Nasceu Santo Amando por volta de 594, em Herbauge, perto de Nantes. Seu pai, Sereno, e sua mãe, Amântia, eram de ilustre condição. Amando, porém renunciando a tais vantagens, abandonou a casa paterna desde a mocidade, e retirou-se para uma ilha perto de La Rochelle, onde abraçou a vida religiosa num mosteiro que, então lá se erguia. Seu pai, não tendo para ele outros objetivos senão mundanos, foi procurá-lo e ameaçou deserdá-lo, se não retomasse as vestes do século. Respondeu o filho:
- " Meu pai, nada espero de vossa herança; tudo quanto vos solicito é que me deixeis servir a Jesus Cristo, que é a minha herança."
Numa peregrinação ao túmulo de São Martinho de Tours, suplicou a Deus, com lágrimas, nunca mais rever a pátria, e passar a vida inteira a mudar de país, como estrangeiro. Cortou os cabelos e foi recebido no clero de tal igreja. Depois, com a benção do abade e dos irmãos, foi a Bourges, onde Santo Austregésilo, que era bispo, e São Sulpício, então arquidiácono, o receberam favoravelmente e lhe deram ordem de construir uma cela perto da igreja. Lá ficou, encerrado, cerca de quinze anos, coberto de um cilício e de cinzas, jejuando e vivendo apenas de pão e água.
Ao cabo desse tempo, sentiu-se inspirado a fazer a peregrinação a Roma, a fim de visitar os túmulos dos santos apóstolos.
Uma noite, estava orando com fervor à porta da Basílica de São Pedro, por não lhe terem dado licença de a transcorrer na igreja, quando o príncipe dos apóstolos, aparecendo-lhe, lhe ordenou voltasse às Gálias para lá anunciar aos povos as verdades da salvação. Obedeceu e, algum tempo depois, pelo ano de 626, o rei Clotário II e os bispos o obrigaram a aceitar o episcopado, sem residência determinada, porém. Entre outras boas obras, resgatava na medida do possível jovens cativos, ministrando-lhes a liberdade, os distribuía por diversas igrejas onde vários dentre eles se tornaram, posteriormente, abades ou bispos.
Até então, ninguém ousara pregar no país de Gand, tanto por causa da esterilidade da terra como por causa da selvageria dos habitantes. O santo foi visitar Achário, bispo de Noyon e de Tournai, em cuja diocese se encontrava então Gand, e rogou-lhe obtivesse do rei Dagoberto cartas para obrigar os idólatras a receber os ensinamentos do cristianismo.
Apesar de tais cartas do rei e da benção do bispo, não deixou de padecer em Gand incríveis penas. Frequentemente o repeliam mulheres ou camponeses; frequentemente o espancavam ou lançavam ao rio. Até os que o tinham acompanhado o abandonaram, em virtude da esterilidade do lugar; mas ele continuava a orar, vivendo do trabalho manual. Um milagre tornou mais tratáveis aqueles bárbaros.
Estava Santo Amando em Tournai, quando soube que um conde dos francos, chamado Dotton, acabava de condenar à morte um ladrão. Imediatamente foi solicitar perdão do condenado, mas não logrou obtê-lo, e o infeliz foi executado. Amando foi apoderar-se do corpo, e mandando que o transportassem para sua casa, passou a noite em preces. No dia seguinte, chamou os criados e lhe ordenou trouxessem água. Julgaram que seria para lavar o corpo, segundo o costume, antes do sepultamento. Mas fortemente surpreendidos ficaram quando, entrando no aposento, lá encontraram o que haviam deixado morto cheio de vida e conversando com o bispo. Trazia ainda cicatrizes que lhe tinham sido feitas mas que desapareceram, mal Amando as lavou com a água pedida.
A nova do milagre se alastrou, e os habitantes acudiram em multidão, rogando humildemente ao santo bispo que os fizesse cristão. Destruíram os templos e os ídolos, com as suas próprias mãos e, para substituí-los, mandava Santo Amando erguer igrejas e mosteiros, mediante o auxílio do rei e de pessoas piedosas.
O santo bispo, vendo que a fé começava a se estabelecer naqueles paramos, foi pregar aos escravos, os quais, novamente chegados do norte, faziam grandes progressos na Germânia. Passando o Danúbio, anunciou o Evangelho aos bárbaros, esperando conquistar a coroa do martírio. Mas, vendo que os resultados eram escassos, voltou para o seu rebanho. Os bárbaros levaram a efeito freqüentes incursões pelas terras dos francos; mais tarde, porém, quase todos foram reduzidos à servidão, de modo que o nome de esclavo ou de escravo e o de servo passaram a ser sinônimos.
O rei Dagoberto, filho de Clotário II, deixando a Austrásia para reinar na Neustria, começou a se afastar da justiça observada até então, apoderando-se dos bens dos súditos, e até das igrejas, para encher os seus tesouros. Santo Amando mais ousado que os demais bispos, censurou-o por tais crimes, e foi expulso do reino.
O santo bispo rumou para as regiões afastadas com o objetivo de pregar a fé aos infiéis. Entretanto, não tinha o rei nenhum filho de tantas mulheres, e rogava por ele a Deus, quando soube, com extremo júbilo, que de Ragnetrude lhe nascera um.
Refletindo por quem o mandaria batizar, mandou procurar o mesmo Santo Amando. Ao vê-lo lançou-se-lhe aos pés, pediu-lhe perdão, rogou-lhe batizasse o filho e o tomasse como filho espiritual. Amando a princípio recusou; finalmente, cedeu às instâncias do rei, por intermédio de Dadon e Elói, dois senhores da corte, dotados de grande piedade. Disseram ambos ao santo bispo que aquela afinidade espiritual com o rei lhe proporcionaria mais liberdade para pregar por todo o reino e converter maior número de fiéis.
O batismo realizou-se em Orleans, para onde rumou Ariberto ou Clariberto, irmão do rei, que reinava sobre uma parte da Aquitânia, e foi padrinho do menino. Santo Amando, pegando a criança ao colo, deu-lhe a benção para torná-lo catecúmeno; como ninguém respondesse, o menino, que ainda não contava quarenta dias, respondeu distintamente: amém. Imediatamente foi batizado com o nome de Sigeberto, e, em seguida, tornou-se mais ilustre pela santidade do que pelo nascimento. Era o ano de 630.
Em 647, o rei São Sigisberto da Austrásia obrigou Santo Amando, a quem amava como pai, a aceitar o bispado de Maestricht, após a morte de São João, cognominado o Cordeiro, bispo da cidade, para onde fora transferida a sé de Tongres. Vendo que o êxito não correspondia ao seu zelo, solicitou Santo Amando do papa São Martinho permissão para deixar a sua diocese e retomar o curso das suas missões apostólicas, estabelecendo, ao mesmo tempo, novos mosteiros. O papa, a principio, o dissuadiu; mas por volta do ano de 650, enconrtrando-se Santo Amando em Roma - era a sua terceira peregrinação para a cidade santa - o papa São Martinho lhe aprovou as razões. Deixou, portanto, a sé de Maestricht, após havê-la ocupado por cerca de três anos.
São Reclamo, então abade de Stavelo, foi o seu sucessor. Amando visitou os mosteiros da Bélgica, e foi pregar a fé aos bascos ou gascões, ainda, na maioria, idólatras. De lá voltou a Flandres, bispo de Cambrai, dedicou a igreja do mosteiro de São Guislain.
Santo Amando retirou-se, nos derradeiros anos de vida, para o mosteiro de Elnon, e lá morreu aos noventa anos de idade, por volta de 679. Alguns anos antes, dedicara, com grande solenidade, a igreja por ele mandada a construir em Elnon, em honra de São Pedro e São Paulo. São Réolo de Reims, sucessor de São Nirvado, São Mommolin de Noyon, São Vindiciano de Arras e de Cambrai, sucessor de Santo Auberto, assistiram à cerimônia com três abades, São Bertinho de Sithiu, Adalberto de São Bavon e João de Blandim. A sua vida foi escrita por Baudemond, um dos seus discípulos.
Deixou Santo Amando uma posteridade de santos nos seus diversos mosteiros. Fundara dois no território de Gand, dedicados em honra de São Pedro: um na cidade, que tomou o nome de São Bavon; outro perto da cidade, na montanha Blandin, chamada por isso de Bandinberg. Construíra outro a três léguas de Tournai, à margem do riozinho de Elnon, onde morreu. Este último tomou, mais tarde, o nome de Santo Amando.
(Livro Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume III, p. 60 à 65)