Um dos biógrafos de São Nicolau, bispo de Mira, foi São João Damasceno. Nas nove odes em honra do santo, encontradas pelo Cardeal Mai, das quais as duas primeiras faltam, o poeta de Damasco resume a tradição comum dos gregos e dos latinos sobre o ilustre Pontífice de Mira.
"Nem a areia que se encontra à beira-mar, diz ele, nem a multidão de vagas, nem as pérolas do orvalho e os flocos de neve, nem o coro dos astros, nem as gotas da chuva e as correntes dos rios, nem o murmúrio dos das fontes jamais se igualarão, ó Pai, ao número de teus milagres (1). Todo o universo tem em ti um pronto socorro nas aflições, um encorajamento nas tristezas, uma consolação nas calamidades, um defensor nas tentações, um remédio salutaríssimo nas enfermidades".(2)
O Padre Croiset, jesuíta, resume assim esta mesma vida no seu Ano Cristão:
"São Nicolau, bispo de Mira, na Lícia, tão celebrado em todo o mundo pelo clarão das virtudes, pelo número de milagres e pela confiança do povo, pela qual intercedia sempre, nasceu em Patares, cidade da Lícia, na Ásia Menor. Os pais eram riquíssimos; mais ainda, piedosos. Quando já se encontravam desesperançados de ter um filho, nasceu-lhes Nicolau, que lhes foi um presente do céu.
Tais presságios de futura santidade do jovem Nicolau animaram os virtuosos pais a redobrar de cuidados. E a educação que o menino teve foi toda ela cristã, esmeradamente cristã.
Aplicando-se às ciências, em breve tornou-se sábio, mas, ao mesmo tempo, mais santo. A doçura, a mansidão, a modéstia eram nele coisas tão características que o impunham como modelo aos moços. Todos lhe admiravam a regularidade, a meiga devoção, a sabedoria, numa idade em que a vivacidade e o amor ao prazer dominam, onde as paixões são, ordinariamente, a grande impulsionadora das ações.
Era São Nicolau bastante jovem quando perdeu os pais. Sentiu a perda grandemente, mas não foi obstáculo às virtudes. A morte do pai e da mãe, lhe legaram bens enormes, serviu para mais piedoso torná-lo, mas arredio e retirado, mais caridoso do que já era.
Um dia, ao saber que um gentil-homem da cidade, pobre, muito pobre, estava a ponto de fazer prostituir as três filhas, porque não tinha nada de seu para casá-las, São Nicolau ficou tremendamente emocionado. Depois de pensar, esperou que a noite caísse, e, enchendo de moedas de ouro uma grande bolsa, saiu em demanda da casa do desolado pai. Então, quando percebeu que estava só, defronte à casa, diante duma janela providencialmente aberta, atirou a bolsa e deixou o local às carreiras, furtivamente, rente à parede das casas, para que a escuridão mais o ocultasse.
No dia seguinte, quando o gentil-homem deu a bolsa, febrilmente pôs-se a contar o dinheiro, certificando-se de que continha uma grande quantia. Dando graças a Deus, pode dotar a filha mais velha, procurando casá-la imediatamente, certo, de que a Providência se ocuparia de outras duas.
E assim foi, porque, logo na noite seguinte, sempre à socapada, o nosso bom santo arremessou pela janela outra bolsa, que continha a mesma soma da anterior.
O pai, no auge da alegria, pressentiu que quem assim fazia faria ainda uma terceira vez. E um grande, insopitável desejo de conhecer o benfeitor o levou a emboscar-se, nem bem caíra a noite.
São Nicolau, de fato, com uma terceira bolsa, protegido pela escuridão, rumou para a casa do gentil-homem. E, nem sequer saíra ainda a bolsa no cômodo costumeiro, já era efusivamente abraçado pelo pais das três jovens que saíra da sombra suma porta, onde se ocultara e tudo vira.
São Nicolau, surpreso e, ao mesmo tempo, grandemente constrangido por ver-se descoberto, calou, sem saber o que dizer. Afinal, recuperando-se, ordenou, com veemência:
- Isto deve ficar absolutamente em segredo - absolutamente!
O gentil-homem prometeu-lhe que assim seria, categoricamente. Mas, no dia seguinte, já de manhã, toda a cidade sabia, encantada, daquela liberalidade, daquela caridade imensa.
Virtude tão resplandecente e tão pura não era para o mundo. Com efeito, São Nicolau pensava em deixar o século. Deus escolhera-o para dele fazer um dos mais belos ornamentos da Igreja. E foi com a aprovação pública que o viram integrar o clero.
O bispo de Mira, conhecendo-lhe a grande piedade e a não menor sabedoria, apressou-se em fazê-lo padre. Tal dignidade deu um novo lustre à santidade de Nicolau, e o sacerdócio, encontrando meios tão puros e alma tão cristã, comunicou-lhe um novo brilho à virtude, imprimindo novo rigor ao seu zelo.
O tio, pronto para fazer uma viagem de devoção à terra santa, deixou a direção da diocese ao sobrinho. E Nicolau governou-a com tanta sabedoria e edificação geral, que todos passaram a desejá-lo para bispo.
Falecendo o tio pouco depois do regresso, Nicolau, que nada temia mais do que o episcopado, aproveitou-se para deixar o país e demandou à Palestina.
Após visitar os lugares santos, retirou-se ele a uma caverna onde se diz que o Menino Jesus, Nossa Senhora e São José, ao fugirem da Judéia, passaram uma noite, em demanda do Egito. Desejava ali ficar para o resto da vida, mas Deus deu-lhe a conhecer que devia retornar a Mira. E assim fez o Santo.
Chegando a Mira, enfurnou-se num mosteiro aspirando à obscuridade, para dar-se aos exercícios da mais austera penitência.
No entanto, o bispo João, que sucedera ao tio de Nicolau, vinha a falecer. Os bispos da província reuniram-se em Mira para dar à Igreja um novo bispo. A escolha ia difícil, não se chegava a um acordo, quando um dos mais veneráveis da assembléia por um movimento do Espírito Santo, disse que Deus desejava que se escolhesse para bispo de Mira o santo homem que primeiro entrasse na igreja para orar, no dia seguinte.
São Nicolau foi o eleito de Deus, porque, sem nada saber do que se passava, certo dia, que era o que o velho bispo dissera, saiu do mosteiro, o que raramente fazia, para rezar na igreja.
Todos ficaram agradavelmente surpresos quando viram que era Nicolau aquele que devia preencher a vaga deixada pelo bispo morto.
Bem que o Santo quis fugir, mas não houve alternativa, e foi, em meio à ruidosa alegria do povo e do clero, sagrado bispo.
Nem bem findara a cerimônia, e uma mulher, saindo do meio da multidão, carregando um menino nos braços, chegou até o novo bispo e se lhe atirou aos pés, a suplicar:
- Daí vida ao meu filhinho! Meu filhinho caiu no fogo e não suportou as horríveis queimaduras! Morreu! Vêde, pobrezinho, todo queimado e morto! Tende pena de mim! Dai-lhe a vida!
São Nicolau, emocionado, sentindo as dores daquela mãe alucinada, levantou-se, fez o sinal da cruz sobre o corpinho morto e ressuscitou-o na presença de toda a gente e dos prelados.
Elevado ao episcopado, preparou-se para cumprir todos os deveres que se lhe impunham, e conquistar na perfeição todas as virtudes dum santo bispo. Passava quase toda a noite ao pé dos altares a pedir por si e pelo povo. Quando rezava a missa, um clarão lhe iluminava o rosto, tão repleto lhe estava o coração dum fogo sagrado. O fervor crescia-lhe dia a dia, e a solicitude pastoral estendia-se por todas as necessidades do povo. O que recebia, dava-o imediatamente aos pobres.
Para encontrar o Santo, bastava procurá-lo em três lugares: na igreja, a orar, nas prisões, confortando os detentos, e nos hospitais, procurando saber dos doentes e das suas necessidades.
Encarregado de distribuir o pão da palavra de Deus ao povo, fazia-o Nicolau com tanto fruto e sucesso, que muita gente passou a mudar de opinião sobre a religião. As austeridades cresciam com o trabalho. Jejuava duas vezes por semana, desde o princípio da vida. Ma juventude, aos dois juntou mais um. Quando bispo, então passou a jejuar todos os dias.
O imperador Licínio, tendo renovado a perseguição a Diocleciano, enviou oficiais a Mira para restabelecer a idolatria. E Sào Nicolau mostrou que um santo jamais é maior que nos combates pela religião. O zelo para com o povo foi incansável, e o desejo que tinha do martírio levava-o a desprezar as ameaças dos oficiais pagãos.
Foi, afinal enviado para o exílio, carregado de cadeias, pelo amor que votava a Jesus Cristo. E passou por toda a sorte de maus tratos. Todos os dias era chicoteado.
Derrotado Licínio pelo grande Constantino, regressou a Mira, triunfante, o grande Nicolau. A viagem de volta foi toda ela dum sem-número de insignes conversões e de milagres sem conta.
Se São Nicolau testemunhou tanto zelo contra os idólatras, não o testemunhou menos contra os arianos. Assistiu ao primeiro concílio de Nicéia, onde brilhou como um dos meias generosos confessores de Jesus Cristo, e como um dos maiores prelados da Igreja. O número de milagres, que Deus se dignou fazer por sua intercessão, é prodigioso: é com razão que é chamado o taumaturgo do seu século.
Tantas maravilhas tornaram o nome de Nicolau célebre por todo o Universo.
Quis o Senhor, então, recompensar todos os trabalhos do servidor fiel, e deu-lhe a conhecer o dia e a hora da morte. Ta revelação o encheu de alegria pouco conhecida dos homens.
Depois de ter dito adeus ao povo, ao fim duma missa pontifical, retirou-se São Nicolau ao mosteiro de Sião. Ali, depois de curta enfermidade, administrados que lhe foram os últimos sacramentos, entregou a santa alma a Deus. Era a 6 de Dezembro de 327. Ignora-se-lhe a idade. Enterrado na igreja do mosteiro, do túmulo logo principiou a correr líquido miraculoso, que tinha a virtude de curar todas as doenças.
Erigida em sua honra uma soberba igreja por Justiniano, reparou-a Basílio com magnificência, em 1087.
Pilhando os turcos toda a Síria, o corpo foi transportado para Bari, na Apúlia, Itália, onde se conservou com grande veneração numa igreja magnífica em que o túmulo veio a ser dos mais célebres pelo número de milagres prodigiosos que se deram. (Livro Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XXI, pgs. 56 à 66)