe disse nada e não lhe deu nenhuma consolação; e fez como a mãe ao filho, quando o deixa pelo peito e faz que venha atrás dela chorando, a fim de que ele mame com mais vontade.
Pelo que frei João com mais fervor ainda e desejo seguiu a Cristo; e chegado que foi a ele, Cristo bendito voltou-se e olhou-o com o semblante alegre e gracioso; e abrindo os seus santíssimos e misericordiosos braços, abraçou-o dulcissimamente: e naquele abrir de braços viu frei João sair do sacratíssimo peito do Salvador raios de luz esplendentes, os quais iluminavam toda a selva como também a ele na alma e no corpo.
Então frei João ajoelhou-se aos pés de Cristo, e Jesus bendito, como fez a Madalena, deu-lhe o pé benignamente a beijar; e frei João, tomando-o com sua reverência, banhou-o de tantas lágrimas que, verdadeiramente, parecia outra Madalena, e dizia, devotamente:
- Peço-te, Senhor meu, que não olhes os meus pecados, mas pela tua santíssima paixão e pela efusão do teu santíssimo sangue preciosos, ressuscita minha alma à graça do teu amor; como é teu mandamento, que te amemos com todo o coração e com todo o afeto; o qual mandamento ninguém pode cumprir sem a tua ajuda. Ajuda-me, pois, amantíssimo Filho de Deus, para que te ame com todo o meu coração e de todas as minhas forças.
E estando assim Frei João neste falar aos pés de Cristo, foi por ele atendido e recuperou a primeira graça, Istoé, a da flama do amor divino, e todo se sentiu consolado e renovado: e conhecendo que o dom da divina graça tinha voltado, começou a agradecer ao Cristo bendito e a beijar-lhe devotamente os pés. E, depois, erguendo-se para o ver de face, Jesus Cristo, estendeu-lhe e deu as santíssimas mãos a beijar; beijadas que foram, frei João aproximou-se e encostou-se ao peito de Jesus e abraçou-o e beijou-o, e Cristo, semelhantemente, beijou-o e abraçou-o. E neste abraçar e neste beijar, frei João sentiu tanto olor divino que, se todas as especiarias e todas as coisas odoríferas do mundo estivesse reunidas, teriam parecido um aroma vil em comparação daquele olor.
E com isso frei João foi arrebatado e consolado e iluminado, e durou-lhe aquele odor na alma muitos meses. E Dora em diante, de sua boca, abeberada na fonte da divina sapiência do sagrado peito do Salvador, saíam palavras maravilhosas e celestiais, as quais mudavam os corações de quem o ouvia e faziam grandes frutos nas almas. E no atalho da selva, no qual estiveram os benditos pés do Cristo, e por grande distância em torno, frei João sentia aquele olor e via aquele esplendor sempre quando ia ali muito tempo depois.
Voltando a si frei João após aquele rapto, e desaparecida a presença corporal de Cristo, ficou tão ilumiando na alma pelo abismo de sua divindade, que, ainda não sendo homem letrado por humano estudo, no entanto maravilhosamente resolvia e explicava as sutilíssimas questões da Trindade Divina, e os profundos mistérios da Santa Escritura. E muitas vezes depois, falando diante do Papa e dos cardeais, de reis e barões, e mestre e doutores, punha-os em grande estupor pelas altas palavras e profundas sentenças que dizia. Em louvor de Cristo. Amém.
(Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XIV, p. 273 à 279)