Celebramos no dia 29 de agosto o martírio de São João Batista. Ele é um dos poucos santos que possui duas comemorações, a do nascimento e a da morte. Como se deu seu martírio? Em suas pregações, ele não apenas incentivava os bons, mas também increpava os maus. Ele já havia censurado fortemente os fariseus, e em determinado momento começou a increpar o próprio Herodes Antipas, tetrarca da Galileia. Antipas era filho de Herodes, o Idumeu - cognominado o Grande - e tornou-se rei da Galileia e Pereia. A palavra "tetrarca" significa chefe que governa um quarto de um país.
O tetrarca repudiou sua mulher e uniu-se com Herodíades, esposa de seu irmão Filipe, e além disso sua sobrinha. Antipas cometera, portanto, um duplo adultério e um incesto formal, pois o casamento com a cunhada era expressamente proibido pela Lei (cf. Lv 18, 16). São João Batista, sendo um varão intransigente, disse a Antipas que não lhe era lícito unir-se com a mulher de seu irmão, e por isso o tetrarca mandou aprisioná-lo na torre de Maqueronte - inacessível fortaleza construída por Herodes o Grande, localizada nas proximidades do Mar Morto, a 1158 m de altitude sobre o nível deste.
Alguns autores afirmam que São João Batista foi entregue ao tetrarca Herodes Antipas pelos escribas e fariseus. Vejamos o raciocínio que indica tal fato.
Certo dia, vieram alguns discípulos de João visitá-lo. E como em todas as partes se falava muito de Jesus, o Precursor mandou-lhes procurá-Lo e perguntar: "És Tu aquele que há de vir, ou devemos esperar um outro?" (Mt 11, 3). Evidentemente, João sabia que Jesus era o Messias, pois O apresentara de modo claríssimo: "Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo" (Jo 1, 29). "Depois de mim vem outro mais poderoso do que eu, ante o qual não sou digno de me prostrar para desatar-Lhe a correia do calçado. Eu vos batizei com água; Ele, porém, vos batizará no Espírito Santo" (Mc 1, 7-8).
O teor da pergunta mostra que os discípulos tinham uma noção falsa sobre o Messias, julgando que Ele restauraria o Reino de Israel, o qual dominaria todos os outros povos. E nesse reino os discípulos de São João Batista ocupariam altos cargos no campo político, financeiro, etc. São João Batista enviou-os, pois, confiante em que Nosso Senhor fizesse por eles o que pessoalmente ele não conseguira, e de que a conversa com o Mestre fosse ocasião para receberem uma graça que agisse no fundo de suas almas e viessem a se converter.
"Jesus respondeu-lhes: "Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo: os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados" (Mt 11, 4-5). Nosso Senhor completou a resposta dizendo: "Feliz aquele que não se escandaliza por causa de Mim!" (Mt 11, 6). Tais palavras são um sinal claro de que os discípulos de João Batista não aceitaram bem a mensagem e estavam com inveja da graça fraterna. Ao invés de se alegrarem por comprovar que outro fora favorecido pela benevolência de Deus, numa manifestação patente de seu poder, veem na Pessoa de Jesus uma sombra projetada sobre si mesmos.
Tendo concluído que o objetivo de Nosso Senhor não era a restauração do reino de Israel, sentiram-se frustrados, pois imaginavam que, pelo fato de haverem abandonado tudo para seguir o Precursor, seriam os primeiros junto ao Messias. Percebem agora que estão em segundo plano, e consumam o plano maléfico: entregar João Batista quando fosse possível.
Além do grande sofrimento de ver a má atitude de seus discípulos, São João Batista foi alvo do ódio de Herodíades, a qual queria matá-lo. Entretanto não o conseguia, "pois Herodes temia João, sabendo que era um homem justo e santo, e até lhe dava proteção. Ele gostava muito de ouvi-lo, mas ficava desconcertado" (Mc 6, 20). Por ocasião de seu aniversário, Antipas ofereceu um banquete aos principais da Galileia. A festa realizou-se numa das esplêndidas salas da Fortaleza de Maqueronte. Herodíades possuía uma filha chamada Salomé, que ela tivera de seu casamento legítimo com Herodes Filipe.
Em determinado momento da festa, Salomé entrou na sala e dançou. O mole e sensual Antipas disse à moça: "'Pede-me o que quiseres, e eu te darei". E fez até um juramento: "Eu te darei qualquer coisa que me pedires, ainda que seja a metade do meu reino." Ela saiu e perguntou à mãe: "Que devo pedir?" A mãe respondeu: "A cabeça de João Batista."
"Voltando depressa para junto do rei, a moça pediu: ‘Quero que me dês agora, num prato, a cabeça de João Batista. Imediatamente, [Antipas] mandou um carrasco cortar e trazer a cabeça de João. O carrasco foi e, lá na prisão, cotou-lhe a cabeça, trouxe-a num prato e deu à moça. E ela a entregou a sua mãe. Quando os discípulos de João ficaram sabendo, vieram e pegaram o corpo dele e o puseram numa sepultura" (Mc 6, 22-25. 27-29).
Procuremos aumentar nossa devoção a São João Batista, o qual era a própria expressão da limpeza de alma, porque o puro detesta o sujo, o reto detesta o sinuoso, o corajoso aborrece o covarde. Nisso ele era a severidade, essa virtude pela qual se rejeita o que deve ser rejeitado.