O bem-aventurado Amadeu, nono com esse nome, duque de Sabóia, nasceu em Tonon, em 1° de Fevereiro de 1435, de Luís II e de Ana, sua esposa, filha do rei de Chipre. A princesa, sua mãe, quis cuidar pessoalmente de sua infância e educação, deixando para o duque, seu pai, a escolha dos estudos e dos exercícios próprios a formá-lo segundo a descendência. Dedicou-se inteiramente a educá-lo de acordo com a santidade do cristianismo. Inspirou-lhe bem cedo vivo horror ao pecado e esforçou-se por preveni-lo contra as seduções da grandeza e as ciladas que o mundo prepara sem cessar às fraquezas dos príncipes.
A piedade do jovem duque manifestou-se desde o berço. Assim, não se podia causar-lhe maior prazer do que ensinar-lhe alguma nova prática de devoção. A missa tinha o lugar dos divertimentos e não descansava dos estudos, senão com leituras piedosas. Educado no seio da opulência e das grandezas, em uma das cortes mais brilhantes da Europa, nada foi capaz de demover-lhe o coração e seduzi-lo. A freqüente recepção dos sacramentos, acompanhada de austeridades secretas eis os remédios que empregava para se preservar das funestas impressões de tudo quanto o cercava.
Jamais um príncipe foi tão querido e mereceu tanto como ele o amor do povo. Sabia aliar muito da grandeza e da nobreza à bondade e à afabilidade para com todos os que dele se aproximavam. Sua felicidade era causar aos outros e ser-lhes útil.
Com a idade de dezessete anos, Amadeu desposou Iolanda de França, filha de Carlos VII e irmã de Luís XI, à qual fora prometido desde o berço. Nada mais acertado do que essa união. Os dois jovens esposos tinha o mesmo gosto pela piedade, o mesmo afastamento do luxo, a mesma inclinação para todos os gêneros de boas obras.
Assim a corte em breve mudou de feições, e todos os senhores se mostraram pressurosos em ter o único comportamento capaz de agradar os soberanos. Eis o que diz a esse respeito um antigo historiador:
"Não se suportavam os blasfemadores, nem os perjúrios, tão poucos pérfidos e os velhacos. Todos esses vícios eram banidos da corte. Se o mais honrado dos cortesãos tivesse sido convencido de ter falado uma só blasfêmia, ainda que todos os potentados da terra tivessem falado por ele, não permitiria Amadeu, por mais uma hora, que continuasse em sua casa. Foi com seu exemplo que um príncipe de Milão mandou construir uma capela que ficou sendo chamada capela dos blasfemadores, porque fora construída com as multas dos cortesãos que tinham sido surpreendidos blasfemando". Se o primeiro dos oficiais fosse um libertino, era despedido do serviço. Tinha por máxima que devia sempre ser servido em primeiro lugar, e que o espírito da religião deve reger todos os pormenores do nosso comportamento.
À oração da manhã, seguia-se leitura espiritual, com a qual acompanhava a missa, imbuído de profundo respeito e recolhimento tão edificante, que era costume ouvir-se que bastava ver o duque de Sabóia à missa, para se adquirir devoção.
Em seguida ia para o conselho, onde examinava em primeiro lugar as causas dos pobres, das viúvas e dos órfãos. A injustiça podia estar encoberta da melhor maneira possível, que de nada adiantava, pois os olhos penetrantes do príncipe sabiam descobri-la, sob qualquer disfarce com que se procurasse apresentá-la.
A caridade para com os pobres era para o piedoso Amadeu verdadeira paixão. Dizia-se que tinha em suas mãos o poder de soberano para socorrer os infelizes. Sua felicidade constituía em distribuir esmolas. Cada dia alimentava grande número de pobres, nos palácios. Os mais repugnantes e mais hediondos eram sempre os mais bem recebidos. Ele mesmo os servia à mesa. E, como, por causa disso, alguns cortesãos pretendessem fazê-lo ver que aquilo rebaixava a dignidade real, contentou-se com perguntar-lhes friamente se acreditavam no Evangelho. Depois acrescentou: "Lembrai-vos de que Jesus Cristo toma como feito a ele mesmo o que é feito ao mais humilde dos seus; e que grande honra para um príncipe servir Jesus Cristo".
Seus ministros lhe disseram um dia que as esmolas lhe arruinavam as finanças e que lhes parecia mais útil fortificar as praças de guerra e formar novas tropas do que alimentar tantos vagabundos. "Louvo o vosso zelo, respondeu imediatamente o bem-aventurado Amadeu. Mas, sabei que as caridades que um príncipe faz aos pobres são as mais seguras fortificações de um estado, e que os pobres são as melhores tropas; e o segredo para fazer reinar a abundância está no fazer esmolas aos infelizes." A Sabóia foi chamada durante seu reinado, de paraíso dos pobres.
Um dia, ao passar por uma rua da capital, o bem-aventurado Amadeu ouviu um pobre obreiro queixar-se amargamente do aumento de despesas que um novo imposto fazia pesar sobre o povo. Perguntou imediatamente aos ministros se não era possível diminuir aquele tributo. E como estes alegassem necessidades prementes e imperiosas, o príncipe tirou do pescoço a corrente de outro que usava e ordenou fosse transformada em moedas, a fim de que seus súditos fossem aliviados.
Embora inimigo do luxo, Amadeu sabia, quando o brilho de sua posição o exigia, demonstrar sábia magnificência. Assim foi que, quando apareceu na corte de França, causou grande admiração pelo brilhante cortejo e pela beleza da comitiva de que estava acompanhado.
Durante os últimos anos de vida, cuidou com especial cuidado da educação dos filhos, os príncipes. Sentia que a sorte dos seus estados, após sua morte, dependia em parte do cuidado que tinha em inspirar-lhes sentimentos dignos de sua condição e de acordo com as máximas da religião. Não negligenciou nada para fazer deles dignos sucessores.
O fim de sua vida foi marcado por grandes enfermidades, as quais suportou com coragem e resignação. Mas em nada mudaram suas austeridades habituais; apesar dos sofrimentos, não deixava de entregar-se a jejuns muito freqüentes. Quando sentiu, na ocasião da última doença, que não lhe restava senão pouco tempo para viver, declarou a duquesa, sua esposa, regente de seus Estados. E chamando os principais senhores, que se desfaziam em lágrimas, lhes disse: "Recomendo-vos os pobres e os infelizes. Distribuí largamente entre eles vossas esmolas, que o Senhor derramará sobre vós suas bênçãos. Fazei justiça sem distinção de pessoas. Fazei com que a religião floresça e que Deus seja bem servido." Pouco depois, expirou, tendo recebido o santo viático e a extrema-unção com renovado fervor, no dia 31 de Março de 1572, em Vercelli, com apenas 37 anos de idade.
Seu corpo foi enterrado na igreja de Santo Eusébio, sob os degraus do altar-mor, de acordo com seu pedido. Estavam todos persuadidos de sua santidade, que os bispos que assistiam aos funerais discutiram longamente se era necessário rezar a missa dos defuntos, para se conformarem com os costumes da igreja.
Por fim, o arcebispo e Turim rezou a missa da Santa Virgem e o bispo de Vercelli a do Espírito Santo. Deus, que havia manifestado mais de uma vez as grandes virtudes de seu servo, durante a vida, declarou-lhe a santidade após sua morte por grande número de milagres. O bispo de Vercelli relata-nos trinta e oito deles.
Foi o que determinou o Papa Inocêncio XI permitir ser rezada a missa e o ofício em honra do bem-aventurado Amadeu em todos os estados do duque de Sabóia.
(Livro Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume V, p. 412 à 416)