Que é essa festividade que hoje celebramos, em união com a Igreja Celeste, triunfante no Céu? O martírio de João, o Batista! Este santo deixa o mundo desde sua primeira infância; deixa mesmo a casa paterna que era todavia uma casa de santos e retira-se para o deserto, longe do bulício dos homens, para só conversar com Deus. Tem como veste apenas um rude cilício de pele de camelo, um cinto também tão espantoso sobre os rins; como alimento, gafanhotos e mel silvestre; e na sede, água pura. Exposto às intempéries e não tendo outro retiro que os rochedos, sem recurso, sem servidores, e sem outra manutenção; essa a vida que leva João Batista, desde a infância.
Um dia os discípulos de João lhe vieram dizer: Mestre, aquele que estava convosco além do Jordão e a quem destes testemunho, batiza e todos vão a ele. Julgavam que tendo ele também vindo a João, para ser por este batizado, não se devia abandonar a João por ele. Escutemos a resposta de João: “O homem nada pode receber, se não lhe for dado pelo céu. Vós me prestais testemunho de que eu disse: Aquele de quem é a esposa é o esposo; mas o amigo do esposo que assiste e escuta é transportado de alegria pela voz do esposo. E por isso minha alegria completa-se. É preciso que ele cresça e que eu diminua”. Meditemos bem nestas últimas palavras.
Os discípulos de João viam, com uma espécie de inveja, que o mestre era abandonado para ir a Jesus. Seu mestre, ao contrário, estava no auge da alegria, por isso. Tinha vindo anunciar Filho de Deus feito homem, anunciá-lo como esposo da natureza humana, esposo da Igreja, esposo de nossas almas. Esse divino esposo tinha começado a fazer ouvir sua voz e João com isso ficou fora de si, pela alegria: está no auge de seus desejos. É preciso, diz, que cresça e que eu diminua. Palavras admiráveis! Quem nos dera imitá-lo? Quem nos dera procurar a glória de Jesus, às custas da nossa?
Os discípulos de João ficaram com inveja por causa de seu mestre. Algo de semelhante nos pode acontecer. Pode acontecer que no mesmo bem sejamos invejosos uns dos outros, que vejamos com pesar que outro faça melhor que a nossa. Ah! Meus irmãos ou irmãs, sejamos invejosos pela glória de Jesus, nosso mestre único. Que todos nos abandonem para ir a Jesus; que a glória de Jesus aumente, sem cessar e que a nossa diminua: como São João deveremos por isso estar no auge da alegria.
Herodes, o Tetrarca, tinha mandado prender João e o acorrentar na prisão, por causa de Herodíades, mulher de Filipe, seu irmão, a quem tinha desposado; porque João disse a Herodes: Não vos é permitido ter a mulher de vosso irmão. Herodíades queria fazê-lo morrer; mas temia o povo, porque se tinha a João por grande profeta. Entretanto, armava-lhe ciladas e o queria matar, mas não podia, porque também Herodes, que temia João, sabendo que era homem justo e santo, fazia-o conservar, agindo mesmo em muitas coisas por seu conselho e escutando-o de boa vontade.
Por fim, chegou um dia favorável: o do nascimento de Herodes, no qual ele deu um banquete aos príncipes, aos tribunos militares e aos principais da Galileia. A filha de Herodíades dançou diante de Herodes e de tal modo lhe agradou e aos que estavam à mesa, que ele lhe disse: Pede-me o que quiseres, e eu to darei. E jurou: Eu te darei tudo o que me pedires, mesmo que seja a metade de meu reino. Ela saiu e foi falar com sua mãe. Que pedirei? Sua mãe respondeu-lhe: A cabeça de João Batista.
Voltando imediatamente com grande ânsia para a sala, onde o rei estava, ela fez-lhe o pedido, dizendo: “Quero que me deis agora mesmo, numa bandeja, a cabeça de João Batista.” O rei ficou muito aflito; entretanto, por causa do juramento que tinha feito e daqueles que estavam à mesa, com ele, não aquis contristar, com uma recusa. Assim, tendo chamado um de seus guardas, ordenou-lhe que trouxesse a cabeça de João numa bandeja. E o guarda cortou-lhe a cabeça na prisão e a trouxe numa bandeja; deu-a à moça e a moça a entregou à mãe.
Os Apóstolos viam no martírio de João um comentário falante do que Jesus lhes acabava de dizer sobre os obstáculos que encontrariam no mundo. João tinha vindo anunciar a paz, reconciliar os pais com os filhos e prepará-los para a vinda de Cristo. O povo crê na sua palavra e o reverencia como a um profeta; mas os fariseus dizem que ele é possesso do demônio. O tetrarca da Galileia, Herodes Antipas, considera-o um justo e um santo, mas tem medo, porque aquele santo repreende-o de seus crimes, em particular de seu incesto. Herodes tinha desposado a filha de Aretas, rei dos árabes, mas tendo visto Herodíades, mulher de seu irmão. Herodes concebeu por ela uma paixão criminosa e prometeu-lhes despedir a primeira mulher para desposá-la. A lei de Moisés ordenava ao irmão desposar a viúva do irmão falecido, sem filhos. Mas Herodíades não era viúva, o marido ainda vivia, e tinha, dentre outras, uma filha, Salomé, a dançarina. Era então, sob todos os aspectos, um enorme escândalo.
Ademais, uma guerra surgiu entre Arestas e Herodes, onde os judeus sofreram sangrenta derrota. João defendia a causa de Deus e a causa da humanidade, quando disse: Não vos é permitido ter a mulher de vosso irmão. O justo é posto na prisão pelo culpado. Herodes teria querido o martírio de João, porém, uma coisa lhe impedia: o temor do povo. Chegou a festa de seu aniversário, dia de regozijo e de graças: estava sentado no banquete, entre prazeres; uma moça, a mesma cuja honra as censuras de João tendiam a vingar, recebeu a promessa de obter tudo o que lhe pedisse. Pedirá talvez a liberdade de João, seu vingador, seu benfeitor. Ela quer sua cabeça, entre outras iguarias da mesa. Ao público, teve-se o cuidado de dizer, como vemos no historiador Josefo, que isso se tinha feito por razões de estado, por medidas de alta política, para a segurança do reino, ao passo que era apenas um assassínio em favor do adultério e do incesto. E eis a história de todas as oposições, que o Evangelho ou a verdade encontram no mundo.
Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XV, p. 324 à 335.