São Paulo, cognominado o Simples, foi discípulo de Santo Antônio da Tebaida (1). Modesto agricultor, homem de grande boa fé, desprovido de malícia, casara-se com uma formosa mulher, tão formosa quão depravada.
Um dia, quando voltava da labuta do campo, encontrou-a em companhia de outro homem. Exasperado, gritou-lhe:
- Ótimo! Não te verei jamais!
E, dirigindo-se ao que a cortejava, acrescentou:
- Toma-a para ti, mas toma também os filhos todos que pôs no mundo! Não voltarei jamais! Hei de me fazer monge, e acabarei meus dias no retiro!
Paulo era já velho. Deu as costas aos dois criminosos e deixou a casa em que vivia.
Diz Paládio (2):
"Ele saiu de casa e foi bater à porta do bem-aventurado Antônio:
" - Quero ser monge! Disse-lhe ele."
" Antônio replicou, observando-o:
- Um homem velho, de sessenta anos, não pode ser monge aqui. Volta, trabalha, leva vida que levavas, porque tu não és capaz de suportar as tribulações do deserto.
Mas o velho insistiu:
- Farei tudo aquilo que me ensinares e ordenares.
- Não, repetiu Antônio. Já não te disse que és muito avançado em idade e que não és capaz? Se realmente desejas ser monge, vai e procura uma comunidade de irmãos mais numerosos que poderão suportar tua fragilidade. Não vês que eu aqui sou sozinho? Além disso, só me alimento quando a fome aperta, e aperta deveras! Vai, e deixa-me.
Foi assim que Antônio descartou-se de Paulo. E, vendo que o teimoso não dava um passo, recolheu-se, fechou a porta da cela, e ficou sem dali sair por três dias consecutivos, tempo, naturalmente, suficiente para se desembaraçar do importuno.
No quarto dia, Antônio, pressionado pela necessidade, abriu a porta, saiu e deu com o velho Paulo no mesmo lugar:
- O homem exclamou. Por que me fazes assim? Tu não podes ficar aqui!
Paulo contentou-se em dizer:
- É me impossível voltar.
Antônio pôs-se a pensar: não é que o velho ficara sem se alimentar, sem comer nem beber, suportando um jejum de quatro dias? E disse para si mesmo: "Estou vendo que aquele teimoso acabará morrendo aqui e minha alma ficará responsabilizada por tal crime". E assim admitiu-o em sua cela.
A partir daquele momento, Antônio adotou um regime tal que jamais havia seguido desde a juventude. Arranjou folhas de palmeira e disse a Paulo:
- Toma essas folhas e tece uma corda como vires que eu faço.
O velho meteu mãos à obra, atrapalhou-se muito no início, mas teceu noventa e cinco braças. Antônio lançou um olhar ao trabalho e disse, desprezando-o:
- Teceste mal. Desfaz o que fizeste e tece de novo,
Embora fosse repugnante o que impusera ao outro, dada a sua idade avançada, Antônio consolava-se, esperando não o fazer jamais: impacientado, o velho acabaria fugindo e o deixaria, outra vez, sozinho. Paulo, porém, desfez o que fizera, todo paciência, demoradamente, e tornou a tecer a corda, com muito cuidado.
Quanto terminou, disse-lhe Antônio:
- Está um pouco melhor, mas um tanto frouxa. Desmancha-a e tece-a de novo.
Paulo, sem um murmúrio, principiou a desmanchar o feito. Antônio, então, compadeceu-se do pobre que não se queixava, indignava ou desencorajava. E como o sol baixava, disse-lhe:
- Vamos comer um pedaço de pão?
O seu velho Paulo respondeu:
- Se tu quiseres, Pai.
Antônio enterneceu-se. Levantou-se compôs a mesa e sobre ela colocou quatro pedaços de pão velho e ressecado já bem duro, quatro fatias nem finas nem grossas. Puxou uma delas para si, e deixou as três restantes para Paulo.
Principiou então a cantar salmos que sabia de cor. E uma oração, muito longa, repetiu-a por doze vezes - para provar o velho. Este, com ardor, acompanhava o mestre. E pensava que era preferível fazer penitência e comer escorpiões a viver com uma mulher adúltera.
A noite, finda a oração, caíra de todo. E os dois solitários sentaram-se para comer. Antônio tomou o seu pedaço de pão velho e seco e comeu-o, esperando que Paulo, findo o seu, fosse convidá-lo para um segundo. Mas Paulo disse-lhe:
- Pai, se tu comeres um segundo pedaço, eu o farei, mas se não, contentar-me-ei com o que já comi.
- Um só me basta, respondeu Antônio, por que sou monge.
- Um só pedaço igualmente me basta Pai, porque quero ser monge, respondeu o velho firmemente.
Então Antônio levantou-se, fez doze orações e cantou doze salmos. Em seguida deitou-se e dormiu um pouco. Para cantar, no meio da noite, novos salmos, levantou-se lepidamente. E sempre acompanhado, nos menores movimentos, pelo velho companheiro, que o imitava com grande ardor, disse-lhe:
- Se tu puderes viver assim, dia a dia, fica comigo.
- Em verdade, respondeu Paulo, se for necessário fazer algo penoso, não seu se poderei suportá-lo. Todavia, o que até aqui fizemos, eu o farei alegremente.
No dia seguinte. Antônio disse ao companheiro:
- Eis que tu és monge!
Convencera-se de que Paulo, era uma alma perfeita, extremamente simples, e que a graça estava com ele. Construiu-lhe uma cela bastante afastada da sua e avisou-o:
- Tu agora és monge, e pois, deves suportar os assaltos do demônio, na solidão;
Depois de um ano de êremo, Paulo recebeu a graça de poder ordenar aos demônios e de curar doenças.
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Conta-se de São Paulo, o Simples, que um dia levaram-lhe um endemoninhado. O Santo, depois de muitas preces, de súplicas infindas de grandes lutas, acabou por se prostrar de costas num rochedo, na hora do mais escaldante sol, e, a orar, exclamou, dirigindo-se ao diabo:
- Não deixarei este lugar enquanto daqui não te fores!
Logo, com um feio berro, desaparecendo, declarou o espírito impuro:
- Tua simplicidade é que me expulsa!
Muitos outros prodígios obrou São Paulo. Falecido em 340, é festejado em várias datas: 18 de Dezembro, 11 e 21 de Janeiro. A 7 de Março, porém, vêmo-lo no martirológio romano.
(1) 17 de Janeiro
(2) Pallade, Histtoire Lausiaque
(Livro Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume IV, p. 244 à 248)