"Sempre no céu, estás ouvindo, meu irmão, ou então sempre no inferno! Sempre, sempre!" Assim falava a seu irmãozinho uma menina que se tornou Santa Teresa. Liam juntos as vidas dos santos. Evocando a glória dos mártires, assaltou-a o ardente desejo de morrer como tinham morrido, a fim de gozar mais cedo a felicidade eterna. "Sempre! Sempre!" diziam um ao outro.
Nessa época ainda havia na Espanha mouros e sarracenos. As duas crianças imaginaram que o processo mais curto seria irem para as terras ocupadas pelos infiéis, mendigando, a fim de perecer nas suas mãos. Com efeito, certo dia fugiram de casa e iniciaram a jornada. Oravam a Deus, enquanto caminhavam, pedindo-lhe que cada vez mais os penetrasse com o seu santo amor, e para que aceitasse o sacrifício de suas vidas. Um dos tios das crianças encontrou-as fora dos limites da cidade e levou-as de volta para casa. Vendo que não lhes era possível chegar ao martírio, Teresa e seu irmão resolveram viver como eremitas, e improvisaram pequenos ermitérios no jardim. Teresa dava todas as esmolas que podia; mas seus recursos eram pequenos. Aos doze anos, por ocasião da morte de sua mãe, prosternou-se desfeita em lágrimas diante de uma imagem da Santa Virgem e suplicou-lhe que lhe servisse de mãe.
O fervor de Teresa amorteceu com a leitura de romances e com as conversas mantidas com uma parenta de espírito mundano. Seu pai, que era um excelente cristão, percebeu o fato, e resolveu interná-la por algum tempo num convento de religiosas. O bom exemplo despertou no coração da menina os primeiros sentimentos de piedade. Certas leituras acresceram-lhe sensivelmente as boas disposições. Resolveu consagrar-se inteiramente a Deus e no ano de 1534 ingressou num mosteiro de Carmelitas. Foi provada por longas e pequenas moléstias, no meio das quais Deus a cumulou de inumeráveis graças. A Ordem do Carmo afastara-se da sua primitiva austeridade. Teresa recebeu a inspiração de levá-lo de volta à antiga regra. Por causa disso sofreu calúnias, perseguições e maus tratos. De tudo triunfou: sua reforma foi aplicada a um grande número de mosteiros, onde até os nossos dias produz incalculáveis frutos de santidade.
"Ou morrer, Senhor, ou sofrer, é tudo que vos imploro!" Era essa a prece de Santa Teresa. "Ou morrer para ver-vos, ou sofrer pelo vosso serviço." Compreendia que, depois da felicidade de ver Deus, não há outra maior do que sofrer por ele. Meu Deus, como ainda estou longe dessa perfeição do vosso amor!
Santa Teresa, em obediência a uma ordem de seu pai espiritual, escreveu a sua própria vida. É uma leitura das mais úteis e mais agradáveis às almas piedosas. Conta-nos, não apenas o que lhe aconteceu, as graças a ela concedidas por Deus, mas também nos ensina como devemos comportar-nos nas diversas fases da vida espiritual. Deus deu-lhe a graça de ver a santa humanidade de Nosso Senhor e os anjos bons. Também viu mais de uma vez os demônios que a atacavam.
Estando um dia no oratório, relata ela, apareceu-me o demônio sob uma forma horrível; e, como falou comigo, observei, sobretudo, como era pavorosa a sua boca. Dela saía uma grande chama sem mistura de sombra; e disse-me num tom que me fez tremer, que eu me escapara de suas mãos, mas que saberia reaver-me. Senti-me tremendamente amedrontada; fiz o sinal da cruz como pude, e ele desapareceu; mas tornou a voltar logo depois e eu não sabia como proceder; enfim, atirei água benta no lugar em que se encontrava e nunca mais ele retornou àquele mesmo lugar. Outra vez, atormentou-me durante cinco horas, com sofrimentos e dores tanto interiores como exteriores, tão terríveis que acreditei não resistir-lhes por muito tempo. As pessoas com quem me encontrava ficaram assustadas e, tal como eu, não sabiam onde estavam. Tenho o costume, nessas ocasiões, de pedir a Deus do fundo do meu coração que, se lhe aprouver prolongar a provação, então me dê forças para suportá-la; ou que, se for da sua vontade que eu permaneça no estado de provação, nele me deixe até o fim do mundo.
Sei por várias experiências que nada afugenta mais depressa os demônios do que a água benta; ela impede que retornem. O sinal da cruz afasta-os momentaneamente, mas depois voltam. Essa água deve, pois, possuir uma grande virtude; e aliviava-me muito, proporcionando-me um sensível e profundo conforto, embora eu não saiba explicar bem de que espécie é o prazer que sinto e que se difunde na minha alma, fortalecendo-a. Não são coisas imaginárias, já experimentei esse prazer muitas vezes, e depois de ter feito muitas reflexões, parece-me que é como, se atormentada por um excessivo calor e extremamente sedenta, eu bebesse um grande copo de água fria que refrescasse o meu corpo inteiro. Reconheço, e com grande prazer, que nada há no que a Igreja ordena que não seja digno de admiração, pois bastam algumas palavras para imprimir tanta virtude à água, estabelecendo tão surpreendente diferença entre a que foi benta e a que não foi. Como o tormento que eu suportava na ocasião a que me refiro não cessasse, disse às minhas irmãs que, caso não lhes temesse a zombaria, pedir-lhes-ia que me trouxessem água benta. Imediatamente foram buscá-la, e jogaram-na sobre mim, sem que me sentisse aliviada; porém, tendo eu mesma jogado a água no lugar onde estava presente aquele espírito infernal, ele fugiu no mesmo momento e encontrei-me livre de dor, mas tão cansada e abatida como se me tivessem dado várias pauladas.
Muito tempo depois, continua Santa Teresa, estando um dia em oração, pareceu-me durante um espaço de tempo que me encontrava no inferno, sem saber como fora levada para lá. Compreendi apenas que Deus desejava que eu visse o lugar preparado para mim pelos demônios e merecido pelos meus pecados. Durou muito pouco a experiência; porém, por mais anos que eu viva, não creio que me seja possível apagar essa lembrança. (...)
Não aprouve a Nossa Senhor dar-me então um conhecimento mais amplo do inferno; porém depois, em outras visões, fez-me ver castigos ainda mais terríveis para certos pecados; mas como eu não lhes sofria a dor, essas visões não me impressionaram tanto como a primeira, a que me refiro, na qual Nosso Senhor quis que eu experimentasse em espírito aqueles tormentos, de maneira tão real e tão autêntica como se o meu próprio corpo os padecesse; não podia compreender como isso se passava; mas bem compreendia que Deus me favorecia com uma grande graça; permitindo-me ver de que abismo a sua infinita misericórdia me arrancara. Pois tudo quanto até hoje vi ou ouvi contar, ou imaginei, difere tanto da verdade quanto uma cópia do original; e queimar neste mundo nada é comparado com queimar no outro mundo.
Embora já se tenham passado cerca de seis anos sobre o acontecimento que acabo de relatar, ainda hoje me sinto aterrorizada ao descrevê-lo, que o meu sangue parece gelar-se nas veias. Assim, malgrado as dores e os males que me maltratam, não posso lembrar-me do que sofri naquela ocasião, sem que tudo que possamos suportar aqui na terra me pareça desprezível. Tenho a impressão de que nos queixamos sem motivo e considero uma das maiores graças que Deus me concedeu a terrível experiência que descrevi, quando pondero o quanto me foi útil, tanto para evitar que eu receie as aflições desta vida, como para obrigar-me a procurar suportá-las com paciência, e dar graças a Deus que, segundo espero consentirá em livrar-me daqueles terríveis e torturantes castigos, cuja duração será eterna. (...)
Foi durante os quatro primeiros anos desse empreendimento que, em obediência às ordens do seu confessor, e a pedido de suas religiosas do primeiro mosteiro reformado, ela escreveu O Caminho da Perfeição, para ajudar as almas fervorosas a evitarem certos defeitos e a vencer certas tentações, que muitas vezes as detêm ou retardam no caminho da perfeição religiosa. (...)
Depois de ter explorado O Caminho da Perfeição, Santa Teresa chega ao palácio para o qual essa caminho conduz. Daí outra obra, O Castelo da Alma, cuja finalidade também aponta.
Entre outras que a obediência me obriga a fazer, poucas há sobre as quais me tenha parecido tão difícil escrever como a oração, seja por não ter Nosso Senhor me dado bastante espírito para bem desempenhar a tarefa, seja porque sinto há três meses um ruído contínuo na abeca, e uma fraqueza tão grande, que não poderia, a não ser muito penosamente, escrever para tratar de negócios importantes e urgentes. Mas como seu que a obediência pode tornar possível o que nos parece impossível, resolvo-me a fazê-lo alegremente, malgrado a resistência da natureza, que confesso, a isso se opõe, porque não possuo suficiente virtude para suportar doenças contínuas e, ao mesmo tempo, sobrecarregar-me com centenas de ocupações de toda espécie. Assim sendo, é unicamente da bondade de Deus que espero a mesma assistência que me prestou em ocasiões ainda mais difíceis. (...)
A Espanha era nesse tempo uma terra abençoada que não cessava de produzir santos e santas. Os principais cooperadores de Santa Teresa eram São João da Cruz e São Pedro de Alcântara. E, o que fala a favor da nação espanhola, o povo amava e venerava esses santos e santas. Assim, informados do rumo de Santa Teresa nas suas freqüentes viagens, os moradores do campo postavam-se nos caminhos para vê-la passar e pedir-lhe a benção. A notícia da sua chegada precedia-a de um lugar a outro, e a honra de hospedá-la era disputada. Aquela solicitude confundia-a; gostaria de poder subtrair-se a seus efeitos.
Certa vez, tendo-lhe as demonstrações de veneração que lhe tributavam, parecido mais insuportáveis do que o frio e a escuridão da noite, partiu três ou quatro horas antes do nascer do sol, povoado para o qual afluíra uma enorme quantidade de pessoas, que já a recebera com aclamações e que se dispunha a acompanhá-la triunfalmente. Outra vez, porém, não pode deixar de sensibilizar-se diante do que um camponês fez para festejá-la. Pois, inteirado de que ela deveria passa pela aldeia onde morava, mandou preparar-lhe o melhor jantar possível; reuniu toda a família em casa, e mandou trazer seus rebanhos, a fim de que tudo quanto lhe pertencesse fosse abençoado pela Santa. Porém, como Teresa não consentisse em interromper a viagem, o camponês acompanhado por filhos e rebanhos, foi-lhe ao encontro. Aquele ato a enterneceu e ela recomendou ao Senhor a família inteira.
Às fadigas das viagens, juntavam-se graves enfermidades; mas a coragem de Teresa tudo a fazia suportar alegremente. Precisou recorrer àquela força de alma que lhe era própria quando repuseram seu braço esquerdo no lugar, causando-lhe dores tremendas. Duas vezes aquele braço fora quebrado; a primeira em Ávila, em 1578; a outra em Vila-Nova de Xare, em 1580. Ficou, mesmo, aleijada o resto da vida em conseqüência do primeiro acidente, fruto de uma desastrosa queda de escada. Levaram muito tempo à procura de uma pessoa capaz de atender à fratura; e, quando a prioresa de Medina lhes enviou uma mulher com prática daquele gênero de operações, o braço já estava ligado.
Teresa terminara, em 1582, de fundar o convento de Burgos e já se pusera a caminho de Ávila quando recebeu um convite bastante insistente da Duquesa de Alba, que lhe pedia o favor de ir vê-la de passagem. Embora tivesse Às votas com suas velhas enfermidades, e atacada por uma espécie de paralisia, aliada a freqüentes vômitos, a Santa apresentou-se em Alba no dia 20 de setembro, acompanhada pelo padre Antônio de Jesus, que fora buscá-la em Medina. Passou várias horas conversando com a duquesa e, em seguida, deixou-a para acolher-se ao convento da sua ordem. Sentia-se extremamente fatigada, e como seus males piorassem dia a dia, compreendeu que seu fim estava próximo. No dia 30 de setembro teve um fluxo de sangue acompanhado de sintomas inquietantes. Contudo, ainda assistiu à missa aquele dia e comungou com grande fervor. Daí por diante permaneceu na cama até a morte. A Duquesa de Alba visitava-a com freqüência e servia-a com a mais terna afeição. A irmã Ana de Saint-Barthélemy, sua querida companheira, que mais tarde fundou um dos primeiros conventos das Carmelitas da França, não a deixava nem de dia e nem de noite.
No dia 1 de Outubro, depois de ter passado quase toda a noite em oração, Teresa mandou chamar o padre Antônio de Jesus pois desejava confessar-se. Terminada a confissão, o santo religioso exortou-a a pedir ao Senhor que não a tirasse ainda do mundo. Teresa respondeu humildemente que não podia mais ter serventia na terra; em seguida, despediu-se de suas religiosas, dando-lhes contínuas provas de afeição com seus últimos conselhos embebidos de carinho. Dizia-lhes: "Conjuro-vos, pelo amor de Deus, que observeis estritamente a regra e as constituições e não escolhais como modelo esta indigna pecadora que vai morrer. Cuidai, de preferência, de perdoar-lhe". Desfeitas em lágrimas, as irmãs só lhe respondiam com soluços.
No terceiro dia de outubro, Teresa sentiu-se mais fraca do que nunca; pediu os sacramentos, que lhe foram levados, Assim que avistou o santo viático, suas forças como que se reanimaram; o rosto iluminou-se, e o ardor da fé transpareceu-lhe nos olhos. Voltou-se para Jesus Cristo e, tendo sentado para recebê-lo mais respeitosamente, exclamou num santo transporte: "Ó meu Senhor e meu Esposo, eis que se aproxima a hora tão ardentemente desejada! Aproxima-se o momento da minha libertação .... Seja feita a vossa vontade! Chegou a hora em que deixarei meu exílio, e na qual minha alma encontrará na vossa presença a felicidade pela qual suspira há tanto tempo!"
Às nove horas da noite, pediu a Extrema-Unção, que recebeu com grande piedade. Pouco depois, tendo-lhe o padre Antônio perguntado se desejava ser enterrada no Convento de Ávila, respondeu-lhe: "Como! Não há nada neste mundo que me pertença? E não me darão aqui um pedaço de terra?" Seu fervor recrudescia, à medida que as forças a abandonavam. Ouviram-na repetir muitas vezes os versetos do salmo Miserere e, sobretudo, o seguinte: Meu Deus, não rejeitareis um coração contrito e humilhado. Recitou-o até o momento em que perdeu o uso da palavra. As dores da sua agonia prolongaram-se até a manhã seguinte. Sucumbindo, então, ao peso dos males, inclinou a cabeça no braço da Irmã Ana de Saint-Barthélemy, e permaneceu calmamente nessa posição até às nove horas da noite, com os olhos fitos num crucifixo que tinha nas mãos.
O sono dos justos coroou seus trabalhos e suas virtudes na noite de 4 a 5 de outubro de 1582. Foi nessa mesma noite que Gregório XII reformou o calendário, inesperadamente suprimindo dez dias; e por efeito dessa supressão, o dia que se seguiu à morte de Santa Teresa ficou sendo considerado 15 de outubro, embora fosse apenas o dia 5.
A Santa morreu com sessenta e oito anos de idade, depois de ter passado vinte e sete no Convento da Encarnação, e mais vinte nos diversos conventos reformados. Os sofrimentos da morte não ficaram impressos na sua fronte; ao contrário, as rugas da velhice desapareceram-lhe do rosto e os membros conservaram a mesma flexibilidade que possuíam em vida. Seu corpo foi sepultado no coro interno das Carmelitas de Alba, onde permaneceu até 1585, quando o Capítulo Geral dos Carmelitas Descalços mandou trasladá-lo para o Convento de São José de Ávila, sede da reforma. Essa trasladação não foi processada com a discrição necessária para que a família do Duque de Alba dela não tivesse notícia. Queixou-se a Roma, pois, e obteve, no ano seguinte, uma ordem do Papa, na qual ele, mandava restituir ao Convento de Alba os despojos mortais da sua santa fundadora.Foram eles levados para lá no dia 25 de abril de 1586 e ainda hoje se conservam no mesmo lugar, sob um belo mausoléu. Até mesmo a corrupção respeitou as relíquias da Santa. As verificações levadas a efeito por ocasião dessa dupla mudança deram a conhecer o prodígio. O corpo foi encontrado em perfeito estado, tão flexível e tão perfeito como no momento da morte de Teresa; e asseguram que ainda se conserva no mesmo estado.
Nada há mais autêntico do que os atos preparados para servir de base à canonização de Santa Teresa. Foram assinados por uma grande quantidade de pessoas respeitáveis, cuja maior parte testemunhara os fatos que atestava. Paulo V determinou ao Arcebispo de Toledo, aos Bispos de Ávila e de Salamanca que fizessem investigações nos próprios lugares onde os fatos tinham ocorrido. Feitas as averiguações, o processo verbal foi enviado a Roma, onde três editores, cuidadosamente escolhidos, discutiram todos os fatos nele relatados, antes que os Cardeais da Congregação dos Ritos os submetessem a novo exame. Tendo Paulo V falecido, sucedeu-lhe Gregório XI; e este, após os sufrágios unânimes de todos os consultores, autorizou o culto prestado a Santa Teresa, por uma bula, no mês de março de 1621. Os atos da canonização contêm, com pormenores os vários milagres operados pela virtude das relíquias da Santa, ou por sua intercessão, O santo Bispo de Taronha, Didaco Yepez, inseriu a relação desses milagres no seu trabalho sobre a Santa.
Fotos: santiebeati.it
(Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XVIII, p. 192 à 215 )