Lê-se, no Martirológio, no dia de hoje: "Na Marca de Ancona, na Itália, o bem-aventurado Liberato, franciscano". São Liberato, da família Brunforte, fez-se Manor, retirando-se, contrita e humildemente, a uma caverna das muitas que há em Soffiano, e ali faleceu por volta do ano de 1258, ao que se crê.
Ao que tudo indica, este Liberato é o frade de que trata os Fioretti, no capítulo XLVII, companheiro de Frei Humilde, a que o capítulo precedente se refere.
No sobredito convento de Soffiano viveu antigamente um frade menor, de tão grande santidade e graça, que parecia todo divino e frequentes vezes ficava este frade todo absorto em Deus e enlevado, porque tinha notavelmente a graça da contemplação, que vinham ter com ele passarinhos de diversas espécies e domesticamente posavam-lhe nas espáduas e na cabeça, nos braços e nas mãos, e cantavam maravilhosamente. Era ele solitário e raras vezes falava; mas quando lhe perguntavam alguma coisa, respondia tão graciosamente e tão sabiamente, que mais parecia um anjo do que homem, e era de grandíssima oração e contemplação, e os frades o tinham em grande reverência.
Acabando este frade o curso de sua vida virtuosa, segundo a disposição divina enfermou de morte, de modo que nenhuma coisa podia tomar, e com isto não queria receber nenhuma medicina carnal, mas toda a sua confiança era no médico celestial Jesus Cristo bendito e na sua bendita Mãe; da qual ele mereceu pela divina clemência de ser misericordiosamente visitado e consolado.
Pelo que, estando uma vez no leito e dispondo-se à morte com todo o coração e com toda a devoção, apareceu-lhe a gloriosa Virgem Maria, Mãe de Cristo, com grandíssima multidão esplendor e se aproximou do seu leito: e ele, olhando-a, recebeu grandíssimo conforto e alegria quanto à alma e quanto ao corpo; e começou a pedir-lhe, humildemente, que ela pedisse ao seu divino Filho para que, pelos seus méritos, o tirasse da prisão da mísera carne. E perseverando neste pedido com muitas lágrimas, a Virgem Maria, respondeu-lhe, chamando-o pelo nome, e disse-lhe:
- Não duvideis, filho, porque tua oração foi atendida, eu vim para confortar-te um pouco, antes de te partires desta vida.
Estavam ao lado da Virgem Maria três santas virgens, as quais traziam nas mãos três caixas de eletuário de desmesurado odor e suavidade. Então a Virgem gloriosa tomou e abriu uma daquelas caixas e toda a casa ficou cheia de odor: e tomando com uma colher daquele eletuário o deu ao enfermo; o qual tão depressa o saboreou, sentiu tanto conforto e tanta doçura que sua alma parecia não poder mais ficar no corpo; pelo que começou a dizer:
- Não mais, ó Santíssima Mãe virgem bendita, ó médica bendita e salvadora da humana geração, não mais; porque eu não posso suportar tanta suavidade.
Mas a piedosa e benigna Mãe, apresentando outra vez daquele eletuário ao enfermo e fazendo-o tomar, esvaziou toda a caixa. Depois, vazia a primeira caixa, a Virgem bendita toma a segunda e nela pôs a colher para dar-lhe, pelo que ele docemente se queixava, dizendo:
- Ó Beatíssima Mãe de Deus, se minha alma quase toda está liquefeita pelo ardor e a suavidade do primeiro eletuário, como poderei eu suportar o segundo? Peço-te, bendita sobre todos os santos e sobre todos os anjos, que não me queirais dar mais.
Respondeu Nossa Senhora:
- Saboreia, filho, ainda um pouco desta segunda caixa. E dando-lhe um pouco, disse-lhe: Hoje, filho, tomastes tanto, que já chega. Conforta-te, filho, que depressa virei por ti e levar-te-ei ao reino de meu Filho, o qual tu sempre buscaste e desejaste.
E dito isto, separando-se dele, partiu, e ele ficou tão consolado e confortado pela doçura daquele confeito, que por muitos dias sobreviveu saciado e forte, sem nenhum alimento corporal. E depois de alguns dias, alegremente falando com os frades, com grande Letícia e júbilo, passou desta vida mísera à bem-aventurada vida.
Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XVI, p. 83 à 85