São Porciano, desde a adolescência, esforçou-se para viver perto de Deus. Escravo dum homem cruel, bárbaro e inescrupuloso, foi tratado duramente. As vezes, fugindo de perversos castigos, buscava um mosteiro da vizinhança, e, ali, pedia ao abade que intercedesse por ele.
Um dia livrou-se definitivamente. O rude senhor foi buscá-lo na abadia, gritando que o abade tudo andava fazendo para lhe seduzir o escravo em assim, retirá-lo do seu serviço. E exigiu que lhe entregasse o jovem, então escondido.
O abade chamou-o, e perguntou:
- Que desejas que eu faça, Porciano?
Porciano, amedrontado, respondeu:
- Faze com que ele me perdoe.
O senhor perdoou-o, prometendo ao abade que não castigaria o escravo. E o jovem, aliviado, seguiu o senhor.
A meio caminho de casa, subitamente, o senhor perdeu a vista. Abatido, levado por Porciano, tornou ao abade, dizendo-lhe com voz entrecortada de soluços:
- Eu te suplico, roga ao Senhor por mim, e toma este escravo para que sirva o mesmo Senhor. Talvez merecerei recuperar a luz que acabo de perder.
O abade disse a Porciano:
- Peço-te, impõe tuas mãos sobre os olhos dele.
O jovem recusou, negando-o humildemente. O abade, em tom enérgico, insistiu. Então Porciano aproximou-se do cego, fez-lhe o sinal da cruz nos olhos, os quais, imediatamente, tornaram a ver.
Elevado à clericatura, o Santo chegou a tal altura na virtude que, morto o bom abade, substituiu-o no governo da fundação que mais tarde recebeu o seu nome. Penitente, levou vida santa, piedosa e austera. Acabado pelos jejuns, faleceu em 532, ano em que Teodorico invadiu o Auvergue. Conta-se que, já velho, respeitado pela fama de santidade, quando soube que o rei acampara em Artona, foi vê-lo, de manhãzinha. Teodorico, então, ainda dormia, na sua tenda de campanha.
São Porciano, encaminhou-se para o primeiro oficial, Sigivaldo, e se queixou do grande número de prisioneiros que o soberano vinha fazendo. Sigivaldo, muito respeitosamente, recebeu o velho e santo abade. Delicadamente, rogou-lhe que
lavasse as mãos, descansasse da caminhada e tomasse um copo de vinho em sua companhia.
Porciano desculpou-se, pois não chegara a hora em que podia tomar qualquer coisa. Ademais, ainda não saudara o rei. Enquanto humildemente o Santo se excusava, Sigivaldo, sem lhe dar ouvidos, ia enchendo os copos. Tomou dum e estendeu-o ao doce velho e rogou que o acompanhasse., O abade apanhou o copo, mas, nem bem o fizera, partiu-se ele ao meio e, junto com o vinho que se esparramou, escorregou e caiu ao chão imensa e grossa cobra asquerosa, viscosa e feia.
Sigivaldo caiu de joelhos. E atabalhoadamente, pôs-se a beijar os pés e a fímbria do hábito de São Porciano, espaventadamente, sem cessar.
Os presentes, vendo o oficial tão amedrontado, também se prosternaram, e entraram a beijar as marcas que os pés do santo abade haviam deixado no chão.
Logo, um grande rumor encheu todo o acampamento, e o rei, julgando que o exército recebia um ataque de surpresa, pulou da cama.
Quando soube do sucedido e do objetivo da visita de São Porciano, deu ordens imediatas para que todos os prisioneiros fossem postos em liberdade.
São Porciano enfrentou o diabo várias vezes. Duma feita, à noite, quando dormia, despertou e viu a cela em chamas. O fogo, forte e vivo, tomava-a quase completamente. O santo abade precipitou-se para a porta, correndo, mas quando procurou abri-la, não conseguiu. Empregou toda a força de que dispunha, debalde. Entrementes, o fogo, crepitando e aumentando assustadoramente, ameaçava toda a cela.
O santo desistiu das tentativas que empregava para abrir a porta. Deixou-a, pôs-se de joelhos, e principiou a rezar, depois do sinal da cruz: o fogo, vagarosamente, foi-se extinguindo, desaparecendo, sem deixar qualquer marcar, sem ter feito o mínimo estrago. São Porciano, então, compreendeu que aquilo nada mais fora do que um embuste do demônio.
O velho abade faleceu em idade bastante avançada. A sepultura que lhe recebeu o corpo, pouco depois do enterramento foi ilustrada, através dos tempos, por um sem-número de milagres.
(Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XX, p. 226 à 229)