Pareceu-me conveniente fazer hoje o comentário de um santo cuja figura é especialmente oportuna evocar aqui nas terras do Novo Mundo. O homem era espanhol - São Francisco Solano - e foi apóstolo de toda a América do Sul. De maneira que vamos comentar algo da biografia dele.
São Francisco Solano recebeu essa graça, quão rara e quão preciosa em nossos dias, de comunicar o gosto, a alegria pelas coisas santas. Hoje nós estamos numa época em que existe apenas a alegria das coisas do mundo. Ninguém tem alegria da virtude, alegria de estar servindo a Nosso Senhor. Ninguém tem esta alegria. São Francisco Solano foi chamado por Deus para comunicar essa alegria.
Não se trata de uma alegria tonta, de piada, de brincadeira. Trata-se de ser alegria sem fazer piada boba, sem fazer brincadeira, sem ser palhaço. Trata-se de ter a alegria da seriedade, que é a mais nobre e a mais alta das alegrias. É disso que se trata.
A alegria dele era tão singular que, sempre que ele estava diante do Santíssimo Sacramento ou então quando ele via o Menino Jesus nos braços de Nossa Senhora, numa imagem, ele tinha tanta alegria diante do Santíssimo Sacramento, tanta alegria em ver o Menino Jesus tão bem alojado no braço de Nossa Senhora, que ele muitas vezes ia para o interior do Convento e chamava todos os Padres: "Padre, venha ver! O senhor não se alegrou ainda? Olha aqui como o Menino Jesus está bem aqui com Nossa Senhora nesta imagem! Assim viveram na terra. Vamos nos alegrar!"
E quando ele se tomava de muito entusiasmo, ele puxava o violino, tocava o violino, cantava e dançava diante da imagem, ou diante do Santíssimo Sacramento
Compreende-se que não se trata, de nenhum modo, desse saracoteio selvagem que hoje tem o nome de dança. Eram movimentos rítmicos de grande candura, de grande nobreza, de grande elevação, de grande pureza, evidentemente. Eram... assim como os sentimentos da alma podem se exprimir pelo ritmo da música, podem exprimir-se pelo do corpo também.
Isso é também bonito: ele tocava e cantava canções populares para agradar ao povo. Mas esses contrastes harmônicos me encantam! Para agradar ao povo, canta canções religiosas populares. Mas é um espírito elevadíssimo, que compreende a superior beleza da liturgia, todo o pensamento teológico, toda a piedade, todo o sobrenatural que há na liturgia e, portanto, também, na arte litúrgica, na música litúrgica, tudo o mais. E que exige esse esplendor para a Liturgia. Quer dizer, o espírito dele é enorme. Abarca os dois extremos.
Isto é o que eu gosto de ver: almas largas, abertas, capazes de se entusiasmar pelos opostos não contraditórios, mas extremos. Isto é que é categoria! Assim era São Francisco Solano.
O santo andava pela cidade tocando violino e a criançada saía correndo atrás dele para ver, porque se interessava. Aí ele parava e dava um cursozinho de Religião para os meninos. A gente pode imaginar que curso gracioso, interessante, não é?
Como enchia de criançada, os mais velhos iam assistir. Quando ele percebia que os mais velhos estavam bem empenhados em assistir o curso também, ele transformava o curso de catecismo em sermão para os mais velhos. E aí exprobrava, increpava nos mais velhos os maus costumes, os maus hábitos, etc. Incutia uma virtude tal que os mais velhos ficavam sem ter como se esquivar.
Quer dizer, através dos meninos, ele formava pela candura dos inocentes, ele formava uma roda: o menino ia ver o frade, o homem ia ver o menino e o frade falava para o homem. Era um circuito perfeito. E aí ele caía em cima dos hábitos renascentistas que se espalhavam naquele tempo, etc. Um apóstolo exímio!
Certa vez, em suas fainas apostólicas, São Francisco Solano estava muito cansado de andar e, embora estivesse se sentindo observado, quando ele parou perto de uma fonte, ele estava com sede, curvou-se para beber.
A cena já é linda, não é? Uma floresta virgem, um frade franciscano com aquele burel, que para e ajoelha junto a uma fonte borbulhante e bebe aquela água. Se persigna, bebe a água e depois então ele fica descansando um pouco.
Enquanto ele descansava, ele ouviu o canto de passarinhos em grande número na floresta, e o murmúrio da água. E como ele tinha um gênio altamente musical, ele resolveu então acompanhar com o violino - quer dizer, ele compôs - o murmúrio das águas e o canto dos passarinhos.
Quem de nós não teria um empenho enorme em conhecer a música com que ele acompanhou o gorjeio dos passarinhos e o murmúrio das fontes?
Porém, logo em seguida, ele sente uma seta que passa perto da orelha dele e vai se cravar numa árvore. Era aviso que eles davam. Porque eles são de uma pontaria certíssima. Eles faziam assim para o sujeito entender o que ia acontecer... mas ele continuou.
Aí ele vê um carão emergir do meio da vegetação. Era um índio. Ele foi ver, era o cacique da tribo feroz que ele procurava. Ele deixou o violino e todo irradiante de amor de Deus, ele foi ao índio para abraçá-lo. Parecia ser o martírio, não é? Entretanto, o índio se comoveu. O índio se deixou-se tocar, levou-o para a tribo e ele começou a evangelizar seus habitantes.
Trechos de conferência de Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, de 16 de agosto de 1974, sem revisão do autor