Muito nos fala Jesus de tomar cuidado com as riquezas da Terra. Encontramos alguns destes trechos no Evangelho: “É mais fácil passar um camelo pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos Céus”, “onde está teu tesouro, aí está seu coração”, “atenção, tomai cuidado contra todo tipo de ganância”, entre outros. São Mateus, que é o escritor quem nos transcreve estes trechos, era cobrador de impostos. Como foi sua relação com o dinheiro antes de Jesus? E mais importante: como se tornou ele digno de empunhar a pluma do Espírito Santo e nos entregar o Primeiro dos Evangelhos?
Antes de refletirmos sobre as perguntas acima, é necessário que entendamos a importância do Evangelho de São Mateus. Escrito entre os anos de 60 e 65 d.C., a nota tônica deste livro é ser uma ponte entre o Novo e Antigo testamento. Isto porque São Mateus tem a missão de ilustrar como Jesus era a resposta para as profecias feitas no passado.
Em mais de doze trechos, após narrar as ações de seu mestre, São Mateus faz a correlação: “porque assim estava escrito” ou “para se cumprir o que se havia predito”. O início do seu Evangelho também reflete o seu intuito de ligar Jesus ao cumprimento da promessa, pois ele dá toda a genealogia do Filho do Homem, começando por Adão, passando por Abraão e Davi, até a Virgem Santíssima e São José, os santos esposos de Belém. São Mateus, então, escreveu seu Evangelho principalmente para mostrar aos judeus que Jesus é o Messias das profecias do Antigo Testamento, que Ele é o digno Rei dos Judeus.
Como vimos, a missão do evangelista era primordial, pois deus não abandonaria o seu povo eleito. Eles receberiam a Revelação de primeira mão; é o que retrata o Atos dos Apóstolos onde São Pedro cuidaria de modo especial da evangelização em Israel e São Paulo se dedicaria com igual fervor aos gentios. De onde, porém, tem São Mateus essa divina inspiração de retratar seu Mestre como o rei de seu povo?
Em física, aprendemos que todo movimento é causado por um impulsionamento. Quando mais forte for esse contato, mais o movimento continuará, apesar de todas as forças que se opõe a ele. No relacionamento das almas, acontece a mesma regra: muitas vezes, é a intensidade de um contato o responsável por fazer um movimento perdurar para sempre. Sendo assim, é necessário nos voltarmos para o primeiro contato do evangelista com Jesus, na Galileia, nos idos anos de sua pregação.
Quem nos conta é São Marcos, seu irmão na fé: “Naquele tempo, Jesus saiu de novo para a beira mar. Toda a multidão ia a seu encontro, e Jesus os ensinava. Enquanto passava, Jesus viu Levi, o filho de Alfeu, sentado na coletoria de impostos, e disse-lhe: “Segue-me!” Levi se levantou e o seguiu”. (Mc 2, 13-14).
Cristo sabia o quanto eram odiados, pela sua aliança com os romanos, os cobradores de impostos. Como sua profissão consistia em arrancar dinheiro de seu próprio povo para dar a usurpadores, tais eram marginalizados, com suas famílias inteiras odiadas e evitadas. Isto fazia com que os cobradores de impostos se reunissem e vivessem quase que exclusivamente entre eles mesmos.
Jesus sabia desta má fama, que muitas vezes era justificada, tais os pecados de ganância e maldade que exerciam. Mas o Homem-Deus lia corações, o que transcendia qualquer “achismo”. Ali, naquela coletoria, Ele viu a intensidade do chamado de Levi, e o convocou: "Segue-me". Com que notas e tonalidades não terão vindo este pedido! Foram o suficiente para arrancar Mateus de seus pecados, de suas sonolências, e levá-lo a maior glória de uma criatura: digno de narrar os feitos do Salvador!
Como conclusão deste trecho, São Marcos narra que Levi deu um banquete em sua casa para o Divino Mestre. Lá, os fariseus começaram a caluniá-lo, dizendo que seria errado comer com tais pecadores. É quando Jesus nos presenteia com uma linda lição: “Não vim para os sãos, mas para os enfermos; são eles que precisam de médico”. São Mateus é o exemplo supremo desta medicina. Curado de alma, dedicou sua existência para seguir Cristo até sua morte, que se daria num reino longínquo de sua terra natal, cercado de rostos queridos, novos cristãos. Seu último olhar o dedicou ao Céu; sabia que em breve se reuniria a seu Mestre. Com certeza ouviu mais uma vez: “Segue-me!”, e isto o tranquilizou.
São Mateus é exemplo de conversão para nós. Ele nos mostra que, por pior que tenha sido nossa vida, por pior que tenha sido nossas escolhas, Deus sempre nos chama para que o sigamos. E não nos enganemos: é só ali, no regaço divino, que encontraremos felicidade. E, em consequência, Deus nos transforma: de cobradores de impostos do inimigo, de vazios e ensoberbecidos pela nossa própria fraqueza, recebemos a primazia e o reinado da graça. Que hoje rezemos mais para sermos mais como São Mateus, e menos como Levi.