Durante os primeiros anos de seu pontificado, a península italiana atravessava uma das piores fases do conflito lombardo. Assim descreveu São Gregório aqueles dias calamitosos: "Por todos os lados vemos luto e escutamos gemidos. As vilas foram destruídas, os castelos demolidos, os campos tornaram-se desertos, a terra está desolada e já não há quem a cultive; poucos habitantes ainda ocupam as cidades. Estamos contemplando a que extremo foi reduzida Roma, a mesma que outrora parecia ser a senhora do mundo! Muitas vezes quebrantada por dores imensas, pela desolação de seus cidadãos, pelos ataques de seus inimigos e as ruínas frequentes... Nela desapareceu todo o esplendor das glórias terrenas. Desprezemos com toda a alma este mundo quase extinto, e imitemos a conduta dos santos".
Abandonada quase totalmente pelos bizantinos, a antiga urbe foi duas vezes sitiada pelos ferozes lombardos. Mas em ambas, graças à fortaleza e habilidade do novo Papa, o cerco foi levantado e eles se retiraram. Empenhado não na destruição, mas na conversão dos invasores, São Gregório assinou uma trégua com eles e procurou por todos os meios atraí-los à verdadeira Fé. Depois de não poucas tentativas, foi possível - graças ao fervor e à influência da princesa Teodolinda, filha do rei católico da Baviera e esposa do caudilho dos lombardos - batizar o filho do casal e preparar assim a futura conversão de todo o povo.
A sede de almas do Sumo Pontífice fez reflorescer para a Igreja todo o ocidente da Europa. Na Espanha, apoiou eficazmente São Leandro na difícil evangelização dos visigodos arianos. Quando, por fim, o monarca dessa nação abraçou a religião verdadeira, escreveu S. Gregório, cheio de júbilo: "Não posso exprimir com palavras a alegria que sinto porque o glorioso rei Recaredo, nosso filho, aderiu à Fé católica com sincera devoção".
A Gália mereceu especial atenção do santo Papa. Travou ele boas relações com os soberanos francos, renovou o clero decadente e simoníaco, ordenou a convocação de sínodos e procurou com energia pôr fim às cruéis práticas pagãs que ainda perduravam.
Outro lugar onde pôde São Gregório manifestar todo seu ardor missionário, foi na conversão da Grã-Bretanha. Outrora província do Império, esta ilha tinha sido evangelizada já nos primórdios do Cristianismo. Porém, invadida e dominada pelas tribos dos bárbaros anglos e saxões, a luz da Fé quase se havia apagado. O Pontífice não poupou esforços na conversão desse povo: estabeleceu uma casa de formação em Roma para os jovens anglo-saxões, conseguiu que um dos seus reis contraísse núpcias com uma princesa católica da França e, sobretudo, para lá enviou um grande número de missionários. Destacou-se entre eles Agostinho, que mais tarde seria Arcebispo de Cantuária e que, segundo narram as crônicas, batizou mais de 10 mil neófitos no dia de Pentecostes de 597. Sem dúvida, a conversão deste povo constitui o episódio culminante da obra evangelizadora de São Gregório.
Vox populi, vox Dei: Gregório foi, sem dúvida, o varão providencial escolhido por Deus para governar a Igreja naqueles tempos difíceis e decisivos. Tendo vindo à luz no ano de 540, numa nobre e antiga família romana, acompanhou o desenrolar de tragédias naturais e humanas que se abateram sobre a Grande Cidade: os campos ficaram alagados, perderam-se as colheitas e quase todos os rios transbordaram, destruindo pontes e inundando muitas vilas e cidades. Em Roma, o manso Tibre tornou-se uma torrente impetuosa. Saindo de seu leito e atingindo um nível jamais visto, as águas devastaram a cidade e submergiram no lodo seus bairros menos elevados. O inverno e o novo ano chegaram, e a chuva não cessava de cair.
Ainda a catástrofe atingiu proporções apocalípticas: à destruição e à fome acrescentou-se uma epidemia de peste bubônica que se alastrou rapidamente, dizimando a população. Roma agonizava, e muitos se perguntavam se não haveria chegado já o fim do mundo. Foi aí, nesse momento que, sentindo-se desamparados no meio da borrasca, os olhos de todos voltaram-se para a única Luz do mundo: às igrejas acorriam dia e noite os sobreviventes, implorando um raio da luz divina para dissipar as angústias e incertezas que obscureciam o horizonte.
Por isso, os romanos do final do século VI perceberam, admirados, que a luz divina já brilhava para eles num límpido espelho. Então o clero, o senado e todo o povo aclamaram a uma só voz: "Gregório Papa!" Foi Gregório a "luz da esperança" que refulgia naquele ocaso de uma civilização.
Trechos adaptados da Revista Arautos do Evangelho, Set/2008, n. 81, p. 32 à 37.
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