No dia 7 de Janeiro de 1844, nascia em Lourdes, na França, aquela que, 14 anos mais tarde, ia ser a confidente da Imaculada Conceição - Bernadete, "o maior e o mais estupendo milagre de Lourdes", como disse alguém.
A 11 de Fevereiro, vimos as aparições de Nossa Senhora de Lourdes. Aqui, pedimos licença para citar algumas passagens da obra de Mons. Ascânio Brandão (1), um dos mais carinhosos trabalhos sobre "a vidente de Lourdes, a pequena pastora tão inocente e encantadora dos Pirineus que a Santa Igreja elevou às honras dos altares."
No dia 7 de Janeiro de 1844, numa casa de gente muito pobre, na encosta dos Pirineus de Lourdes, nascia uma criança, primeira filha do casal Francisco Soubirous e Luísa Cartérot.
Dois dias após, o pároco de Lourdes batizava a inocentinha. Deram-lhe o nome de Maria Bernarda. Em família, porém, em diminutivo carinhoso, chamavam-na Bernadete.
Em Julho do mesmo ano, Luísa esperava outro anjo e, no estado de gravidez, resolveu confiar a sua primogênita a uma boa senhora de Bartres, vilarejo a dois quilômetros de Lourdes. E a pequenina lá se foi com a boa Dona Maria Lagnes, esposa do Senhor Aravant.
Quinze meses passou ali Bernadetem tratada cin extremo carinho. A Senhora Aravant havia perdido um filhinho recém-nascido e sentiu-se bem feliz tendo um bebezinho para aliviá-la do leite materno e a consolar das saudades amargas do filhinho morto.
Em Fevereiro de 1845, o segundo filho de Soubirous morria com apenas dois meses. Bernadete voltou à casa paterna em Outubro do mesmo ano.
Havia ali ainda certa fartura e relativo conforto. O moinho dava algum lucro.
Francisco Soubirous e Luísa eram, no entanto, maus administradores. Vendiam fiado a toda gente. Não tinham certo capricho na entrega das farinhas e perderam boa freguesia.
Luísa era bondosa em extremo. As mulheres pobres da vizinhança a exploravam. E ninguém a visitava sem levar uma lembrancinha, isto é, um pacote de farinha. E todos ali tomavam alguma coisa, um doce, uma fruta antes de sair. Boa criatura, a mãe de Bernadete - doce, amável, laboriosa e ingênua.
Francisco era bonachão e sossegado. Um pouco indolente. A família crescia, os negócios se atrapalhavam, e o homem sempre descuidado e imprevidente. Era fatal a miséria. E esta já se aproximava a passos de gigante.
Em 1855, veio a crise. Os credores apertavam cada vez mais. O moinho já quase nada rendia. Mal chegava para matar a fome da família. O senhor da casa e do moinho exigiu seus direitos. Então, forçados a deixar tudo, alugaram um casebre miserável nos arredores, e foram ganhar o pão ora aqui, ora ali, onde achavam algum meio de vida.
Faltava muita vez o trabalho. E era então a miséria, a mais negra miséria em casa. Não podiam pagar o aluguel das pobres choupanas e andavam errantes de casebre em casebre, os pobrezinhos, sempre envergonhados e humilhados.
Afinal, um parente de Luísa, compadecido de tanta pobreza, deu-lhes um casebre miserável numa das vielas de Lourdes.
Ali foi crescendo e vivendo a pobre Bernadete sabe Deus como! Sempre raquítica e fraquinha, começou desde então a sofrer de asma, que lhe foi o martírio de toda a vida. Caía sempre desfalecida e sufocada em crises dolorosas e repetidas.
E não havia dinheiro para remédio e nem sequer para uma alimentação sadia. Faziam os pais, no entanto, o possível para tratá-la melhor. Bernadete comia pão e trigo em vez de pão duro de centeio. Às vezes mesmo davam-lhe uma garrafinha de bom vinho, que ela tomava com açúcar, para aliviá-la e fortalecê-la um pouco mais.
Os outros irmãozinhos não compreendiam a necessidade daquelas exceções e o cuidado dos pais com a sua primogênita. Queriam também vinho e pão branco. Não era possível.
Bernadete procurava convencê-los de que era doente e necessitava um regime mais forte. Qual! Os terríveis petizes continuavam obstinadamente as queixas, e já que nada conseguiam chegavam às vias de fato. Quase todo dia, além do suplício da asma, a pobre menina tinha os empurrões e os sopapos, e até alguma bordoada dos seus irmãozinhos. Choramingava pelos cantos, mas não se queixava. Perdoava logo seus pequenos algozes.
No inverno de 1855, tão rigoroso nos Pirineus, a tia Bernarda, madrinha de Bernadete, levou para casa a afilhadinha e tratou-a carinhosamente durante sete ou oito meses.
Em 1857, Maria Aravant pediu aos Soubirous a filhinha para servir de pajem das crianças. Entretanto, em Bartres, em vez de crianças, deu a Bernadete rebanhos para guardar.
Sempre alegre e sorridente, ingênua e pura como um anjo, a nova pastorinha cantava feliz pelas montanhas, seguindo o rebanho. Como ela gostava dos cordeirinhos brancos! Para não perder o tempo, trazia consigo o terço e o recitava quase o dia todo. O Pai-Nosso, a Ave-Maria e o Credo, era só o que havia aprendido em casa.
À hora do Angelus ela se punha de joelhos e rezava com muito fervor! Tecia coroas de flores para a imagem da Virgem.
Brincava com os cordeirinhos e os amava porque eram brancos e pequeninos.
O Padre Ader, vigário de Bartres, impressionou-se com a modéstia encantadora de Bernadete e o seu olhar tão angélico e doce.
- Esta menina, disse ele, faz-me lembrar os videntes de La Sallete.
Palavras proféticas!
Aos quatorze anos, a pastorinha não sabia ler e escrever e nem havia feito a primeira comunhão. Maria Aravant, senhora piedosa, preocupava-se muito com a instrução religiosa dos seus domésticos.
Começou a ensinar o catecismo a Bernadete. Que dificuldade! A menina era bem curta de inteligência e rústica demais. Tinha uma memória rebelde e apesar de mil e mil repetições das mesmas coisas, era como se nunca lhe tivessem ensinado coisa alguma.
- Ó cabeça dura! Tola, ignorante! Não aprendes mesmo nada!
E impaciente, Maria Aravant atirava toda irritada o livro à cabeça de Bernadete e se retirava a resmungar:
- Menina estúpida, tola, ignorante!
A pobre menina pedia perdão à patroa e se sentia tão humilhada, coitadinha! Desejava tanto receber a santa comunhão como as outras meninas! Era mister voltar para a vila. A patroa mandou entregá-la aos pais.
Nos primeiros dias de 1858, os Soubirous receberam de novo em casa a sua filhinha. Estava já crescidinha e mais bem disposta. O casebre da Rua dês Petits-Fosses, que hoje é um relicário de Lourdes, foi o lugar sagrado em que viveu durante as aparições o anjo da Virgem.
Bernadete recitava o terço todo o dia e os pais e irmãos a seguiam. Assistia a Santa Missa cada domingo. Naquele pobre e humilde casebre, onde a miséria batia sempre, havia um belo tesouro de fé. Nossa Senhora ia agora revelá-lo ao mundo, mostrando a sua predileção pelos humildes e pequeninos.
Era chegado o tempo das aparições.
(1) Mons. Ascânio Brandão, Sta. Bernadete, a confidente de Lourdes, Ed. Vozes, 1956, 3ª. Edição.
(Livro Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume VI, p. 371 à 376)