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Evangelho do 3º Domingo da Páscoa
 
AUTOR: MONS. JOÃO SCOGNAMIGLIO CLÁ DIAS, EP
 
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As “Sete Palavras” proferidas por Nosso Senhor no Calvário têm merecido, não sem motivo, belíssimos comentários ao longo da História. Todavia a primeira “Palavra” por Ele dita aos Apóstolos, ao penetrar no Cenáculo, não merece menos atenção.

Mons. João CláJesus deseja a verdadeira paz

A verdadeira paz é a que precisamos encontrar. Sobre ela nos fala o Evangelho deste 3º Domingo da Páscoa.

Naquele tempo, 35 os dois discípulos contaram o que tinha acontecido no caminho, e como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão. 36 Ainda estavam falando, quando o próprio Jesus apareceu no meio deles e lhes disse: “A paz esteja convosco!”

A paz desejada por Nosso Senhor é a única verdadeira entre tantas outras distorcidas e falsas. Quem a deseja para os Apóstolos é o próprio “Príncipe da Paz” (Is 9, 5): trata-se da paz messiânica, riquíssima de toda espécie de bens.

Cifra-se ela na tranquilidade nascida de uma vida ordenada, como nos ensina São Tomás, ao afirmar ser impossível sua existência fora do estado de graça: “Ninguém é privado da graça santificante a não ser em razão do pecado, razão pela qual o homem se afasta do verdadeiro fim e estabelece o fim em algo não verdadeiro. Assim sendo, seu apetite não adere principalmente ao verdadeiro bem final, mas a um bem aparente. Por esta razão, sem a graça santificante, não pode haver verdadeira paz, mas somente uma paz aparente”.1

A única e verdadeira paz foi, portanto, a que Jesus desejou aos discípulos, ao transpor as paredes do Cenáculo devido à sutileza de seu Corpo glorioso.

Evangelho PáscoaOs discípulos isolaram-se, tomados pelo pânico

37 Eles ficaram assustados e cheios de medo, pensando que estavam vendo um fantasma.

A um medo, sucedia outro! De fato os discípulos isolaram-se, tomados pelo pânico de que o Sinédrio pudesse acusá-los de haver roubado o Corpo do Senhor, e, de maneira súbita, veem um “fantasma” que Se introduz no hermético recinto, através das paredes ou portas e janelas fechadas, sem sequer Se anunciar. Por mais essa reação de todos, fica demonstrado o quanto lhes era difícil crer na Ressurreição do Senhor, apesar de ser a quarta vez que Ele aparecia.

“O Evangelista indica que o temor influiu nos discípulos para não reconhecerem Jesus e julgarem que estavam vendo algum espírito. O medo costuma prejudicar o conhecimento claro, e faz com que a pessoa imagine estar vendo fantasmas ou monstros estranhos e pavorosos. […]

“O motivo para os discípulos suspeitarem de que se tratava de algum espírito é certamente o fato de tê-Lo visto entrar — como diz São João — ‘com as portas fechadas’, o que eles acreditavam que só um espírito poderia fazer”.2

Apesar de havê-los saudado com insuperável afeto e feito ouvir o inconfundível timbre de voz do qual tantas saudades tinham, o temor os absorvia. Outro fato determinaria tratar-se do próprio Salvador, e não de um fantasma: Jesus penetrara em seus corações e discernira seus pensamentos, prova patente de ser Ele o próprio Deus,3 pois isto não é possível nem a um espírito.

As chagas, símbolo do poder do Homem-Deus contra o demônio

38 Mas Jesus disse: “Por que estais preocupados, e por que tendes dúvidas no coração? 39 Vede minhas mãos e meus pés: sou Eu mesmo! Tocai em Mim e vede! Um fantasma não tem carne, nem ossos, como estais vendo que Eu tenho”. 40 E dizendo isso, Jesus mostrou-lhes as mãos e os pés.

Segundo nossos critérios estritamente humanos, parecer-nos-ia mais lógico, após a Ressurreição, Jesus retomar sua integridade física, fazendo desaparecer os sinais dos tormentos da Paixão. Por outro lado, considerando os sentimentos de nossa natureza, o exibir as chagas aos discípulos poderia causar-lhes um maior sofrimento, por relembrar-lhes os dramas daqueles terríveis dias de provação. No entanto, a boa conduta teológica toma como base o princípio infalível: se Deus fez, era o melhor; resta-nos assim apenas perguntar quais os motivos de tal conduta.

Antes de mais nada, para sua própria glória, como também se dará com os santos mártires ao retomarem seus respectivos corpos no dia do Juízo. Ademais, as cicatrizes oriundas dos tormentos por eles sofridos em defesa da Fé reluzirão por toda a eternidade. “ Com efeito, as cicatrizes das feridas recebidas por causa digna e justa são um eloquente e glorioso testemunho dos méritos e valor de quem as ostenta”.4 Jesus Cristo tinha todo poder para fazer desaparecer suas chagas cicatrizadas, mas desejou conservá-las para levar em Si próprio um magnífico símbolo de seu poder contra o demônio.

Evangelho PáscoaProva de seu ilimitado amor de Salvador

Os Santos Padres com efeito afirmam ter Nosso Senhor querido conservar as marcas dos tormentos sofridos por Ele com vistas ao Juízo Final, para a confusão dos maus e alegria dos bons. Serão elas um símbolo de sua infinita misericórdia, prova de seu ilimitado amor de Salvador. Ademais será também fonte inesgotável de bênçãos e graças para outros e objeto de ação de graças e adoração por toda a eternidade.

Dessa forma Jesus fortificava a fé dos Apóstolos, eliminando qualquer pretexto para a incredulidade, ou até mesmo para uma simples dúvida, tornando-os verdadeiras testemunhas, pelos séculos afora. Manifesta, além disso, seu amor por eles e, em consequência, também por nós, proporcionando-nos um poderoso estímulo para retribuirmos seu incomensurável afeto, pela disposição de a Ele nos entregarmos inteiramente.

1) SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-II, q.29, a.3, ad 1.
2) MALDONADO, SJ, Juan de. Comentarios a los Cuatro Evangelios. Evangelios de San Marcos y San Lucas. Madrid: BAC, 1951, v.II, p.817.
3) Cf. Idem, ibidem.
4) PETRARCA, Francesco. De remediis utriusque fortunæ. L.II, dial.77.

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