No dia de hoje, o martirológio romano diz, no seu resumo:
Perto de Colônia, a morte das santas Úrsula e companheiras: em defesa da religião cristã e conservação da virgindade, foram mortas pelos hunos, assim terminando a vida pelo martírio; os corpos, na maior parte, foram inumados em Colônia.
A legenda de Santa Úrsula e companheiras foi deveras popular na Idade Média, mas, com o advento da Renascença, ruiu, sucumbiu à luz da crítica, e o que era tido como real passou a ser lendário.
Existiram, realmente, onde mil virgens ao lado de Santa Úrsula? Donde, este número? Como se impôs?
I. Há os que dizem que entre as virgens que acompanharam Úrsula uma houve que se chamava Undecimillia: a este nome, tomaram-no como onze mil
II. Há os que se apóiam nos nomes Úrsula e Aemilia (outra virgem), dizendo-os mal transcritos, daí terem gerado a confusão.
III. Outros ainda, que falam duma inscrição mal interpretada, querem que, ao invés de onze mil, sejam apenas onde as virgens: da abreviação XI. M. V. - Ou seja XI martirum virginum, fizeram XI mil virgens
IV. Como se sabe, os romanos colocavam, sobre o algarismo, para transformá-lo de unidade para milhar, um traço. Teria sido, como se aventou, um clérigo ou um monge o autor do traço sobre o número romano XI, que assim agiu, e sem se turbar, julgando, bem ai contrário, que seria altamente honroso para a Igreja ter um número tão elevado de virgens, que pudesse cultuar solenemente, e, pois, engrandecendo-a sobremaneira?
O número onde mil não surgiu imediatamente. Assim é que, ainda nos séculos X e XI, certos autores o desconheciam. Wandelbert de Prum, contudo, num martirológio em versos, falava em 948, de milhares de santas. Dois calendários, posteriormente, diziam claramente: "Em Colônia, onde mil santas virgens."
O que se pensa, porém, é que onze era o número das companheiras de Santa Úrsula. Como se verá, a legenda não lança luz alguma sobre a questão, porque nos fala, cristalinamente, de onze mil virgens.
Havia certa vez, na Grã-Bretanha, um rei piedosíssimo, que muito desejava ter um filho para a sucessão, mas Deus lhe deu uma filha. Um dia, os pais tiveram um sonho: a menina, futuramente, haveria de enfrentar, em luta, o diabo, que lhe apareceria na forma dum urso. Deram-lhe, então o nome de Úrsula, que quer dizer Ursinha.
Úrsula foi crescendo e à medida que avançava em idade, mais bela se tornava. Todos, na corte procuravam tornar-se simpáticos à formosa princesa, guardando no fundo do coração o desejo de poder desposá-la. A princesa, todavia, outra coisa não desejava senão permanecer virgem para o Esposo do céu.
Logo, a formosura de Úrsula correu o mundo e acabou chegando ao conhecimento dum príncipe bárbaro, filho dum rei tão poderoso quão voluntarioso, que vivia longe, num país deveras distante do reino em que a linda princesa trazia a todos os jovens a suspirar. Este rei assentou que a teria como esposa para o filho. E, imediatamente, tratou de enviar embaixadores com ordem de oferecer ao pai de Úrsula cidades, terras, mesmo o reino que governava, caso fosse necessário, em troca da mão da jovem, tanto idolatrava o filho.
Se, apesar de tudo, fosse-lhe negada a princesa, então, sem hesitar, nem contemporizar, moveria guerra de morte ao rei que não lhe respeitara a vontade.
O pai de Úrsula ficou perturbadíssimo, perplexo, porque não desejava permanecer longe da filha, nem, e principalmente, entregá-la a um bárbaro, muito menos ver o povo, que o amava, arruinado e massacrado.
Úrsula, vendo o pai extremamente inquieto, procurou saber a razão. O rei, que guardava bem longe da filha o que lhe sucedia, instado, depois de muitos rogos da jovem, acabou por deixá-la ao par dos acontecimentos.
A princesa não se turbou, e, propondo ao pai que ambos se dessem à oração com grande fervor, entraram a pedir a deus que os socorresse naquela dura emergência.
Pouco depois, uma noite, Úrsula viu em sonhos o que lhe ia acontecer, num futuro muito próximo. Alegríssima, foi, apenas se levantara, ao encontro do pai, e anunciou que estava disposta a aceitar a proposta do rei bárbaro. Desejava, todavia, dez companheiras virgens, das mais virtuosas da corte, para acompanhá-la ao país estrangeiro, bem como uma escolta, para ela mesma e para cada uma das acompanhantes, de mil virgens.
O príncipe bárbaro, cheio de júbilo com a resposta da princesa, tão encantado ficou que, no mesmo instante que recebeu a notícia, quis iniciar-se na religião cristã.
O rei da Grã-Bretanha deu ordem para que se construísse os navios necessários para o transporte das jovens que demandariam o país em que a filha iria viver. Ao cabo de três anos, deixaram as onze mil virgens da Grã-Bretanha a terra natal.
O vento levou as embarcações até os Países-Baixos. Por terra e por rios, chegaram a Colônia. Ali, Úrsula, em sonhos, viu um anjo, que lhe anuncio que, com as companheiras, devia ir a Roma, donde tornariam para sofrer o martírio.
Úrsula contou às companheiras a visão que tivera. Todas, muito alegres, porque aquilo significava que ganhariam o paraíso, iniciaram a marcha. Chegadas a Roma, ali passaram alguns dias, a visitar os santuários e a cidade. Depois, principiaram a viagem de volta.
Ora, Átila, o feroz rei huno, punha cerco a Colônia. Admirado com a beleza de Úrsula, o Flagelo propôs-lhe casamento. A princesa recusou a proposta, e Átila, num acesso de raiva, ordenou aos guerreiros que a Úrsula e às companheiras crivassem de flechas.
Nem bem perecera a última virgem, os hunos acreditaram ver um exército formidável que lhes vinha ao encontro, tão numeroso quanto numerosas eram as inocentes vítimas que jaziam ensanguentando a terra. Loucos de terror, debandaram.
Os habitantes de Colônia, perplexos com tão desordenada fuga, porque não viam motivos para tal, principiaram, então, livres do inimigo, a tarefa, triste tarefa, de sepultar os corpos das santas virgens massacradas. Em honra das onde mil mártires, logo erigiram uma basílica, templo que, bem mais tardem arruinado, foi restaurado por um certo Clemácio, personagem consular, que disse ter sido encorajado por visões divinas a empreender aquela reparação na basílica.
Fotos: santiebeati.it
(Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XVIII, p. 383 à 388)