Celebrado no dia 17 de outubro, discípulo santo de São João Evangelista, Inácio de Antioquia se destaca como uma estrela na constelação dos santos. Viveu no início da propagação da mensagem do Evangelho, e há quem diga que conheceu o próprio Jesus, quando ainda era um meninote. Para comemorarmos com piedade sua festa, vale a pena lembrar aqui duas de suas missivas, mandadas a dois públicos distintos: a carta aos Romanos, enviada para os fiéis da Península Itálica, e a carta a Policarpo de Esmirna, que tinha em Santo Inácio o seu mestre e zeloso pai espiritual.
De ambas se desprende um maravilhoso perfume que atesta a santidade e integridade do Santo padroeira de Antioquia. Ao ler alguns de seus trechos, podemos traçar um paralelo da personalidade e caráter deste campeão de Cristo.
“Inácio, também chamado Teóforo, à Igreja que recebeu misericórdia pela grandeza do Pai altíssimo e de Jesus Cristo, Seu Filho único, Igreja amada e iluminada pela vontade d’Aquele que escolheu todos os seres, isto é, segundo a fé e a caridade de Jesus Cristo nosso Deus, ela que também preside na região da terra dos romanos, digna de Deus, digna de honra, digna de ser chamada bem-aventurada, digna de louvor, digna de êxito, digna de pureza, e que preside à caridade na observância da lei de Cristo e que leva o nome do Pai”.
Percebe-se aqui a gentileza de trato que Santo Inácio possuía. Este é um traço característico dos santos: não tratam as pessoas segundo elas são, mas de acordo com sua vocação. Sabemos que Luz Primordial é um termo usado para descrever o ponto especial e único que cada ser humano possui e que deve representar de Deus; por isso, Santo Inácio se dirige à comunidade romana não vendo as falhas ou misérias naturais, mas sim este particular chamado que reluzia na Igreja de Roma.
“Não quero que procureis agradar a homens, mas que agradeis a Deus, como de fato agradais. Nem eu terei jamais igual oportunidade de chegar a Deus, nem vós, caso calardes, jamais haveis de ligar vosso nome a obra melhor. [...]. Pois, se calardes a meu respeito, serei palavra de Deus; se, porém, amardes minha carne, não passarei de novo a ser senão uma voz. Não queirais favorecer-me, senão deixando imolar-me a Deus”. Isto diz Santo Inácio porque o povo romano pedia com ardentes súplicas a Deus que o santo de Antioquia fosse poupado do martírio, do qual já experimentava o começo estando preso. Mas Inácio pede que seus conterrâneos não rezem para que sua vida seja salva, mas sim sua alma, e que ele pudesse receber esta glória tão insigne que era o martírio.
“Já não quero viver à maneira de homens. [...]. Apoiai, para também receberdes apoio. [...]. Rezai por mim, para que chegue até lá”. Aceitando os maus tratos e os sofrimentos, Santo Inácio pede, portanto, humildemente, como sendo o último dos homens, para que rezem pela sua perseverança, e não pela sua segurança.
Outro tom, porém, corresponde a carta a seu discípulo, São Policarpo. Inácio de Antioquia passa da posição de súdito para mestre, e podemos sentir em suas palavras dedicação e observância que ele mesmo cumpria.
“Foge dos maus hábitos; e diante do povo fala contra eles. [...]. A meus irmãos ordena em nome de Jesus Cristo que amem suas esposas como o Senhor ama a Igreja”. Santo Inácio de Antioquia está, nesta carta, pastoreando uma última vez o rebanho que lhe fora confiado, e brande o báculo para que as ovelhas se sintam seguras. Ele cobra da autoridade eclesiástica, que mais tarde seria exercida por São Policarpo, um procedimento impecável, uma conduta irrepreensível, tanto na ação quanto na orientação.
“Vosso batismo seja a vossa arma; a fé, o vosso capacete; a caridade, a vossa lança; a paciência, a vossa armadura completa. As vossas obras sejam vosso depósito para receberdes em justiça o que vos é devido. Sede generosos e longânimes uns com os outros, com mansidão, assim como Deus em relação a vós”. Ele sabia que de nada adiantava uma evangelização constante se o exemplo não é dado. Por isso alerta a todos que precisem ouvir, como Jeremias: “Ai dos pastores que destroem e dispersam as ovelhas do meu pasto, diz o Senhor” (Je 23, 1).
“O cristão não tem poder sobre si: é todo de Deus. Esta é obra de Deus e vossa, quando a tiverdes realizado. Espero em vossa prontidão para toda e qualquer obra de Deus”. E a História nos conta que seu discípulo alcançou santidade tanto quanto seu mestre: hoje o invocamos como São Policarpo de Esmirna, mártir. A ele, que observou com atenção as palavras de Santo Inácio de Antioquia, foi dada a também a graça de compartilhar a mesma morte.
Em sua primeira carta, Santo Inácio lembra da magnitude da vocação dos cristãos, seus prêmios e suas glórias; já na segunda, o santo recorda dos deveres que tal vocação comporta. E este arco perfeito e harmônico define o homem de Deus: estabelece os princípios e não cede perante a multidão de errados, mas é o primeiro e muitas vezes o único a estar de braços abertos para receber o penitente.
Peçamos a Santo Inácio de Antioquia esta mesma nobreza de caráter, que enfrenta com fé os desafios que o mundo impõe, sempre pronto a dizer as palavras mais generosas aos perdidos ou àqueles que querem retornar ao bom caminho.
Ft. Liturgia das Horas