Sabe-se que um dos principais mistérios da fé católica, junto com a encarnação, paixão, morte e ressurreição de Jesus, é o mistério da Santíssima Trindade. Inclusive, ao se fazer o sinal da cruz, ele é constantemente lembrado: “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.
Porém, sendo as Sagradas Escrituras a fonte de Revelação Divina ordinária, ou seja, a base das verdades que Deus nos comunicou, é possível achar provas da Santíssima Trindade em suas páginas? Sim e não. Isso quer dizer que a fé católica é uma grande mentira? Nem de longe. É preciso humildade para entender a revelação deste mistério na Bíblia, e por isso tantas pessoas não o encontram.
Como podemos ver em nossos estudos de História ainda no colégio, sabe-se que os gregos, já há bons séculos antes do nascimento de Cristo, tinha deduções impressionantes baseadas em raciocínios e lógica. Uma delas é a compreensão, ainda que limitada, da existência de um só Deus. Apesar de venerar um panteão recheado de deuses, o próprio Aristóteles, em sua Metafísica, nos conduz pela declaração de que não podem existir dois infinitos, ou seja, que não há dois deuses. Além disso, traz muitas ideias sobre a causalidade absoluta, sobre o motor imóvel, que um dia São Tomás irá se basear para dar sua doutrina final: “as cinco vias naturais para comprovar a existência divina”.
Com a Santíssima Trindade, porém, não há a possibilidade de o intelecto humano forjar tal doutrina: “Um só Deus, três pessoas”. Nossa cabeça não entende, e não entenderá jamais, não importa o nível de inteligência ou lógica aplicado. Diferente da existência de um Deus, que pode ser averiguado contemplando a criação, para notarmos a realidade da Trindade Santa, sem erros, é preciso uma revelação. E mesmo assim, nunca a compreenderemos de verdade, pois nossa capacidade humana não vai até lá.
Mas calma, isso é uma coisa boa: quer dizer que nosso Deus transcende, de longe, a inteligência humana. Um deus que é inteiramente compreendido pelo intelecto humano não é deus, é simplesmente um ser humano poderoso, um super-homem. E como vemos em tantos filmes ou quadrinhos, um super-homem erra tanto como qualquer um de nós, sendo imperfeito.
Portanto, tendo entendido que somente a Revelação pode nos dar a verdade sobre a Santíssima Trindade, é essencial que essas informações estejam nas Sagradas Escrituras. Entretanto, dado nosso nível de entendimento, e para não tirar o mérito de termos fé, Deus age de um jeito didático: ele imprime pegadas desse mistério para que, aplicados, possamos entender a verdade. Somos como um caçador experiente, que, para localizar a presa, não precisa enxerga-la; ele consegue reconhecer, por uma pegada, por um vestígio, que aquele animalzinho passou por ali, e há quanto tempo.
Na Bíblia, assim, temos vestígios da Trindade deixados por Deus, nosso Senhor, para que encontremos o mistério. Alguns deles são de fácil reconhecimento, outros exigem mais estudos e contextualização, mas nem por isso são falsos: Deus foi suficientemente sábio de sempre deixar uma ponta do mistério oculta para que o homem pratique a fé e diga: "apesar de tudo, sem ser evidente, eu creio”.
O primeiro que elenco aqui é a famosa passagem do Gênesis: “Façamos o homem a nossa Imagem e Semelhança”. A língua portuguesa, simplificada pelo tempo, possui apenas duas desinências que indicam quantidade: singular (1) ou plural (2 ou +). No hebraico antigo, porém, segundo os estudos de línguas e antropologia, existiam 4 desinências de quantidade: para 1, para 2, para 3 e para 4 ou mais coisas. O texto do gênesis, escrito pelo autor que parece ser Moisés, vem com a desinência que indica 3 pessoas. Erro? Coincidência? Para o homem de fé, não. É um vestígio da Santíssima Trindade que talvez nem o próprio Moisés tenha entendido, mas que ele registrou segundo lhe foi revelado.
Outro vestígio: ainda no Gênesis, quando Abraão ainda não havia feito a promessa com Deus, ele recebe a visita do Senhor, através, como o Profeta descreve, de três figuras idênticas que Abraão julga ser três anjos. Porém, quando a figura lhe fala, apenas uma voz ressoa, se identificando como o Senhor Deus. Outro: encontramos em passagens relatadas pelos profetas e reis sempre o elogio trino a Deus: santo, santo, santo, Senhor Deus dos exércitos, por exemplo. Por que será que sempre se repetia três vezes? Não é um vestígio da Trindade?
Existem vários nas Sagradas Escrituras. Mas um dos mais importantes é a Revelação de Jesus no novo testamento: “Ide e batizai todos os povos em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Nesta e em outras passagens chaves, como a da Transfiguração, do Batismo, Jesus nos dá o mistério completamente explicitado, ainda que não compreensível.
À sua criação, Deus quis legar certos vestígios, se bem que muito mais sutis e pálidos do que na Bíblia. Ele fez isso para que os povos, correspondendo bem à sua vocação, não deixassem de se beneficiar da verdade, que até aquele momento estava apenas entres os nativos hebreus.
Na história humana temos uma certa, uma leve intuição das mitologias para uma trindade: a cultura hindu fala de Brahma, Vishnu e Shiva; na Grécia, temos a trindade Zeus, Poseidon e Hades; no Egito, os grandes principais eram também três: Osíris, Íris e Hórus, retratados muitas vezes como uma família. Isso evidencia um certo descortinar das relações divinas, que, como dito no início, só era possível explicitar com uma Revelação formal, como a feita por Jesus.
Nas coisas criadas, temos algumas imagens, que vem mais a termos didáticos do que explicativos: São Patrício dava o catecismo explicando a Trindade com um trevo de três folhas. Para o Santo irlandês, esta pequena florzinha que crescia em tantos lugares na Irlanda era símbolo do mistério divino, um Deus (caule), em três pessoas (três folhas). Para Santo Agostinho, que tenta com muitos esforços desvendar o mistério, explica-lo em palavras humanas, ele entende a Trindade como o fogo, que é composto de chama, luz e calor, retratando o um em três.
De qualquer modo, todas são pálidas imagens que nos fazem refletir. Juntas com os vestígios na Bíblia, e explicitados nas passagens do Evangelho, temos um mosaico que, olhado com a distância certa, nos apresenta, ainda que muito veladamente, o mistério da Santíssima Trindade.