Se há alguém que atingiu tamanha proporção em todos os espaços sociais, está é Santa Joana d’Arc, a donzela de Orleans. Exemplo de cristã, de mulher, de soldado e de mártir, vítima de jogatinas políticas e descrentes, a virgem heroica brilha na pluma de todos que a consideram.
Um retrato, porém, chama nossa atenção neste dia 30 de maio, em que celebramos sua santa memória: não de um religioso, não de um padre ou comentarista católico, mas sim de um autor muitas vezes tido como irreverente e irônico: Mark Twain.
Grande nome da literatura americana, Twain tem clássicos entre suas obras que o imortalizaram, tais como As Aventuras de Huckleberry Finn e Tow Sawyer, livros que se passam no cenário no oeste norte americano, influenciados bastante pela Guerra da Secessão que o autor viveu (1835-1910).
Porém, em sua autobiografia, é o próprio Mark Twain que exclama: “Prefiro Joana d’Arc a qualquer outro dos meus livros e ela é, de fato, minha melhor obra; estou absolutamente convencido disso”. Tal seu agrado pela história contada.
O mais curioso é que Twain se encontrou com a Donzela de uma forma peculiar: aos 13 anos, quando ia aos estudos, passou-lhe uma folha de livro rasgada pela face, sendo arrastada pelo vento forte. Ele a colheu, e era justamente uma página de um manual de história francesa, que contava justamente uma das façanhas de Joana d’Arc. Seu entusiasmo cresceu pela virgem heroica, e várias vezes tentou uma abordagem para contar esse maravilhamento que teve com ela; porém, a demanda era tão grandiosa que foi somente em sua última obra publicada que sua obra Joana d’Arc viu à luz.
Inicialmente, Twain publicou em partes esta história no jornal local, através de um pseudônimo; mas o povo, sagaz, descobriu que era o grande literato que transcrevia as páginas que exaltavam a Donzela de Orleans, e ficaram enraivecidos disso. Deixaram de ler por birra, achando que um escritor do porte dele não poderia contar histórias religiosas.
Hoje, o livro de Mark Twain sobre Santa Joana é exasperadamente brilhante: diferente de tudo o que se lê em suas obras, há uma admiração genuína pela batalhadora, um encanto que não tem explicação natural. Infelizmente podado pela fé um tanto capante da doutrina protestante que não permite a veneração a santos, ele não consegue definir o que sente: em algumas passagens, ele faz referências a fadas e a árvores mágicas, pois não tinha material intelectual suficiente para entender os imponderáveis da graça e sua ação misteriosa.
Ele escreve sua obra pela pena de um contemporâneo da Donzela de Orleans, que ele apelida de Senhor Louis de Conte, secretário da virgem após esta receber sua missão de salvar a França. Ele nos conduz, então, pelos olhos do bom homem, mas católico pouco praticante, à admiração que engrandece o coração e a aquisição de uma fé tão grande que toma pela osmose da presença de Santa Joana d’Arc.
As passagens do livro são enternecedoras, a ponto de fazer chorar tanto o leitor como o protagonista do livro, que toda hora reafirma sua fé na Divina Providência pela sabedoria de ter suscitado a Donzela de Domremy; passamos pelos acontecimentos históricos e tomadas de posições da novíssima general, até sua traição, julgamento armado e condenação.
Mark Twain faz questão de demostrar para todos aqueles que leem suas páginas seu amor à figura de Santa Joana. Afinal, foi uma menina de 17 anos que ficou à testa de um exército nacional, salvou um reino falido e, na entrega final de sua vida, entendeu tudo de último relance, mesmo sabendo que sua participação na obra divina havia acabado.
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O relato da Donzela de Orleans pela pluma de Twain só nos evidencia ainda mais o poder de Deus em suscitar seus santos: mesmo para os que não tem fé, sua ação e piedade, sabedoria e discernimento são tão extraordinários que assombram e edificam. Fiquemos com alguns trechos do prefácio de Twain em seu livro Joana d’Arc, na ideia de que você, caro leitor, possa um dia aproveitar essa obra autêntica e indiscutível que atesta a santidade da Donzela.
“O contraste entre ela e o século em que viveu é o contraste entre o dia e a noite. Ela dizia a verdade quando mentir era a regra entre os homens; era honesta quando a honestidade era uma virtude perdida; mantinha a palavra quando as palavras já não tinham mais valor; entregou sua mente a grandes ideias e propósitos enquanto outras grandes mentes deixavam-se desperdiçar com futilidades e ambições mesquinhas”.
“Quando a esperança e aragem haviam perecido no coração de seu país, ela foi um baluarte de coragem. Nenhum vestígio de sua ação voltada para o seu próprio benefício pode ser encontrado em qualquer palavra ou ato seu”.
“Joana d’Arc, uma simples criança ignorante e iletrada, encontrou uma grande nação caída e acorrentada, seus soldados dispersos e desmotivados, o povo entorpecido e amedrontado por longos anos de opressão e ultrajes externos e internos, com seu rei acuado, resignado ao seu destino. Joana d’Arc colocou suas mãos sobre essa nação, esse cadáver de nação, fazendo com que ela se erguesse e seguisse em frente. E a recompensa que teve foi ver o rei da França, a quem ela mesmo tinha coroado, assistir passivo e indiferente enquanto padres franceses levaram aquela nobre criança, a mais inocente de quantas existiram, e a queimavam viva em uma fogueira”.
“Agora que sabemos de sua grandeza, agora que seu nome é conhecido em todo o mundo, parece estranho que estas minhas palavras sejam verdadeiras. É como se uma insignificante e perecível velinha de sebo se referisse ao sol eterno em sua trajetória. [...] Com o passar dos anos levados pela correnteza do tempo, toda essa história vai se tornando cada vez mais estranha, mais comovente, mais maravilhosa e mais divina. Foi com o passar do tempo que pude compreender Joana e reconhece-la por fim pelo que de fato foi ‒ um dos seres mais nobres que já passou por este mundo, à exceção de Um”.