Quando do imperador Licínio, Agrícola governava a Capadócia. Em Sebasta, principiou a perseguição aos cristãos. À procura de animais ferozes, diante dos quais desejava expor as vítimas, ordenou aos seus homens que se embrenhassem nas florestas das vizinhanças e os apanhassem vivos. Um grupo de caçadores acabou chegando ao pé de uma montanha e. ali. Abismados, viram todos que várias feras, reconhecidamente irreconciliáveis, confraternizavam-se na maior tranqüilidade, diante da boca de uma caverna. E eram leões, tigres, lobos, chacais, hienas, ursos, antílopes de toda a espécie, e hienas e leopardos, e macacos de grande porte.
Busto-relicário de São Brás que se conserva em Zaragoza, Espanha |
Que significava aquilo? Era o que se perguntavam, atônitos, os caçadores. Logo, porém, da admiração, passaram ao estupor. Um homem, aparecendo à luz, saído da escuridão da gruta, considerou as feras e, em seguida, como que as abençoou. E todas, em ordem, sossegadas, desapareceram, foram-se para as brenhas donde haviam vindo.
Um leão, todavia, grande e de enorme juba fulva, permaneceu onde se encontrava. E os homens que observavam, agora estatelados, viram-no erguer uma das patas e o habitante da caverna aproximar-se dele. Era talvez um estrepe que se lhe cravara na mão. E, feita a intervenção, o animal, tranquilamente, como os demais, foi-se dali.
Aquele fato, relataram-no os que os observaram a Agrícola. E o governador, ordenando aos soldados que se fossem, à caverna e prendessem o homem que nela vivia, ficou guardando o resultado da expedição.São Brás, armênio de nascimento, homem puro e inocente, doce e modesto, era o morador da gruta.
Tocado pelas virtudes que o adornavam, o povo de Sebasta escolhera-o para bispo, e o santo varão, inspirado pelo Espírito Santo, estabeleceu residência no buraco daquela montanha, onde os homens da cidade e os animais do deserto iam procurá-lo, ambos em busca de lenitivo para os males que os afligiam. Brás foi preso sem esboçar a menor resistência e conduzido ao tribunal.
Agrícola, impossibilitado de vergar o santo homem de Deus, de vê-lo apostatar, ordenou que o batessem sem piedade, depois do que atirassem com ele, e à teimosia que nele morava, na mais negra, úmida e escura das masmorras.
Como acontecia quando na caverna da montanha, os fiéis foram procurá-lo para dele receber a costumeira benção. Brás abençoando a todos, curava os que porventura se achavam doentes disto ou daquilo. Um dia, apareceu ao santo bispo uma pobre mulher, vestida de farrapos. Vinha aflita, chorosa, nos braços uma criança quase estrangulada por uma espinha de peixe que se lhe atravessara na garganta.
São Brás, comovido com o sofrimento do pequenino ser e com a fé que ia naquela pobre esfarrapada, pousou a mão na cabecinha da criança, ergueu os olhos para o alto e orou por um momento. E, em seguida, fazendo o sinal da cruz na garganta do acidentado, pediu:
- Ó Senhor Jesus, acolhei favoravelmente minha prece. Por vosso poder, tirai esta espinha e proporcionai este socorro a todos os que, afligidos do mesmo mal, a vós implorem e pronunciem a oração que vos endereço.
Pouco depois, livre a criança do que a maltratava, a mãe, agora chorando de contentamento e de gratidão, deixava o bom bispo na sua feia masmorra. Por várias vezes foi o santo homem retirado da prisão e levado á presença de Agrícola. E, como perseverasse em confessar Jesus Cristo, era supliciado. Como paga de tanta constância, de tanta firmeza e doçura, o Senhor, sempre que o grande bispo retornava à cela que lhe haviam destinado, operava algum prodígio. Conta-se que, numa destas vindas do tribunal, apresentou-se-lhe uma pobre viúva, a quem um lobo lhe levara a única coisa que possuía - um porco.
- Vai em paz, disse-lhe São Brás. Tem fé em Deus.
A viúva, consolada, voltou à pobre choça em que vivia, e, pouco antes de chegar, já estava a ouvir o roncar do suíno no pequeno chiqueiro que lhe construíra.
Doutra feita, sete mulheres que se apresentaram à prisão para cuidar das feridas do santo prelado, foram denunciadas como cristãs. Levadas ao tribunal e interrogadas, acabaram os pagãos por descobrir que haviam sido as autoras do lançamento dos ídolos do governador ao fundo de um lago que se situava nas imediações. Martirizadas, São Brás deplorou-as, e Agrícola, agastado, condenou-o a ser precipitado ao fundo daquele mesmo lago que agora lhe era pouso dos ídolos. Quando o levaram para as margens, São Brás fez o sinal da cruz e avançou sobre as águas, sem que submergisse, como por uma estrada. E, uma vez bem no meio, parou, virou-se para os maravilhados ministros da justiça e desafiou:
- Vinde, vinde vós, e ponde a prova o poder de vossos deuses!
Vários infiéis aceitaram o desafio. Entraram no lago e mergulharam no mesmo instante. Agrícola, confuso, observando o Santo, viu-o retornar. É que um anjo do Senhor, aparecendo tão somente ao bom e puro bispo, dissera-lhe:
- Volta, ganha a margem e recebe a coroa do martírio!
Condenado pelo governador a ser decapitado, São Brás, antes de apresentar a cabeça ao carrasco, suplicou a Deus:
- Senhor, favorecei todos aqueles que me assistiram no combate que travei, bem como os que me implorarem o socorro, depois de me levares para a vossa glória. Jesus, então, naquele último instante, apareceu-lhe. E, olhando-o docemente, prometeu:
- Ouvi tua súplica e te concedo tudo aquilo que a mim me pediste.
Decapitado a 3 de Fevereiro, com o grande bispo de Sebasta foram-no também duas crianças condenadas à mesma pena.
O culto de São Brás espalhou-se grandemente no Oriente e no Ocidente. As curas maravilhosas operadas pela invocação do nome do santo bispo são inúmeras, principalmente em males de garganta, mesmo de dentes. Diz-se que, quando preso, uma mulher o procurou, levando-lhe alimento e uma lamparina, para que espantasse a escuridão da cela. Comovido, por tal lembrança da boa mulher, prometeu-lhe que, se todos os anos levasse uma vela à igreja, ela, todos os que a imitassem, haviam de se achar sempre bem. Vem daí, naturalmente, a prática das velas de São Brás. (Livro Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume II, p. 394 à 399)