Apesar de haver ele disposto no testamento que seus funerais fossem sóbrios como correspondia a um membro da Companhia de Jesus, quis o Papa Gregório XV dar grande solenidade às exéquias daquele Cardeal que tanto bem fizera à Igreja de Cristo: o Reverendíssimo Senhor Belarmino. Vejamos algumas de suas facetas, no estudo, na vida sacerdotal de pregação, e na qualidade de purpurado, com as honras de cardeal. O mais importante é notarmos que em todos estes estados de sua existência, reinou sempre uma santidade crescente que o fez e faz exemplo para todo povo de Deus.
Apesar de ter compleição débil e enfermiça, sua inteligência era agudíssima. Possuía, ademais, uma memória tão privilegiada que lhe bastava uma simples leitura para reter o conteúdo de um livro. Assim, marcantes foram os êxitos acadêmicos. Na defesa de sua tese de filosofia se salientou pela segurança e clareza de raciocínio com que expôs a matéria e respondeu às objeções propostas. Isso lhe valeu o cargo de professor de Humanidades no Colégio de Florença, apesar de seus 21 anos.
Além das aulas, recebeu também a incumbência de pregar aos domingos e dias santos diante de prelados e eclesiásticos, bem como do escol intelectual da cidade. Os categorizados ouvintes admiravam-se, mais do que por sua eloquência, por vê-lo praticar de forma coerente aquilo mesmo que lhes pregava nos sermões. Doze meses depois, o jovem Roberto foi enviado como professor de retórica a Mondovi, onde permaneceu durante três anos. Ao ouvir ali uma das suas pregações, o padre provincial o encaminhou a Pádua, para os estudos de Teologia a fim de receber as ordens maiores.
Em vista dos rápidos progressos que lá fizera, São Francisco de Borja, então Superior Geral, determinou sua ida para Lovaina, onde se precisava de homens de talento para defender o Depósito da Fé, fortemente questionado na época pelos intelectuais luteranos.
Em Gante, a 25 de março de 1570, recebeu Roberto o presbiterado. Nesta época, na Igreja, renhidas polêmicas marcavam as conversas. Os problemas levantados pelos protestantes levaram o padre Belarmino a estudar o hebraico, a fim de adquirir uma segurança exegética ainda maior. Chegou a compor, para seu uso, uma gramática dessa língua, que acabou sendo também de grande ajuda para seus alunos. São Roberto estudou ainda com afinco os Padres da Igreja, os Doutores, Papas, Concílios e a História da Igreja. Aparelhou-se, assim, para uma forma de ensino sólida, orientada para um gênero de apologética na qual os erros eram sempre impugnados com respeito e prudência.
Foi o período mais fecundo de sua vida. As principais universidades da Europa, inclusive a de Paris, disputavam-no como professor de Teologia. Até mesmo São Carlos Borromeu chegou a solicitá-lo para Milão. Contando apenas 30 anos de idade, arcava com imensas responsabilidades pastorais e acadêmicas, das quais se desempenhava com virtude e talento. Isso levou os superiores a adiantarem sua profissão solene.
São Roberto encarregou-se de lecionar em uma cátedra de apologética chamada Controvérsias, criada pelo Papa Gregório XIII com o objetivo de ensinar a verdadeira doutrina contra os erros que pululavam nos centros universitários. O santo se ocupou dela por doze anos, durante os quais refutou primorosamente as objeções dos protestantes. Seus ensinamentos durante esse longo período foram compilados, por ordem dos seus superiores, na monumental obra Controvérsias.
Até mesmo os protestantes deram testemunho da eficácia e valor desta obra. Guiène reconheceu o santo jesuíta, por si só, valer por todos os doutores católicos. Bayle confessou não ter havido nenhum autor que tenha sustentado melhor a causa da Igreja. E ficou célebre a confidência do sucessor de Calvino, Théodore de Bèze, ao desabafar com seus amigos, batendo com a mão nas Controvérsias: "Eis o livro que nos deitou a perder".
Assim, a fé viva e a profunda sabedoria do Santo, bem como seu método tomista de argumentar - começando sempre por expor com imparcialidade as razões e argumentos apresentados pela parte contrária - foram de incalculável valor para a defesa da Igreja. E se a maior parte da Áustria e quase um terço da Alemanha ainda hoje permanecem católicos, podemos afirmar se dever isso, em boa medida, ao apostolado de São Roberto Belarmino. "Ó! Se soubésseis quantos filhos restituístes a Cristo!", escrevia-lhe o Duque Guilherme da Baviera, ao pedir-lhe licença de traduzir as "Controvérsias".
A fecunda atuação de São Roberto Belarmino na Cidade Eterna não se circunscrevia ao Colégio Romano, do qual passaria, em 1592, a ser Reitor. Entre outros encargos, foi ele teólogo do Papa Clemente VIII, consultor do Santo Ofício e teólogo da Penitenciária Apostólica. Fez também parte da comissão encarregada de preparar a edição Clementina da Vulgata, versão oficial da Bíblia para o rito latino até 1979, quando foi substituída pela Neovulgata.
Sua nomeação como Cardeal era inevitável. Ele, porém, recusava-se a aceitar o cargo, alegando incompatibilidade com seus votos. Mas o Papa Clemente VIII o obrigou a aceitar em nome da Santa Obediência, afirmando: "Nós o elegemos porque não há na Igreja de Deus outro que lhe equipare em ciência e sabedoria". Com o mesmo espírito religioso, desinteresse e abnegação que o caracterizaram até aquele momento, dedicou-se aos trabalhos, muitas vezes espinhosos, exigidos aos prelados romanos. Mas em 1602, Clemente VIII o liberou da pesada carga nomeando-o Arcebispo de Cápua, conferindo-lhe ele mesmo a ordenação episcopal.
Ao sentir se aproximar a morte, São Roberto Belarmino pediu ao recém-eleito Papa Gregório XV dispensa de todos os seus cargos na Cúria e retirou-se para o Noviciado de Santo André, no Quirinal, a fim de "esperar o Senhor", como costumava dizer. E Ele chegou em 17 de setembro de 1621. Depois de curta enfermidade, tendo recebido a visita de muitas pessoas ilustres - incluindo o próprio Papa -, que lhe pediam um último conselho ou uma bênção, despediu-se desta terra com uma sereníssima morte. Pio XI o canonizou em 29 de junho de 1930, e o declarou Doutor da Igreja no ano seguinte. Aquele que, durante a vida, com tanto empenho fugira de honras e dignidades, tornava-se assim o único jesuíta inscrito na lista dos santos como Cardeal e como Bispo.