Nasceu no condado de Spanheim, diocese de Maiença, no ano de 1098, de pais nobres e virtuosos, que a consagraram ao serviço de Deus desde seus mais tenros anos, pois nem bem começara a falar, dera a entender, tanto por palavras como por sinais, que via coisas extraordinárias.
Com a idade de oito anos, foi levada ao mosteiro de Disemberg ou do monte São Disibode, e colocada sob a direção da bem-aventurada Jutte ou Judite, irmã do Conde de Spanheim, que levava vida reclusa, e que a formou na humildade e na inocência, apenas lhe ensinando a ler o salmério. Dos oito anos aos quinze, Hildegarda continuou a ver sobrenaturalmente muitas coisas, das quais falava com simplicidade às companheiras, que ficavam maravilhadas, assim como todos que disso tiveram conhecimento. Indagavam qual poderia ser a origem das visões. A própria Hildegarda observou, surpresa que, enquanto via interiormente na sua alma, ao mesmo tempo enxergava as coisas exteriores com os olhos do corpo, como de costume, o que jamais ouvira dizer houvesse acontecido a qualquer outra pessoa. Desde então, presa de temor, não ousou mais entreter-se com pessoa alguma sobre a sua luz interior. Contudo, acontecia-lhe nas suas conversas, referir-se muitas vezes a coisas ainda por suceder, e que pareciam estranhas aos ouvintes. Ela via e ouvia tais coisas, não em sonhos, enquanto dormia, não em estado de exaltação, nem com os olhos do corpo, ou com os ouvidos do homem exterior; mas percebia-as bem desperta, apenas olhando dentro da sua alma, com os olhos e os ouvidos abertos, de acordo com a vontade de Deus. É a própria Hildegarda quem o explica.
Esse estado de intuição sobrenatural perdurou durante toda a vida. Escrevia, já idosa: Desde a minha infância até hoje, com mais de setenta anos de idade, sempre vi essa luz na minha alma, e percebo-a, não com os olhos exteriores, através dos pensamentos do coração, ou com o concurso dos cinco sentidos externos, muito embora os olhos exteriores permaneçam abertos, e os outros sentidos corporais conservem suas funções; pois a luz que vejo não é local, porém, mais luminosa do que a nuvem que envolve o sol, e não me seria possível discriminar-lhe a altura, o comprimento ou a largura. Chamam-na sombra da luz viva; e, como o sol, a lua e as estrelas se refletem na água, assim as palavras, os escritos, as virtudes e algumas obras dos homens se refletem nessa luz. Guardo longamente a lembrança de tudo quanto vejo ou apreendo nessa visão. Vejo, ouço e aprendo ao mesmo tempo tudo o que sei. Mas tudo quanto não vejo, ignoro, pois não tenho instrução; e ao escrever estas coisas, só uso as palavras que costumo ouvir, palavras latinas não polidas. Quanto à maneira por que ouço essas palavras, não é a mesma por que soam ao saírem da boca de um homem, mas como se fossem uma chama luminosa, uma nuvem que se movesse no ar puro.
Quanto à forma dessa luz, não posso absolutamente conhecê-la, assim como não posso olhar de frente para a esfera do sol. Contudo, percebe às vezes nessa luz, outra luz a que chamam de luz viva; mas não vejo sempre esta última e, ainda menos do que a primeira, poderei determinar-lhe a forma. Quanto contemplo essa luz, toda tristeza e todo o sofrimento se desvanecem da minha memória, de maneira que me comporto como menina muito simples e não como velha, Mas minha alma nunca é privada dessa primeira luz, que é chamada sombra da luz viva; e vejo-a como se divisasse através de uma nuvem luminosa o firmamento sem estrelas; e é nela que diviso tudo quanto digo sobre o brilho da luz viva. Desde a minha infância até a idade de quarenta anos vi essas coisas; falava delas, às vezes, mas nunca escrevi à respeito.
Tinha quarenta anos quando ouviu uma voz do céu ordenar-lhe que escrevesse tudo quanto visse. Resistiu durante muito tempo, não por obstinação, mas por humildade e desconfiança. Aos quarenta e dois anos e sete meses, viu o céu abrir-se e uma chama muito luminosa penetrou-lhe na cabeça, no coração e em todo seu peito, sem queimá-la, mas aquecendo-a suavemente; no mesmo momento, recebeu a inteligência dos Salmos, dos Evangelhos e dos outros livros do Antigo e do Novo Testamento, de maneira a poder explicar-lhes o sentido, embora não conseguisse explicar gramaticalmente as palavras, pois não conhecia o latim, nem a gramática. Como perseverasse em recusar-se a escrever, mais por temor do que por desobediência, caiu doente. Enfim, confiou sua preocupação a um religioso, seu diretor, e por intermédio dele ao prior da congregação. Depois de aconselhar-se com os membros mais sábios da comunidade e de interrogar Hildegarda, o prior ordenou-lhe que escrevesse; o que ela fez pela primeira vez. Imediatamente se viu curada e levantou-se da cama, Essa cura pareceu tão milagrosa ao prior, que não quis confiar apenas em seu critério. Foi a Maiença relatar o que sabia ao arcebispo e às mais altas figuras do clero, e mostrou-lhes os escritos de Hildegarda.
Isso deu motivo para que o arcebispo consultasse o próprio Papa. Desejando Eugênio III ficar bem a par daquele prodígio, enviou ao mosteiro de Hildegarda. Alberon, bispo de Verdum, juntamente com Alberto, seu primicério, e outras pessoas capazes, a fim de ouvirem da própria boca da monja, mas sem alarde nem curiosidade, a narrativa dos fatos com ela relacionados. Hildegarda respondeu com muita singeleza às perguntas. Tendo o bispo apresentado seu relatório, o Papa mandou que lhe trouxessem os escritos de Hildegarda e, tomando-os na mão, leu-os em voz alta, na presença do arcebispo, dos cardeais, e de todo o clero; também contou tudo quanto lhe fora relatado pelos emissários por ele enviados, e todos os assistentes renderam graças a Deus. São Bernardo estava presente e também deu testemunho do que sabia sobre a santa mulher, pois a visitara quando estivera em Francfort, e escrevera-lhe uma carta em que a felicitara pela graça por ela recebida, exortando-a a permanecer fiel à mesma. Pediu pois, ao Papa, no que foi secundado por todos os presentes, que divulgasse tão grande graça concedida por Deus à Igreja, no seu pontificado, e a confirmasse com a sua autoridade. O Papa seguiu o conselho e escreveu a Hildegarda, recomendando-lhe que conservasse pela humildade a graça por ela recebida, e relatasse com prudência tudo que lhe fosse revelado por intermédio do espírito. Também lhe permitiu que, com o consentimento do seu bispo, se estabelecesse, juntamente com suas irmãs, no lugar que lhe fora apontado sobrenaturalmente, e que lá vivesse em clausura de acordo com a regra de São Bento. O referido lugar era o monte São Rupert, junto a Bingin-sobre-o-Reno, a quatro léguas abaixo de Maiença, assim chamado por causa de um barão que lá vivera no século IX, e que é reverenciado como santo no dia quinze de maio. Santa Hildegarda transportou-se para aquele lugar, levando consigo dezoito moças nobres que atraíra com a sua reputação, e dele foi a primeira abadessa.
Relatou ao Papa Eugênio, em carta bastante longa, tudo quanto ouvira da voz celeste relativamente ao Pontífice. Sendo sua linguagem figurada e simbólica, nem sempre o sentido parece claro. Anunciava uma época difícil, cujos primeiros sinais já se manifestavam. Os vales queixam-se das montanhas tombam sobre os vales. Por que? Os súditos não mais sentem o temos de Deus, estão como que impacientes para subir aos cumes das montanhas, para acusar os prelados, em vez de acusaram os próprios pecados. Dizem: Sou mais adequado do que eles para superior. Denigrem tudo quanto os superiores fazem, por inveja, e por ódio à superioridade; assemelham-se a um insensato que, em vez de limpar suas roupas sujas, nada mais faria a não ser observar de que cor é a roupa do próximo. As próprias montanhas, isto é, os prelados, em lugar de se elevarem continuamente às comunicações íntimas com Deus, a fim de se cada vez mais se transformarem na luz do mundo, descuidam-se e obscurecem-se. Daí a sombra e a perturbação que reina nas ordens inferiores. É porque, vós, Grande Pastor e Vigário de Cristo, deveis buscar luz para as montanhas, e conter os vales; daí preceitos aos senhores e disciplina aos súditos. O soberano juiz recomenda-vos que condeneis e repilais de junto de vós os tiranos importunos e ímpios, no temor de que, para a vossa grande confusão, eles se imiscuam na vossa sociedade. Mas sede compassivo para com as desgraças públicas e particulares, pois Deus não desdenha as chagas e as dores daqueles que o temem.
Também o rei Conrado escreveu à Santa Hildegarda, recomendando-vos às suas orações, juntamente com seus filhos, que desejava lhe sobrevivessem. Ela lhe respondeu com estas palavras: Aquele que dá a vida a todos disse: Bem-aventurados os que se submetem com dignidade ao candelabro do rei supremo, e aqueles que ele coloca numa categoria bastante alta, que não afasta do seu seio. Permanecei onde estás ó rei, e repeli de vossa alma tudo quanto a enodoa, porque Deus preserva quem o procura com pureza e devoção. Conservai vosso reino, fazei justiça a todos, de maneira que não permaneçais estranho ao reino do alto. Ouvi, há certas coisas em que vós afastais de Deus; os tempos em que viveis são leves como mulher e inclinam-se para a injustiça que tenta destruir a justiça na vinha do Senhor. Em seguida, porém, virão tempos ainda piores, quando os verdadeiros israelitas serão flagelados e o trono católico será abalado pelo erro; e então será o fim dos blasfemos. Santa Hildegarda termina a carta com estas palavras: Ao ouvires estas coisas, homem, domina a tua vontade e corrige-te, a fim de chegares purificado aos tempos de que falo, e apara que não precises envergonhar-te de tuas ações.
No auge do cisma do Imperador Frederico Barbaroxa, a santa abadessa permaneceu inteiramente ligada ao Papa legítimo, Alexandre III, e aproximadamente em 1168 recorreu à sua autoridade tutelar, a fim de manter a liberdade das eleições no seu mosteiro.
Na sua carta ao Papa, suplicava-lhe, como se dirigisse a um pai, se mostrasse compassivo para com os cismáticos arrependidos e os recebesse como aquele pai do Evangelho recebera o filho pródigo. De todas as partes, pessoas de toda condição, Papas e Imperadores, arcebispos e bispos, abades e doutores, comunidades inteiras, escreviam continuamente a santa, fosse para se recomendarem às suas orações, fosse para consultá-la sobre problemas íntimos, sobre o futuro, sobre passagens da Escritura, sobre pontos difíceis da teologia.
Tendo-a um doutor na universidade de Paris consultado sobre a opinião de Gilberto de La Porée, que afirmava que em Deus a paternidade e a divindade não eram Deus, respondeu-lhes que soubera por uma visão que a paternidade e a divindade eram deus porque não há nada em Deus que não seja Deus. O prior e os monges do monte de São Disibode pediram-lhe com insistência que escrevesse a vida daquele santo, padroeiro da comunidade, e que também o era de Hildegarda, pois ela fora instruída desde a infância no mosteiro consagrado a São Disibode. Ela fez o que lhe pediam.
Deu para suas irmãs uma explicação so símbolo que tem o nome de Santa Atanásio. Sua doutrina sobre os mistérios da Trindade e da Encarnação é muita pura; e para pô-la ao alcance da inteligência do homem, propõe diversos exemplos ou comparações que não são encontradas em outro lugar. Dá no fim um resumo da vida de São Roberto, patrono do seu mosteiro, e conta alguns episódios da história da família desse santo.
Além de um grande número de cartas conservamos de Santa Hildegarda um notável volume com suas primeiras revelações, e que se inicia com estas palavras: Sci vias ou Sciens vias. Mal terminara de escrevê-lo, em 1163, durante a perseguição movida pelo Imperador Frederico contra a Sé Apostólica quando, nesse mesmo ano, teve um conjunto de novas revelações que, seguindo o conselho de duas pessoas, e, nãop obstante graves distúrbios de saúde, também relatou por escrito. Essa nova coleção, igualmente notável, nas três partes em que é dividida, visões e explicações sobre as obras de Deus, desde a criação do mundo até a derrota do Anticristo. Foi o douto Mansi, arcebispo de Luca, que encontrou e publicou esse livro na sua edição da Miscelânea de Baluze.
Santa Hildegarda começa habitualmente em suas revelações com algumas imagens sensíveis, que diz haver visto, sobre as quais dá explicações misteriosas; e em seguida, delas extrai uma moral sã e sólida, num estilo vivo e figurado, e através da qual combate energicamente os vícios que então dominavam, e excita os pecadores à penitência. Uma idéia que mais de uma vez retorna nos seus escritos é que sendo Deus a razão viva e essencial é por participar dela que o homem se torna racional.
Santa Hildegarda realizou uma infinidade de milagres, vinte dos quais seu biógrafo contemporâneo narra especialmente. Morreu no dia 17 de setembro de 1179, na noite de domingo ara segunda-feira, com a idade de oitenta anos. Sua vida dói escrita por Teodorico, religioso beneditino, cerca de trinta anos depois de sua morte. Baseado nas memórias de outro religioso chamado Godofredo, às quais acrescenta as revelações e os milagres. A Igreja festeja a santa no dia da sua morte.
(Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XVI, p. 246 à 255)