São Godofredo, abade de Nogent-sous-Couci, e depois bispo de Amiens, mostrou no convento de São Quentin os sentimentos de piedade que o fizeram um dos mais santos abades e um dos maiores bispos de seu tempo. Como os pais haviam encomendado seu nascimento às orações daquela comunidade tão piedosa, levaram-no ao monte São Quentin para que ali recebesse o batismo. Aos cinco anos, ingressou no mosteiro.
O pai, Frodon, abraçou a vida monástica no convento de Nogent, e um dos irmãos, Odon, retirou-se ao monte de São Quentin, onde se distinguiu por grande austeridade e por tão exata observância do silêncio, que, durante a quaresma, não proferia uma única palavra. A não ser quando se confessava.
Godofredo revelava mais virtude ainda, considerando-se a tenra idade. O amor pela pobreza e o recolhimento levaram-no a ser procurador da comunidade. A prudência de Godofredo fazia as vezes da experiência. Amava a poupança e não era avarento. Por sua aplicação, pôs em ordem, em pouco tempo, os negócios do convento, que jaziam em mau estado, pagou dívidas, sendo, então agradável aos religiosos e aos seculares.
Fazendo-se, em 1095, abade de Nogent-sous-Couci, pela resignação do predecessor, logo floriu a piedade. Era um mosteiro fundado recentemente no lugar onde havia uma velha igreja da Virgem, muito freqüentada por fiéis. Os monges eram poucos e não eram metódicos. E Godofredo não encontrou em Nogent mais que seis religiosos com dois meninos criados entre eles.
Em pouco tempo, o mosteiro floresceu e recebeu excelentes almas. Aplicando-se mesmo à direção dos seculares, sem negligenciar a dos religiosos, Godofredo conduziu a uma grande perfeição, piedosas damas que lhe haviam demonstrado confiança.
Em 1103, foi eleito bispo de Amiens. E foi necessária violência para que aceitasse a eleição. Entrou descalço na cidade. Quando chegou à igreja de São Firmino, dirigiu, ao povo que estava presente, um discurso fortemente patético. Achava-se-lhe no palácio a casa dum verdadeiro discípulo de Jesus Cristo. Todos os dias, lavava os pés de treze pobres, e servia-os à mesa. Opunha-se com zelo inflexível às usurpações dos grandes, obstinadamente presos às desordens. Atacava com vigor os abusos que reinavam no clero; depois de ter experimentado grandes dificuldades, restabeleceu a reforma no mosteiro de São Valeri.
Celebrando os santos mistérios do Natal, em presença de Roberto, conde de Artois, que tinha a corte em Saint-Omer, não quis receber oferendas dos príncipes, porque o seu exterior, era assaz mundano. Então muitos deixaram a igreja e retornaram mais simplesmente vestidos, porque não queriam ficar privados da benção do santo bispo.
Em 1112, o santo bispo de Amiens, de acordo com os habitantes, estabeleceu gratuitamente uma comuna ou burguesia na cidade episcopal. O governo dessa comuna, composto de vinte e quatro almocatéis, sob a presidência dum administrador, foi instalada sem qualquer perturbação em meio à alegria popular. A cidade de Amiens estava repartida entre quatro pessoas: o bispo, o vidama, o castelão ou proprietário abastado e, finalmente, o conde, que era Engebran de Boves, pai de Tomás de Marle, homem muito maldoso.
O vidama deu sua aprovação à comuna mediante certas condições, mas o castelão e o conde não lhe deram ouvidos - daí a guerra entre eles e os burgueses. Com o concurso do rei Luís, o Gordo, e com a mediação do bispo, os burgueses obtiveram, a peso de dinheiro, a aprovação real dos regulamentos municipais. Nessa guerra, Tomás de Marle atacou ferozmente a comuna de Amiens, enquanto a de Laon, a apoiava francamente.
A desolação tomou conta de Godofredo. Os crimes, dos quais fora causa, abateram-no tanto, que decidiu deixar o episcopado, para se retirar a Chartreuse de Grenoble com os santos capuchos solitários, cuja reputação já se espalhara por toda a França.
Guigues, o prior, com grande alegria recebeu o santo bispo, e designou-lhe uma cela. E Godofredo, na solidão, sonhava somente com reunir as doçuras da contemplação aos rigores da penitência.
Sabendo que Cônon, legado da Santa Sé, ia abrir concílio de Beauvais, enviou-lhe carta, na qual dizia renunciar ao bispado.
Reunido o concílio, os cidadãos de Amiens enviaram-lhe deputados com o fito de se queixarem do abandono em que se viam, privados que estavam do bispo. E novo prelado exigiram.
Radulfo, arcebispo de Reims, disse;
- Como ousais agir desta maneira? Que autoridade tendes? Não fostes vós, com vossa indocilidade, que afugentastes da sede um homem ornado de todas as virtudes? Desejais, porventura, somente aqueles que vos sejam favoráveis aos interesses e prazeres?
Os deputados ouviam calados. E o arcebispo continuou:
- Ide, pois. Trazei-o de volta e que permaneça entre vós, porque Nosso Senhor Jesus Cristo, outro bispo não tereis enquanto Godofredo viver.
Ao mesmo tempo, chegaram enviados de Godofredo, trazendo a carta da renúncia, onde declarava que declinava daquele bispado e exortava os diocesanos a buscar outro pastor, assegurando-lhes que jamais voltaria, incapaz que se sentia de desincumbir-se das funções episcopais.
À leitura daquela carta tão humilde, os bispos do concílio não conseguiram conter as lágrimas: um homem tão capaz, virtuoso e talhado para as funções a dizer-te inoperante! E resolveram deixar a questão para ser tratada no concílio que se daria em Soissons, pela Epifania do ano seguinte, 1115.
Naquele concílio, ficou resolvido que se enviassem dois deputados em nome do rei, com cartas do concílio, que ordenassem ao santo homem voltar para ocupar o posto.
Godofredo, ao ler as cartas, caiu de joelhos aos pés dos monges com os quais vivia, e, chorando, implorou-lhes não permitissem que deles se afastasse.
Os cartuxos, comovidos, choraram com ele, procurando consolá-lo.
- Que podemos nós contra uma ordem do rei? Que fazer diante da autoridade real e episcopal?
E Godofredo, tendo ficado mais algum tempo com os cartuxos de Grenoble, da festa de São Nicolau até a quaresma, partiu.
Antes de ir a Amiens, passou por Amiens, onde o legado Cônon estava num novo concílio. O arcebispo Radulfo apresentou-o aos prelados reunidos. E Godofredo causava dó, tão macerado estava, castigado e fraco, que mal se sustinha em pé.
O legado, que presidia o concílio, repreendeu-o energicamente por ter deixado a sede de Amiens, ordenando-lhe retornasse imediatamente.
Godofredi obedeceu com a maior humildade, e partiu. Em Amiens, foi recebido estrondosamente, em meio a ima alegria jamais vista.
Pouco rempo depois, quando, para uma consulta ao arcebispo, viajava para Reims, veio a falecer. Era o dia 8 de novembro daquele mesmo ano de 1115, dia em que a Igreja lhe honra a memória. (Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XIX, p. 252 à 256)